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Crítica | Deadpool 2

por Gabriel Carvalho
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“Crianças nos dão a chance de sermos melhores do que éramos.”

O filme Deadpool foi um sucesso estrondoso, consagrando o Mercenário Tagarela, personagem de quadrinhos criado por Rob Liefield e Fabian Nicieza, como um dos grandes nomes do cinema de super-herói. O humor escrachado, algumas vezes obsceno, aliado a uma violência gráfica e até conteúdo sexual, foi permitido devido a uma corajosa classificação indicativa adulta. O público estava limitado, mas o filme não. Dessa forma, um precedente foi aberto na indústria, possibilitando a realização de filmes como Logan, além da própria continuação do longa solo de Wade Wilson, interpretado por um ator ressurgido das cinzas que, anos antes, interpretara o mesmo personagem; Deadpool, afinal, aparece completamente diferente em X-Men Origens: Wolverine. Todas essas informações – a existência de uma suposta rixa entre Hugh Jackman, o Wolverine, e Ryan Reynolds; o caráter mais adulto da obra, contrário a maioria dos filmes do gênero;  o pontapé dado pela produção de um longa-metragem desse naipe – tornam-se piadas dentro do próprio Deadpool, e agora, dentro também de Deadpool 2. A quebra da quarta parede é um recurso que, além de qualquer propósito narrativo, permite que o background do filme seja usado sarcasticamente pelo próprio; uma espécie de metalinguagem sem nenhum requinte. Uma piada por si só, que diverte a qualquer entendido do que se passa nos bastidores. Cabe a Deadpool retornar em cena para mutilar caras maus, associar personagens com figuras da cultura popular, parar a fluidez das cenas para inserir alguma piada voltada ao espectador, além de, dessa vez, curiosamente, se levar extremamente a sério em determinados momentos.

Dessa vez, fazendo-nos esquecer completamente do vilão esquecível do longa anterior, somos levados diretamente a um futuro abandonado pela esperança; uma esperança que esvaiu dessa linha do tempo quando um simples garoto resolver fazer o que fez. A presença de Cable (Josh Brolin) em cena, um viajante temporal, torna Deadpool 2, invariavelmente, um filme mais sisudo que o primeiro, com mais carga dramática. Nos quadrinhos, o contraste entre os dois rende momentos únicos, mas o filme, por sua vez, balança em encontrar o resultado que gostaria. Cable está atrás de uma criança, enquanto Deadpool está atrás de uma redenção, à base de muita ironia e referência. As suas motivações são bastante críveis, mas a sua participação poderia ter sido melhor costurada à narrativa, que o apresenta de maneira abrupta. A presença de Vanessa (Morena Baccarin) também é revestida de uma camada dramática, inesperada no caso, mas que não é tão bem resolvida quanto a camada cômica que permeia todo o resto do filme. Quando pegamos outros exemplos, como Guardiões da Galáxia Vol. II, o equilíbrio entre a comédia e o drama funciona. Já em Deadpool 2, existe tanta subversão dramática, em diferente situações, caindo propositalmente para um humor, para uma sacada engraçada, que muito peso se esvai, embora a intenção não fosse essa. O longa-metragem, ironicamente, quer ser pincelado em certas ocasiões como uma espécie de Logan. Nem o roteiro contribui para que isso funcione, nem Ryan Reynolds é tão bom ator quanto Hugh Jackman para nos transmitir peso. De qualquer forma, o filme poderia ter se valido de mais alguns minutos para colocar o chão nos pés de Deadpool antes de destruí-lo completamente.

Por outro lado, a exploração de personagens é uma realidade que pode sim ser abordada pelo longa. O filme não precisa ser vazio em relação a isso. Por exemplo, a amizade entre Colossus (Stefan Kapicic) e Deadpool funciona muito bem e é construída basicamente pela comédia, pelas quebras de expectativas do espectador, que sempre está esperando algo comum, mas encontra a galhofa no lugar. Aliás, Colossus é um ótimo coadjuvante nesse filme, ainda melhor que no primeiro, realmente se interessando pelo bem de Wade Wilson; a computação gráfica também cumpre o seu papel de maneira muito decente na construção do personagem, não tão cartunesco, mas não tão realista. Dentre as temáticas abordadas pela obra, a família é a central, sendo que o gigante de lata está buscando juntar Deadpool a família dos X-Men. Sob uma outra faceta, Russel (Julian Dennison), o garoto procurado por Cable, também se relaciona com essa característica do longa, ao passo que, diferentemente de outras pessoas, que perderam suas famílias ou foram distanciados delas, o menino nunca teve uma. A raiva é o seu fogo. Em relação a Deadpool, a busca por um alicerce para colocar os seus pés, enquanto sua cabeça viaja pela jocosidade de sua existência, resulta na criação de um super-grupo. A X-Force nasce e somos contemplados por uma subversão daquele olhar costumeiro para equipe nos filmes de super-herói: as pessoas deslocadas que encontram em um ao outro uma família. O contexto da primeira missão do grupo é extremamente hilário; as expectativas são completamente dissolvidas em relação a isso. Um adendo a presença ainda mais cômica de Dopinder (Karan Soni), que se conecta muito bem a demais características do filme, continuando o seu arco que começara em Deadpool.

Dos membros desse super-grupo, Dominó (Zazie Beetz) é a que se destaca. O seu super-poder, a sorte, é inserido na narrativa de uma maneira inteligente, também funcionando para a inventividade de certas cenas de ação. Deadpool 2 não precisa seguir uma construção narrativa formal. As soluções fáceis para alguns problemas encontram uma inteligente justificativa na existência da personagem, servindo também ao propósito de divertir o espectador, ciente das alavancas narrativas criadas. A inserção, contudo, de um background para Dominó é forçada, exagerando-se na exposição para situá-la dentro de determinado cenário, perto do final do filme. Ademais, novamente as piadas tomam um teor bastante referencial, necessitando de uma base para o espectador em muitos casos, seja de cultura nerd, já consumida pelos fãs, seja de uma cultura popular particular aos Estados Unidos. Todavia, Deadpool 2 também é uma obra que se balança no politicamente correto de uma maneira interessante. As pautas de hoje-em-dia dão margem a diversas piadas, com Deadpool apontando o dedo na cara de inúmeras pessoas, nos fazendo rir tanto em momentos que ele tem razão, quanto em momentos que ele só está exagerando. O orçamento maior do longa, se comparado ao original, também é abordado humoristicamente, sendo visível no fato de que há mais computação gráfica, a qual não está perfeita, mas algumas vezes certeira, como por exemplo, na idealização de um personagem-chave da obra. O diretor David Leitch exalta a sua mão particular de ação no filme, notavelmente diferente a do primeiro. De resto, os créditos iniciais e as cenas pós-créditos são pequenas joias que merecem ser contempladas. Embora tente ser algo que não precisava ser, e falhe na tentativa, Deadpool 2 mantém uma espirituosidade singular dentro do gênero, ainda mais engraçado que o primeiro.

Deadpool 2 – EUA, 2018
Direção: David Leitch
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Ryan Reynolds
Elenco: Ryan Reynolds, Zazie Beetz, Josh Brolin, Morena Baccarin, T.J. Miller, Leslie Uggams, Brianna Hildebrand, Stefan Kapicic, Bill Skarsgard, Terry Crews, Julian Dennison, Lewis Tan, Jack Kesy, Eddie Marsan, Shioli Kutsuna, Karan Soni, Rob Delaney
Duração: 119 min.

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