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Crítica | David Byrne’s American Utopia

por Fernando Campos
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Por volta da metade de American Utopia, David Byrne confessa que prefere mais uma versão feita por estudantes da música Everybody’s Coming to my House do que a própria. Isso porque, segundo ele, os alunos inseriram um tom convidativo e acolhedor na canção, enquanto a dele ressalta o incômodo de receber visitas e ter seu espaço invadido. Curiosamente, o documentário dirigido por Spike Lee é um convite de Byrne muito mais pessoal do que visitar um lar. Em American Utopia, somos convidados e conhecer a mente e sentimentos do artista, mostrando em detalhes a visão de um músico absolutamente brilhante.

A apresentação ocorre no Hudson Theatre, na Brodway, e não deixa ser uma escolha simbólica. Byrne roteiriza aqui um musical dos mais tocantes e profundos, que não deve em nada a grandes espetáculos do gênero, utilizando músicas de sua carreira, evidentemente. Em uma primeira camada, a obra apresenta o olhar idealizado do músico sobre o mundo. Combinando com o figurino e cenário minimalistas do show, o músico destaca a interação humana e o afeto como um motivo de vida que vale a pena. Em sua utopia, o amor, o respeito e a ausência de preconceitos reinam.

Para aqueles que possam considerar essa visão ingênua ou infantil, Byrne faz questão de enaltecer a mentalidade das crianças, como ocorre quando apresenta I Know Sometimes the Man Is Wrong. Portanto, outra camada mais profunda e sutil da obra é a explicação sobre o funcionamento da mente humana. Abrindo a apresentação com a imagem de um cérebro e cantando Here, o artista questiona por que consideramos adultos mais inteligentes, se são os pequenos que possuem mais conexões cerebrais, explicando que, com o tempo, a mente passa a eliminar o que não considera “importante”. Em American Utopia, os vilões são o trabalho, a mídia, a religião e a intolerância, ou seja, tudo o que tenta controlar o livre arbítrio das pessoas. Mas, o que poderia permanecer em uma esfera rasa, é brilhantemente abordado em Once In a Life Time, mostrando como o ser humano evita enfrentar a própria existência ao se ocupar com os elementos citados acima.

Concluindo essas provocações, Byrne traz a arte como uma ferramenta para quebrar essas limitações impostas pela sociedade e pela vida adulta. Por isso, a existência da própria produção parece enriquecer a temática da obra, unindo cinema, música, dança e teatro. Não a toa, o músico se reuniu com um cineasta histórico como Spike Lee para comandar a película. Sobre o trabalho do diretor, Lee pega um grande show e o eleva ao transportá-lo para a lógica cinematográfica. Na fotografia, a variação de ângulos insere dramaticidade às coreografias, como no plongée que mostra os componentes como se fossem peças de tabuleiro em Don’t Worry About the Government, e a iluminação pontua a atmosfera dos cenários, fazendo o papel que deveria ser da direção de arte, combinando com o minimalismo da produção. Já a montagem é perfeita ao intercala planos abertos com os close-ups em David Byrne, fazendo o público aproveitar na totalidade os movimentos em palco e a interpretação do músico.

A conclusão de American Utopia ainda estabelece a obra como um documentário, mostrando as reações de Byrne, do público e demais músicos do espetáculo. Mesmo que alguns blocos da peça pareçam aleatórios dentro da narrativa proposta, como ocorre em Hell You Talmbout, a experiência proposta por Byrne e Lee emociona, ensina e diverte, sentimentos que em um mundo ideal deveriam ser soberanos, algo que definitivamente não ocorre, mas que a arte nos faz experimentar por algumas horas. Que a vida seja preenchida com arte.

David Byrne’s American Utopia – EUA, 2020
Direção:
Spike Lee
Roteiro:
David Byrne
Elenco: David Byrne, Chris Giarmo, Angie Swan, Jacqueline Acevedo, Bobby Wooten Iii, Mauro Refosco, Tendayi Kuumba, Gustavo Di Dalva, Karl Mansfield, Stephane San Juan, Daniel Freedman, Tim Keiper
Duração:
105 min

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