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Crítica | Decálogo 7 – Não Roubarás

por Luiz Santiago
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O Decálogo 7, baseado no mandamento “não roubarás”, se caracteriza como o mais fraco dos episódios da série até então. Mas esta fraqueza não está efetivamente na concepção estética da obra, que carrega o mesmo cuidado de Kieslowski, aqui acompanhado pelo fotógrafo Dariusz Kuc, com a importância da cor, a caracterização do cenário, o uso da trilha sonora e metáforas visuais ou conceituais bastante específicas percebidas nos figurinos, objetos (como os ursinhos de pelúcia) e no próprio nome da jovem protagonista, Majka, que em eslavo significa “mãe”.

Majka deu à luz a Ania aos 16 anos, resultado de um romance com seu jovem professor de polonês. Para evitar um grande escândalo, a mãe de Majka assume a maternidade de Ania, sendo Majka definida como irmã da criança. Quando Ania completa 6 anos, o sentimento materno em Majka não consegue mais suportar a opressão externa e interna e acaba sequestrando a filha, planejando sair da Polônia e ir para a casa de conhecidos no Canadá.

O mandamento aqui está mais uma vez ligado a uma forte questão psicológica, exatamente como visto em Não Cometerás Adultério. Os problemas maternos, o tratamento para a figura do pai (o mais velho e o mais novo), a ideia da entrega do que não se tem quando apaixonado e, claro, o paradoxo do roubo daquilo que é seu são alguns dos exemplos. A discussão alcança um caráter dinâmico e interessante à medida que colocamos o amor em cena e também a ideia de posse. Como a figura angelical presente nos outros seis episódios não é vista aqui devido a problemas de agenda do ator Artur Barciś (e esta foi a primeira de duas vezes em que ele não apareceu na série – a outra seria em Não Desejarás Coisas Alheias, o Decálogo 10), a punição e o aviso divinos foram inseridos no roteiro com intensidade menor, por ser orgânico demais.

Essa afirmação de organicidade pode parecer estranha, mas eu explico. Veja que a proposta da série Decálogo é explorar como o homem contemporâneo age em relação aos “antigos mandamentos” bíblicos, sendo punido por Deus em sua desobediência. Dos Decálogos 1 a 6, a desobediência do homem sempre esteve ligada a algo bem mais palpável dentro da trama, um ato de desenvolvimento ou finalização mais forte e um tantinho artificial (no bom sentido), por misturar ordens punitivas a ações de um tempo onde tais atitudes são bem comuns, ou seja, o nosso tempo. Agora veja o que acontece aqui em Não Roubarás. O que temos ao final como punição é a separação da família, o massacre do desejo de ser mãe e, ao mesmo tempo, a ironia à santidade da posse (para algumas coisas) em contraponto à posse como necessidade e tentação humana (para quase tudo). O problema é que isto é fraco, se visto como punição divina, porque a família desmembrada e esse massacre de identidade de posse “por direito divino” já acontecia antes mesmo do “roubo” da criança ser efetuado no episódio.

Ou Kieslowski procurou realmente mostrar o quão questionável e subjetiva é essa visão do “não roubarás” ou ele realmente errou a mão (ao lado de seu parceiro de roteiro na série, Krzysztof Piesiewicz) na escrita do episódio. De uma forma ou de outra, a reticência final, o status solto vindo com o abandono da verdadeira mãe que segue no trem após a decepção de não poder ficar com “o que era seu” não foi o bastante para o episódio. Como apontei no início, trata-se de um capítulo com bom tratamento estético, boa direção (um pouco menos na condução dos atores, é verdade), mas o texto não consegue fechar bem o seu próprio ciclo e se desvia um pouco da proposta da própria série.

Decálogo 7: Não Roubarás (Dekalog, siedem) — Polônia, 1990
Direção: Krzysztof Kieslowski
Roteiro: Krzysztof Kieslowski, Krzysztof Piesiewicz
Elenco: Anna Polony, Maja Barelkowska, Wladyslaw Kowalski, Boguslaw Linda, Bozena Dykiel, Katarzyna Piwowarczyk
Duração: 55 min.

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