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Crítica | De Volta para o Futuro

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

Viagem no tempo.

Talvez não exista assunto mais fascinante na ficção científica do que esse. As possibilidades são infinitas. Ir para frente ou para trás no tempo, ver o futuro ou o passado. Interferir no passado é possível? O que essa interferência pode criar? Uma linha temporal paralela? Mudanças imediatas no presente? Os paradoxos são excitantes, com um sem número de obras literárias e audiovisuais abordando o tema das mais variadas maneiras, com as mais variadas lógicas internas.

Dentre tantas criações magníficas ao redor desse assunto, De Volta para o Futuro é, sem dúvida alguma, um dos grandes destaques. O filme consegue aliar conceitos teóricos sobre viagem no tempo com linguajar descomplicado e descompromissado que usa a nostalgia como forte elemento aglutinador. A viagem no tempo que vemos no irretocável trabalho de Robert Zemeckis é uma viagem para dentro de nós mesmos, uma conversa interna que, mesmo sem saber, travamos todos os dias. Puxa, como seria bom consertarmos o que erramos! Como o “antigamente” é melhor do que o “hoje em dia”! Ah, meus tempos de escola!

E o melhor de tudo é que o roteiro, co-escrito por Zemeckis e Bob Gale, com base em ideia original dos dois, faz isso tudo de maneira jocosa, leve, sem se escorar em efeitos especiais exagerados, onipresentes. É uma comédia à moda antiga com um toque de ficção científica e não o contrário.

Aliás, falando em roteiro, uma das mais constantes reclamações que vejo está justamente nos 15 ou 20 minutos iniciais do filme, que funciona como um prólogo. Muitos críticos comentam – não completamente sem razão – que esse começo é longo demais e que a ação realmente só começa quando Marty McFly (Michael J. Fox) finalmente viaja no tempo depois que o Dr. Emmett Brown (Christopher Lloyd) é baleado pelos terroristas de quem roubou plutônio para alimentar o capacitor de fluxo, o MacGuffin do filme que permite o milagre da viagem no tempo. Sim, sem dúvida que De Volta para o Futuro só realmente engrena a partir desse momento. No entanto, tenho para mim que esse prelúdio é um perfeito exemplo de narrativa expositiva que cumpre sua função sem nos fazer revirar os olhos.

Reparem logo na primeira imagem e no som que ouvimos. O tique taque de centenas de relógios em um irritante uníssono em um laboratório semi-abandonado. Marty entra sem cerimônia, estabelecendo sua intimidade com quem ele esperava encontrar lá em que ele chama, apenas de Doc. Há um enorme número de gadgets que faz do local a versão live action da casa do Professor Pardal da Disney (só faltava o Lampadinha aparecer!). Entendemos a profissão (ou hobby) de alguém que ainda nem vimos e sua relação com Marty. Aprendemos, em seguida, que Marty é um empolgado guitarrista amador (quem não gostaria daquele super-amplificador?) e que ele é um estudante muito atrasado que se locomove com skate. Vemos a fictícia Hill Valley em 1985 em detalhes quando Marty sai desabalado para estudar: a torre do relógio, o restaurante, a praça. Absorvemos o layout do local que foi milimetricamente calculado para expor o máximo no menor tempo possível (cenário construído no backlot da Universal Studios de Hollywood e que está lá até hoje). Marty tem uma namorada, Jennifer (Claudia Wells), e pais tímidos e explorados por um valentão local, dando senso de história antiga à narrativa.

Quando Marty, então, pula no DeLorean que encapsula a máquina do tempo e dirige a 88 milhas por hora, catapultando-se à 05 de novembro de 1955 (a data é emblemática pois, conforme também aprendemos nesse prólogo, foi a data que o Doc inventou o capacitor de fluxo e que ele usa apenas como exemplo do sistema que ele apresenta ao seu amigo/pupilo), o filme muda. O passo diminui e passamos a reaprender o que já sabemos, só que com um olhar de 30 anos antes. Pouco precisa ser dito graças as 15 ou 20 minutos iniciais. Percebermos tudo mais rapidamente do que Marty – ou Calvin Klein – percebe. Ele está no passado e acabou de “salvar” seu futuro pai de ser atropelado e, com isso, sua futura mãe se apaixona pelo filho que ainda não tem, não pelo futuro marido. O paradoxo temporal entra em ebulição e a cabeça do espectador começa a fervilhar com as possibilidades!

E quem poderá ajudar? Claro, o Doc de 1955, o mesmo que, naquele exato e fatídico dia, inventara o capacitor de fluxo sem nem saber para que servia. Um típico inventor maluco que vive isolado, mas que é a única esperança de Marty para voltar ao futuro (ou ao presente – ou, no caso para nós, nesse momento, ao passado…).

Michael J. Fox tem a atuação de sua vida.  Ele foi a primeira escolha de Zemeckis para o personagem, mas ele tinha compromisso com a série Caras e Caretas (alguém se lembra?) e não foi liberado pela produção. As duas escolhas seguintes eram C. Thomas Howell e Eric Stoltz, com o segundo sendo efetivamente contratado. Com quatro semanas de filmagens, Zemeckis não ficou satisfeito com os resultados pouco cômicos de Stoltz e Steven Spielberg concordou, o que levou à rara decisão de se substituir o ator nesse ponto da produção, adicionando mais três milhões de dólares ao orçamento do filme. Mas foram os três milhões mais bem gastos pelos dois, já que, a essa altura, depois de outras negociações, eles conseguiram trazer Fox para a produção. O ator, então com 23 anos, retratou um adolescente de maneira extremamente convincente, dando personalidade ao personagem em todas as sequências, seja andando de skate, seja vestido como Calvin Klein, seja tocando guitarra no baile final. É uma performance que atrai o espectador e o impede de virar o rosto desde o primeiro momento em que ele entra em cena.

E o mesmo acontece com o amalucado Christopher Lloyd (a segunda escolha de Zemeckis, a primeira sendo John Lithgow, que não estava disponível). Lloyd encarna a persona de “cientista maluco”, personagem quase que padrão de muitos filmes de ficção científica, derramando em Doc Brown um timing cômico que se encaixa perfeitamente com o de Fox, fazendo com que os dois formem uma das melhores duplas cinematográficas de todos os tempos.

Zemeckis também soube se aproveitar da trilha sonora de Alan Silvestri que é grande em escala, mesmo com um filme intimista. A música tema é inesquecível ao evocar ao mesmo tempo aspectos etéreos de uma ficção científica, com batidas típicas de serials dos anos 40 e 50. E Silvestri ainda foi o responsável pela contratação de Huey Lewis and the News, que compuseram The Power of Love e Back in Time para o filme e que se tornaram gigantescos sucessos da Billboard. E, claro, o uso inteligente, por parte de Zemeckis, de músicas com Mr. Sandman, Earth Angel e, principalmente, de Johnny B. Goode no sensacional show de Marty McFly são as várias cerejas no bolo musical dessa gostosíssima e inesquecível obra.

No final das contas, a temática “viagem no tempo” é uma bela desculpa para Zemeckis e Gale nos levarem em um icônico passeio pela década de 50 que apela à nostalgia mesmo em relação àqueles que não viveram a época. E, talvez, o mais interessante é que, hoje, quando olhamos para trás no tempo – outra viagem no tempo? – sentimos nostalgia pela década de 80 que gerou esse e tantos outros magníficos filmes.

De Volta para o Futuro (Back to the Future, EUA – 1985)
Diretor: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis, Bob Gale
Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson, Claudia Wells, Marc McClure, Wendie Jo Sperber, Georg DiCenzo, Frances Lee McCain, James Tolkan, Billy Zane, Harry Waters Jr.
Duração: 116 min.
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