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Crítica | Dark Winds – 2ª Temporada

O homem branco fugia e o navajo ia atrás.

por Ritter Fan
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O segundo ano de Dark Winds, produção de Robert Redford e George R.R. Martin que adapta People of Darkness, o quarto romance da série literária Leaphorn & Chee, de Tony Hillerman, parece simplificar a história se compararmos com o que vimos na primeira temporada. No lugar de crimes bem diferentes e aparentemente desconectados que, aos poucos, vão convergindo em uma coisa só e deixando um pouco de lado o aspecto mais diretamente místico, a nova história lida com uma caçada humana a um misterioso homem loiro que aparece por ali para matar alguns nativos Navajo da reserva do Monument Valley sob jurisdição do tenente Joe Leaphorn (Zahn McClarnon), chefe de polícia local. Mas a palavra chave é “parece”, pois, na medida em que a temporada é desenvolvida e apesar da linha narrativa de perseguição jamais deixar de ganhar destaque constante, pistas aqui e ali, começando por uma fivela de cinto chamuscada, levam Leaphorn a conectar o assassino à explosão no poço de petróleo que ceifou a vida de seu filho alguns anos antes.

Para apimentar a estrutura da temporada, a primeira sequência que vemos é Leaphorn e sua segunda em comando, a oficial Bernadette Manuelito (Jessica Matten) aproximando-se, à noite, de um trailer no meio do deserto com a intenção firme de capturar alguém, algo que eles se movimentam para fazer mesmo recebendo ordens em contrário do xerife, que quer que eles esperem reforços. Esvaziando a tomada de cores, que são usadas apenas para objetos específicos e que se torna marca da presença do assassino misterioso e sem nome vivido por Nicholas Logan, a sequência é repleta de ação explosiva que culmina com a fuga do vilão que mal vemos, com a dupla policial atônita intacta, mas abalada. Vem o corte e os seis dias anteriores a esse momento climático passam, então, a ser contados ao longo da primeira metade da breve temporada, com uma explosão no estacionamento da clínica onde Emma (Deanna Allison), esposa de Joe, trabalha, machucando-a e matando um homem morrendo de câncer que estava saindo de lá.

Mais uma vez, a calma é a marca da temporada. Com exceções pontuais como a sequência de abertura, não há sequências de ação explosivas e a investigação comandada por Leaphorn é lenta, mas compassada e, aqui, cada vez mais obsessiva na medida em que o que ele descobre aproxima os eventos da morte de seu filho, o que o leva a pedir ajuda de seu pai, Henry (Joseph Runningfox), especialista em explosivos e que, como aprendemos, teve o mesmo cargo que o filho na reserva. Jim Chee (Kiowa Gordon), que deixara o FBI, agora é um detetive particular que usa roupas vistosas – ainda que de gosto duvidoso e comicamente deslocadas – e que acaba sendo contratado por Rosemary Vines (Jeri Ryan, a inesquecível Sete de Nove, de Star Trek: Voyager), esposa do milionário local B.J. Vines (John Diehl, que retorna da primeira temporada para um papel muito mais relevante), para recuperar uma importante caixa do marido que teria sido roubada. Não demora, e as linhas narrativas de Chee e Leaphorn convergem, ainda que, no geral, Chee permaneça a temporada toda em segundo plano, quase que como se o novo showrunner, John Wirth, não tivesse certeza de como usá-lo.

Na medida em que a história calmamente se desenvolve, a obsessão de Leaphorn pelo assassino sem nome aumenta exponencialmente e, quando retornamos para as consequências do tiroteio que abre a temporada, somos brindados com uma brilhante e visceral perseguição pelo meio do deserto em que os dois, muito feridos, se enfrentam diretamente. Aqui, vemos a intensidade absurda da atuação de McClarnon em toda a sua glória, com o ator canalizando toda a dor acumulada de seu personagem em um homem capaz de quase tudo para levar à justiça o homem que ele acha que matou seu filho. Diferente do que se pode imaginar de perseguições em filmes e séries puramente hollywoodianas, o que acompanhamos é algo sem espetáculos, mas de um vigor silencioso impressionante, com Logan também sendo muito bem sucedido na construção de um assassino que é osso duro de roer, mas que, ao mesmo tempo, mantem uma sinistra serenidade e apresenta fragilidades e até mesmo uma boa história de origem que vemos em flashback.

Como mencionei, o lado místico da primeira temporada, representado especialmente pelo confronto direto da feiticeira Navajo que literalmente usa feitiços para conseguir o que quer, com Manuelito, não existe aqui, deixando de lado a atmosfera lynchiana original. Mas isso não quer dizer, de forma alguma, que o assunto em si é esquecido, pois o lado espiritual está embrenhado na cultura Diné e, aqui, ele é visto de forma natural e orgânica como cerimônias variadas, na bolsa totêmica que todos carregam consigo para proteção, na pintura que Leaphorn usa para momentos de risco, e no episódio que lida com um elipse solar, em que a superstição nativa toma conta de toda a reserva, exortando que todos fiquem dentro de casa. Além disso, há o Povo da Escuridão do título do livro que serve de base para a temporada, uma misteriosa congregação que só é mesmo vista mais lá para a frente e que serve para exemplificar a usurpação até mesmo de rituais nativos pelo homem branco que não parece satisfeito em dizimar populações originárias inteiras para cumprir seu Destino Manifesto.

Sobre esse mesmo assunto do homem branco continuamente fazendo com que a população nativa sofra, a segunda temporada desenvolve a linha narrativa do programa de esterilização à revelia de mulheres indígenas introduzida na temporada inaugural por intermédio de Emma e de Sally Growing Thunder (Elva Guerra), mas agora na forma da chegada da jornalista Mary Landon (Jacqueline Byers) à cidade próxima da reserva, com o objetivo explícito de denunciar essa prática maligna a ponto de ser inacreditável, mas que realmente aconteceu nos anos 60 e 70 pelo menos. Chega a ser impressionante como uma série tão curta consegue ao mesmo tempo entregar uma história principal competente e cheia de ação e ainda ter tempo para lidar com questões espirituais e fazer os lancinantes comentários sociais que faz, mas Dark Winds acerta no equilíbrio, mantendo cada aspecto de seu conjunto bem dosado e presente, com a segunda temporada sendo simultaneamente muito diferente e de mesma qualidade que a primeira. Nada como roteiros cuidadosos e respeitosos que apenas parecem prosseguir pelas estradas mais viajadas.

Dark Winds – 2ª Temporada (EUA, de 30 de julho a 03 de setembro de 2023)
Data de exibição no Brasil: 30 de setembro de 2025
Criação: Graham Roland (com base em série literária de Tony Hillerman)
Showrunner: John Wirth
Direção: Chris Eyre, Michael Nankin, Billy Luther
Roteiro: John Wirth, Rhiana Yazzie, Max Hurwitz, DezBaa’, Steven Paul Judd, Jason Gavin, Billy Luther, Graham Roland
Elenco: Zahn McClarnon, Kiowa Gordon, Jessica Matten, Deanna Allison, Elva Guerra, Nicholas Logan, DezBaa’, Betty Ann Tsosie, Natalie Benally, John Diehl, A Martinez, Jacqueline Byers, Jeri Ryan, Andersen Kee, Wade Adakai, Robert I. Mesa, Joseph Runningfox, Sarah Luther, Tank Jones
Duração: 287 min. (seis episódios)

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