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Crítica | Deadpool Massacra os Clássicos (Deadpool: Killustrated)

O falastrão e agitado personagem da Marvel encontra Moby Dick e outros clássicos.

por Luiz Santiago
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A pressente crítica em dose dupla, une um texto escrito por mim em 1º de fevereiro de 2016, e um texto, de Leonardo Campos, escrito em 19 de abril de 2023. Ambos estão devidamente marcados abaixo. E ambos não são nada simpáticos a essa palhaçada do desbocado personagem da Marvel “visitando” personagens da literatura universal. Boa leitura!

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Embora ainda seja ruim — e há que se perguntar por que a Marvel permitiu que esse tipo de bobagem continuasse a ser publicada — este segundo round da Killogy de Deadpool é definitivamente bem melhor que o primeiro, aquele terrível acontecimento chamado de Deadpool Mata o Universo Marvel. Em Killustrated, a trama avança a partir dos acontecimentos da Killogy 1, embora não seja necessário para o leitor passar pelo sofrimento de ler aquelas 4 edições, porque é perfeitamente possível acompanhar o desenvolvimento da narrativa sem elas. Como Cullen Bunn parece ter uma queda absurda por clichês, didatismo e tramas sem sentido, não saber o que fez o Deadpool enlouquecer a ponto de querer matar todo mundo não é um pré-requisito, já que isso é martelado e repassado ad infinitum na presente aventura.

O que não fica claro é como o Mercenário Tagarela passou do Universo dos “artistas” que produziam a sua revista (naquela ocasião, a Terra 41210) para o Universo dos grandes clássicos da nossa literatura, o IDEIAVERSO, que fica na Terra TRN388, visitada em um número extenso de lugares e tempos, fator que dita a [mínima, que seja] qualidade desta minissérie. Mesmo não tendo um bom roteiro (vejam que a armadilha aparentemente densa deste volume é, em essência, um pedaço do que já foi definido nas primeiras páginas da Killogy 1), a passagem de Deadpool e, mais adiante, de um parceiro bem incomum que ele consegue arranjar, por diferentes lugares, faz desta uma jornada insana pela literatura, pela vida — e agora, morte — de personagens que influenciaram a criação de heróis e vilões da Marvel. Matando os clássicos, não haveriam “os verdadeiros heróis do futuro” por eles inspirados. Deadpool, de certa forma, finaliza com isso a sua missão de matar o Universo Marvel.

A questão é que o texto de Cullen Bunn não esclarece a bagunça das diversas realidades, não consegue melhorar o conjunto de ações na interação entre os blocos — embora seja válido apontar o bem utilizado teleporte do cinto do Tagarela entre os locais visitados — afinal, é preciso ser muito mais do que ruim para não fazer viagem no espaço-tempo parecer uma coisa legal — e novamente torna o andamento da história desnecessariamente intricado com a inútil voz interior de Deadpool manifestando-se em um diálogo que nos faz revirar os olhos porque nos toma por estúpidos, narrando pela terceira, quarta, quinta vez algo que o próprio idealizador da saga já havia dito pelo menos duas vezes antes. É torturante.

Fica ainda a questão difícil de responder, já que o roteiro não se dá o trabalho de desenvolver nada satisfatoriamente, se os eventos da Terra TRN388 são válidos para a conhecida 616, sendo, portando, um Universo dentro do nosso OU se é de fato um Universo isolado. Porque se for, as mudanças tão cobiçadas por Deadpool só teriam efeito ali, de modo que sua saída ao final, na Máquina do Tempo de H.G. Wells e juntamente com Sherlock Holmes, anularia todo o objetivo da minissérie, mesmo considerando que ela permaneça como uma “realidade alternativa“, entendem? Também muito melhor do que o volume anterior, a arte de Killustrated, assinada por Matteo Lolli e Sean Parsons, consegue excelente resultado na configuração dos mais diferentes espaços — com uma grande ajuda das cores de Veronica Gandini, que procurou não trabalhar com contrastes gigantescos, mas respeitou a identidade de cada lugar conforme os traços e finalização do desenho.

A saga de Deadpool matando heróis, vilões e agora personagens da literatura ganhou aquilo que esse tipo de chacota deveria ter: diversão. Claro que a minissérie não é inteiramente engraçada e falha miseravelmente na criação de algumas piadas de contexto, mas mesmo assim, comparado ao fundo de todos os abismos de Deadpool Mata o Universo Marvel, agradecemos por estar quase próximos à linha da mediocridade. Pois é.

Adendo de principais locais e personagens “visitados” por Deadpool

Dom Quixote, Sancho Pança (Espanha, La Mancha); Capitão Ahab, Ishmael, Moby Dick (Oceano Pacífico); Sherlock Holmes (Londres, Inglaterra); Pinóquio; Dr. Watson, Beowulf, Natty Bumppo, Hua Mulan (Londres, 1895); Tom Sawyer (St. Petersburg, EUA, anos 1840); Drácula e suas mulheres (Transilvânia, 1897); O Cavaleiro Sem Cabeça (Sleepy Hollow, EUA, 1790) Mulherzinhas (Concord, EUA, anos 1860); Frankenstein e Victor Frankenstein; Ebenezer Scrooge; Ilha do Doutor Moreau; Terra de Lilliput; Mogli; Pequena Sereia; Capitão Nemo; Cila e Caríbdis; as Três Bruxas de Macbeth; Gregor Samsa; e os Três Mosqueteiros.

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1851. Ano de publicação de Moby Dick, a obra-prima de Herman Melville. 1991. Ano de surgimento do anti-herói Deadpool, o mercenário tagarela da Marvel. Dois preâmbulos de décadas em séculos diferentes. Dois nascimentos de tramas que ganhariam bastante apelo popular, salvaguardadas as suas devidas proporções comparativas. E, em 2018, por meio de uma publicação em capa dura, realizada pela editora Panini, o mundo dos heróis da Marvel se encontra com a jornada dos tripulantes do ponto de partida literário, numa história que ainda mescla outros clássicos da literatura e integra uma minissérie que traz Sherlock Holmes, Alexandre Dumas, Charles Dickens, Mark Twain, dentre tantos outros, num diálogo com Os Três Mosqueteiros, Um Conto de Natal, etc.

É, em definição generalizada, um caos. Ora diverte, ora entedia, afinal, nesta guerra declarada de Deadpool contra o Ideaverso, mundo descoberto no meio desta viagem, lugar onde o agitado personagem poliglota tagarela encontra com figuras ficcionais do cânone literário. Começa com o naufrágio do Pequod, vem para os tempos atuais, depois faz outras idas e retornos entre o passado e o presente, num fluxo de caos que não é apenas visual, mas também no desenvolvimento do texto da HQ.

Violento e falastrão: estas duas características do mercenário canadense de nome Wade Winston estão em Deadpool Massacra os Clássicos. Criado por Rob Liefeld e Fabian Nicieza, idealizadores inspirados em Wolverine, Homem-Aranha, dentre outros, o personagem sofreu com a morte de sua mãe, quando ele ainda tinha seis anos de idade. Logo mais, teve que lidar com os maus-tratos de sua figura paterna, outra situação que o ajudou na entrada errônea pelo mundo da delinquência juvenil. Essa vida desestruturada trouxe ainda outras surpresas, como um câncer que, ao ser iniciado o tratamento, o transformou nesta criatura tal como conhecemos pelos quadrinhos e pelo filme protagonizado por Ryan Reynolds: um homem com regeneração surpreendente, golpes extraordinários, mestre do equilíbrio de dono de ótimos reflexos.

Com todas estas características, Deadpool batalha constantemente com os heróis da Marvel, além de ter tido essas experiências com o cânone literário, sendo Moby Dick um dos destaques de sua jornada, pois abre e encerra a jornada de passagem breve, mas sufocante, pelo Ideaverso. No desfecho, ele faz menção ao famoso momento de abertura do romance de Herman Melville: “Me Chame de Ismael”.  No livro, o narrador sai de Nova York e parte em busca de novas experiências, indo parar em Nantucket, conhecendo Queequeg e, assim, embarcando no baleeiro capitaneado por Ahab, um homem obcecado por vingança, perturbado por sua obsessão pela baleia que um dia ceifou a sua perna. Deadpool, metalinguístico em excesso, viaja por estes caminhos traçados nas profundas águas do oceano pacífico. Para seu público, deve ter sido uma jornada eletrizante. Para quem lê, como eu, com neutralidade, o processo é um tanto irritante.

Uma experiência desejada, mas bastante decepcionante quando estabelecida. Assim foi a minha relação com Deadpool Massacra os Clássicos, publicação que traz o violento e falastrão anti-herói da Marvel em combate no âmbito de algumas grandes histórias da literatura, dentre elas, o volumoso clássico Moby Dick, de Herman Melville, romance que ganha destaque na capa da edição dos quadrinhos, mesmo que tenha pouca presença no caótico desenvolvimento da narrativa.

Lançada em 2018, esta edição com o herói traz roteiro de Cullen Bunn, desenhos de Matteo Lolli (muito eficientes), cores de Veronica Gandini, composição das letras por Guilherme Baldin, tradução de Mario Luiz C. Barroso, todos compenetrados no processo de imersão do personagem no universo dos clássicos da literatura. Sobre a decepção, saliento: não é um trabalho ruim, pelo contrário, é divertido e visualmente atraente, bem como irônico. A questão é que este era meu primeiro Deadpool, agora definido como último. Amo metalinguagem, mas os excessos do herói tornam as coisas, mesmo que bem conectadas e ironicamente inteligentes em muitas passagens, um pouco superficial, confuso, em linhas gerais, caótico.

Deadpool Massacra os Clássicos (Deadpool: Killustrated) — EUA, 2013
Roteiro: Cullen Bunn
Arte: Matteo Lolli
Arte-final: Sean Parsons
Cores: Veronica Gandini
Letras: Joe Sabino
Capas: Michael del Mundo
Tradução: Mario Luiz C. Barroso
4 edições de 24 páginas cada uma.

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