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Crítica | Dear White People – 1ª Temporada

por Guilherme Coral
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estrelas 4,5

Dear White People é, sem dúvidas, a série original da Netflix que gerou mais polêmica até agora, com inúmeros assinantes tendo cancelado o serviço após assistirem o trailer, acusando o canal de streaming de “racismo reverso” ou afins. Uma idiotice completa, claro, e se você, que está lendo essa crítica, concorda com isso, bem, só lamento. Criada por Justin Simien, a obra funciona tanto como uma continuação, quanto uma releitura de seu filme de 2014, Cara Gente Branca e aborda o racismo na universidade de Winchester, que funciona, evidentemente, como um espelho de toda a nossa hipócrita sociedade, que prefere sorrir, acenar e varrer para baixo do tapete, ao invés de realmente resolver qualquer problema de desigualdade social.

Similarmente ao longa-metragem original, essa primeira temporada foca em estudantes específicos dessa instituição, a diferença é que, agora, são cinco as pessoas abordadas e não quatro: Samantha White (Logan Browning), Troy Fairbanks (Brandon P Bell), Colandrea “Coco” Conners (Antoinette Robertson), Lionel (DeRon Horton) e Reggie (Marque Richardson). Cada um deles representa não só diferentes aspectos do movimento negro, como variadas posturas em relação à discriminação em razão da cor da pele – Reggie e Sam, por exemplo, preferem se fazerem escutar através de manifestações, programas de rádio controversas (para os brancos) e semelhantes, enquanto que Troy e Coco optam pela mudança feita por dentro, trabalhando junto do sistema a fim de garantir os direitos iguais.

De imediato já somos jogados nesse cenário em um período de crise: uma festa “blackface” acabara de ser realizada o que, naturalmente, gerou indignação por parte dos estudantes negros em relação a essa manifestação aberta de racismo. Esse acontecimento, contudo, é apenas a ponta do iceberg e, conforme progredimos nos episódios, acompanhamos o aprofundamento dessa instabilidade no campus. Dear White People, sabiamente, mergulha no emocional desses personagens, lidando, também, com seus passados e dramas pessoais, retratando muito bem a experiência universitária.

O grande acerto da série, que podemos ver logo nos episódios iniciais, é a forma como ela é estruturada. Contando com dez capítulos de, aproximadamente trinta minutos, a temporada foca em um personagem específico a cada episódio. Dessa forma nos aproximamos de todos esses indivíduos retratados e entendemos suas posturas, por mais diferentes que elas sejam. O seriado, portanto, prossegue de maneira dinâmica, dispensando o problema comum a muitas séries da atualidade, que demonstram narrativas inchadas, contando em doze horas uma história que facilmente poderia ter sido contada em seis.

Outro aspecto que contribui para a fluidez da série é o seu tom irônico, herdado do filme original. Através do uso incidental da música erudita, algumas dessas também presentes na trilha do longa-metragem e de situações bem-humoradas, os episódios conseguem trazer uma harmônica mescla de drama e comédia. Esse fator é ampliado pelas cartelas que aparecem durante os capítulos, algumas dessas definindo qual vai ser o foco presente, com o personagem diante do título do episódio, uma jogada genial da produção, que ajuda a estabelecer a identidade visual do seriado. Dito isso, é gratificante enxergar como os diferentes diretores, dentre eles Barry Jenkins, de Moonlight, experimentam, a cada episódio, linguagens diferenciadas. Aliados dos roteiristas, eles constroem narrativas não-lineares em determinados pontos, enquanto que outros seguem uma estrutura mais formal. O mais interessante, porém, é como, apesar da alteração de foco, a história sempre progride, dispensando a narrativa paralela, que aparece apenas pontualmente – não ficamos presos, portanto, em um mesmo dia desses estudantes por muito tempo.

Embora conte com elementos de comédia, isso não quer dizer que Dear White People seja feita para que o espectador dê gargalhadas, muito pelo contrário, estamos falando de uma série dramática com pinceladas de humor e não o contrário. A intenção, aqui, é a de criar uma narrativa prazerosa, que seja fácil de se assistir, por mais que toque em sérios problemas de nossa sociedade e, de fato, Justin Simien acerta em cheio na maneira como estabelece sua trama. Acima de tudo temos o racismo em evidência e, em momento algum, nos esquecemos disso, com os roteiros sempre nos lembrando pelo o que aqueles indivíduos são forçados a passar.

Chega a ser curioso como, mergulhados nesse microcosmo universitário, nos vemos próximos dos distintos personagens abordados. Embora possa existir uma identificação maior com um ou outro, passamos a verdadeiramente nos importar com cada um dos estudantes retratados. Infelizmente, alguns deles acabam sendo deixados em segundo plano em diversos momentos, enquanto outros claramente recebem mais atenção. Sam, por exemplo, é, nitidamente, a protagonista, enquanto que Reggie recebe a devida atenção em um capítulo enquanto que, nos outros, é deixado de lado (salvo pontuais exceções). Isso não chega a estragar toda a experiência, mas nos deixa com aquela vontade de querer saber mais sobre ele. A sensação é que ele fora apenas um artifício do roteiro criado para trazer um ponto de virada no meio da temporada.

Outro problema, esse um pouco mais grave, é a maneira como o clímax é estabelecido e “resolvido”. Ficamos verdadeiramente boquiabertos quando a temporada acabou em um dos momentos mais dramáticos, como se cortasse o clímax pela metade, sem nos oferecer uma verdadeira conclusão. Claro que isso é uma estratégia da produção para deixar um gigantesco gancho para a próxima temporada, mas sentimos como se esse ano não tivesse, de fato, terminado. Curiosamente, isso poderia ter sido resolvido de melhor maneira caso o corte final tivesse aparecido alguns minutos antes, finalizando a temporada no auge e não tranquilizando o tom segundos antes de acabar.

Esses aspectos negativos, contudo, não são o suficiente para sobressaírem às muitas qualidades dessa ótima temporada de estreia de Dear White People, uma série que acerta em cheio na maneira como retrata nossa sociedade, explorando diferentes pontos de vista, de tal forma que todos são devidamente representados. Com doses certeiras de humor inseridas em uma narrativa dramática, Justin Simien garante ao seriado a mesma força de seu longa-metragem original, deixando bem claro que sua intenção é a de lutar por direitos iguais, batendo de frente com o preconceito que, ainda, está impregnado em nossa sociedade. Não existe racismo institucionalizado contra brancos, seja aqui ou em qualquer outro lugar, apenas a necessidade de todos sermos tratados como os seres humanos que somos.

Dear White People – 1ª Temporada — EUA, 2017
Criação:
 Justin Simien
Direção: Justin Simien, Tina Mabry, Barry Jenkins, Steven Tsuchida, Nisha Ganatra, Charlie McDowell
Roteiro: Justin Simien, Chuck Hayward, Njeri Brown, Leann Bowen, Jack Moore, Nastaran Dibai
Duração: 10 episódios de aprox. 30 min.

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