Home FilmesCríticas Crítica | David Lynch: A Vida de um Artista

Crítica | David Lynch: A Vida de um Artista

por Luiz Santiago
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Financiado por uma campanha no Kickstarter e rodado em pouco mais de quatro anos, A Vida de um Artista (2016) organiza mais de 20 conversas que os diretores Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm tiveram com o diretor David Lynch, abordando a sua carreira como cineasta, pintor e escultor, partindo da infância e terminando na produção de Eraserhead, o seu primeiro longa-metragem.

Para um espectador que almeja uma jornada pela obra cinematográfica de David Lynch ou detalhes de seu processo de escrita e filmagem, o documentário não deverá empolgar muito. A proposta aqui é outra: mostrar as bases pessoais do diretor e aquilo que, de sua educação e primeiros anos e experiências fraternas, familiares, escolares e amorosas ajudaram a formar o núcleo de sua arte, começando na pintura e na escultura e só depois chegando ao cinema, tendo dois curtas de início de carreira destacados pelo diretor, The Alphabet (1968) e The Grandmother (1970).

Criado em um lar amoroso e tendo pais que sempre incentivaram sua criatividade, Lynch mostra um outro lado da percepção de mundo que alguém com uma infância e adolescência tão plácidas pode optar por criar obras de puro horror, algo que, em uma análise rasa, poderia ter uma origem violenta ou más experiências em uma tenra idade. Esse tipo de influência da infância para o tipo de obra que um diretor pode ter me fez lembrar Alejandro Jodorowsky em A Dança da Realidade (2013) e Poesia Sem Fim (2016), que tem, inclusive, uma proposta surreal e transcendental próxima à de Lynch, embora eles tomem caminhos diferentes em relação à natureza das coisas que representam. Lynch sempre considera o mal, o sombrio, o grotesco como parte daquilo que é bom. É como um olhar sorrateiro de algo bem ruim sempre à espreita, aguardando o seu momento para atacar.

E é justamente esta a sensação que temos ao ouvir os depoimentos do artista enquanto o vemos trabalhar em alguns quadros. Como todo o documentário foi construído com uma base de narração e não com depoimentos diretos do entrevistado falando para a câmera — há apenas uma cena em que isso acontece, e ela é breve — somos levados como que em um sonho pela vida do diretor, vendo-o fazer e pintar moldes, colorir partes de uma tela e realizar um experimento ou outro. À medida que o ouvimos falar sobre suas escolhas e início da vida adulta (o relato de quando ele mostra para o pai um porão com experimentos de frutas em diversos estados de decomposição e a visão de que o pai o achou desequilibrado mental e emocional chega a ser amargamente hilária), descobrimos sua vontade constante de criar, de fazer coisas diferentes do comum, exatamente o tipo de inspiração artística que permitiu com que ele ganhasse uma bolsa de estudos no American Film Institute e fosse rapidamente transferido para turmas avançadas.

Mas se funciona muito bem como relato, o filme perde como produto em si mesmo. A direção não avança em nenhum aspecto criativo, nem na exposição das falas do diretor e nem na forma de mostrá-lo produzindo, optando pela repetição. Muitos pedaços de desenhos ou obras mais antigas de Lynch são mostradas na tela, algumas quase gratuitamente, como se houvesse a necessidade de mostrar as “produções não vistas do diretor” em detrimento de uma escolha mais escrupulosa no registro visual desses encontros. O quase didatismo técnico não incomoda no início, mas vai paulatinamente se saturando. Mesmo sendo um filme curto, chegamos ao final em uma espécie estranha de anti-clímax, principalmente porque o recorte artístico é bem pequeno e o roteiro — ou a organização narrativa biográfica, se preferirem — não nos prepara para abandonar o entrevistado à época de Eraserhead.

A falta de criatividade na exposição, porém, não tira o valor do conteúdo, até porque são depoimentos diretos de Lynch, não uma mostra de pesquisa feita por terceiros. Entendemos e utilizamos as informações dadas pelo diretor para olhar de maneira ainda mais rica para sua obra e isso já é um ganho e tanto para A Vida de Um Artista. Mesmo com uma direção simplória e questionáveis decisões de planificação, cortes e uso de fotografias, filmes caseiros, de bastidores ou pinturas, a obra garante um bom encontro do público com as raízes e algumas influências deste icônico, misterioso e genial diretor. Neste quesito, a obra se torna essencial para aqueles que buscam conhecer um pouco mais a mente por trás de tantos bons e perturbadores filmes que marcaram o cinema americano desde os anos 70.

David Lynch: A Vida de um Artista (David Lynch: The Art Life) — EUA, Dinamarca, 2016
Direção: Jon Nguyen, Rick Barnes, Olivia Neergaard-Holm
Elenco: David Lynch
Duração: 88 min.

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