Depois de produzir o longa cinematográfico A Brisa da Morte (The Dark Wind), de 1991, e a trilogia de telefilmes composta por Skinwalkers, A Thief of Time e Coyote Waits para a PBS entre 2002 e 2003, Robert Redford não desistiu da série literária de Tony Hillerman conhecida como Leaphorn & Chee que serviu de base para os longas, e, em 2022, ele tentou de novo, desta vez ao lado de ninguém menos do que George R.R. Martin como coprodutor executivo e em um novo formato, o de série, pluralizando o título do primeiro filme que é, também, o do quinto romance da série cuja terceira temporada seria seu último trabalho tanto como produtor quanto como ator em razão de seu falecimento em 16 de setembro de 2025. Dark Winds, que se passa na reserva Navajo na famosa região do Monument Valley dos anos 70, é um thriller policial com elementos místicos abordando a chamada Polícia Tribal, mas com foco primordialmente no tenente e chefe de polícia Joe Leaphorn (Zahn McClarnon) e em seus delegados Jim Chee (Kiowa Gordon) e Bernadette Manuelito (Jessica Matten) durante as investigações de variados crimes de sua jurisdição.
Com apenas seis episódios, a primeira temporada de Dark Winds começa em 1971 de maneira bombástica, com um violento assalto a um carro forte em plena luz do dia nas ruas de Gallup, no Novo México, com os ladrões fugindo em um helicóptero que voa em direção à reserva Navajo, sendo avistado por um dos nativos. Três semanas depois, depois de uma genial sequência que subverte expectativas e que nos apresenta ao tenente Joe Leaphorn (McClarnon), ele é chamado para a cena de um terrível assassinato duplo, um do nativo que viu o helicóptero, com o corpo mutilado em um motel e que aprendemos ser Hosteen Tso (Harrison Lowe) e outro da jovem Anna Atcity (Shawnee Pourier) que, não demora a descobrirmos, tem conexão profunda com Leephorn. A mínima conexão entre esses crimes, conhecida só pelos espectadores, é tão discreta que chegamos até mesmo a duvidar que eles são conectados, algo que a investigação do tenente ao lado do recém-chegado delegado Jim Chee (Gordon) que, na verdade, é um agente do FBI infiltrado por seu chefe Leland Whitover (Noah Emmerich) justamente para localizar o helicóptero que eles suspeitam ter caído nessa região, começa a descortinar.
O caso em si, apesar de muito interessante e intrigante, passa longe de ser o aspecto mais importante da série. O maior interesse da produção desenvolvida por Graham Roland e, nessa primeira temporada, comandada por Vince Calandra, é usar o mistério policial como trampolim para uma abordagem cuidadosa e profunda sobre os descendentes dos nativos americanos continuamente massacrados pela chegada do homem branco na América do Norte, que, mesmo no começo dos anos 70 é muito presente, como fica evidente pelo que a enfermeira Emma (Deanna Allison), esposa de Joe, diz na língua Navajo – ou Diné, já que Navajo é o nome dado a eles pelos colonizadores espanhóis – na frente de um médico que só fala inglês, para uma jovem grávida no hospital em que trabalha: para ela não ter o filho ali, já que, sem que ela autorize, os médicos brancos, depois do nascimento, a esterilizarão. É um diálogo breve, falado e recebido com a naturalidade de quem não tem saída, de um povo que já foi submetido a tantos horrores, que sequer tem força para reagir e é assim que Dark Winds faz suas críticas sociais, sempre de maneira natural, como se fosse a coisa mais comum do mundo, deixando o espectador para processar o que viu e ouviu.
O elenco, composto em grande parte por atores de ascendência indígena, foi brilhantemente selecionado, algo que fica evidente em McClarnon, o grande destaque da temporada na composição de um personagem que carrega no rosto vincado e na pele bronzeada não só seu duro passado pessoal, como a dor coletiva de toda uma nação em processo final de assimilação, em um território cada vez menor. Em seu silêncio e em suas expressões, o ator parece canalizar seus ancestrais, entregando uma perfomance assombrosa como um policial que tem perfeita consciência do que está ao seu redor e que sofre por isso a cada segundo de seu dia, encontrando talvez um pouco de consolo na esposa que ama e na comunidade ao seu redor, mesmo que seu distintivo afaste muitos de seu convívio. Kiowa Gordon funciona no papel do mentorado para seus mentores – abertamente Leaphorn e, por pouco tempo, secretamente Whitover – e no de “bom filho que à casa torna”, desgostando de rever o lugar onde nasceu e querendo fazer de tudo para ser transferido para Washington D.C., mas que vai aos poucos conectando-se novamente aos valores que perdeu quando saiu muito jovem de lá. E, finalmente, com uma intensidade incomum, há a delegada Manuelito (Matteo), segunda em comando de Leaphorn, que tem como principal função nessa primeira temporada fazer a “ponte mística”.
Esse lado místico vale comentários próprios, pois ele é fascinante. Apesar de Dark Winds ser uma série de cunho evidentemente realista, preocupada em seus mínimos detalhes na recriação das relações tribais e urbanas da época em que se passa e com sequências de ação que fazem de tudo para fugir do espetáculo vazio de fogos de artifício que é o padrão de filmes e séries hollywoodianos, ela não esquece em momento algum da espiritualidade e do misticismo dos rituais indígenas, algo que já fica evidente logo no começo com a única testemunha do assassinato duplo sendo um curandeira nativa cega, mas que continua com cerimônias variadas e, principalmente, no embate de Manuelito com uma assustadora feiticeira que ajuda os responsáveis pelos crimes. É nesse conflito espiritual que a temporada ganha maravilhosamente tensos ingredientes lynchianos, com a realidade dobrando-se à força de feitiços e encantamentos que são apresentados ao espectador sem nenhum tipo de racionalização “terrena”, de maneira que cabe a cada um decidir como encaixá-los na estrutura geral da obra.
Dark Winds é uma série que certamente fascina pelo que está na superfície, ou seja, cenários desérticos belíssimos, figurinos detalhados, reconstrução de época cuidadosa, mas que realmente brilha quando prestamos atenção no que está abaixo dela, sejam atuações angustiantes como a de McClarnon, seja uma espécie de condensação do horror de séculos que esmigalha sem dó nem piedade povos e culturas ancestrais e que deixa até os mais frios e distantes espectadores com um gosto ruim na boca, uma sensação incômoda que torna impossível passar incólume pela experiência. Robert Redford acertou em cheio em insistir em mais uma adaptação dos livros de Tony Hillerman, encontrando na equipe de sua série a tempestade perfeita que dá vida a uma história policial atraente que abre as portas para verdades que não queremos ver.
Dark Winds – 1ª Temporada (EUA, de 12 de junho a 17 de julho de 2022)
Data de exibição no Brasil: 30 de setembro de 2025
Criação: Graham Roland (com base em série literária de Tony Hillerman)
Showrunner: Vince Calandra
Direção: Chris Eyre, Sanford Bookstaver
Roteiro: Graham Roland, Anthony Florez, Maya Rose Dittloff, Razelle Benally, Billy Luther, Erica Tremblay, Maya Rose Dittloff
Elenco: Zahn McClarnon, Kiowa Gordon, Jessica Matten, Deanna Allison, Rainn Wilson, Elva Guerra, Jeremiah Bitsui, Eugene Brave Rock, Noah Emmerich, Jonathan Adams, Ryan Begay, DezBaa’, Amelia Rico, Rob Tepper, Betty Ann Tsosie, Quenton Yazzie, Ryffin Phoenix, John Diehl, Stafford Douglas, Shawnee Pourier, Makena Ann Hullinger, Geraldine Keams
Duração: 260 min. (seis episódios)
