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Crítica | Deerskin – A Jaqueta de Couro de Cervo

por Ritter Fan
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Não me pergunte minhas opiniões sobre arte porque eu não tenho nenhuma. Preocupações estéticas tiveram um papel menor em minha vida, e eu tenho que rir quando um crítico fala, por exemplo, de minha ‘paleta’. Eu acho impossível perder horas em galerias analisando e gesticulando.
– Buñuel, Luis (Meu Último Suspiro)

Acho que, em termos de premissa bizarra, Quentix Dupieux jamais conseguirá ultrapassar seu Rubber, o Pneu Assassino, mas Deerskin – A Jaqueta de Couro de Cervo esforça-se para chegar perto e, no final das contas, é mais bem sucedido em sua execução. No filme, um homem compra sua jaqueta de couro de cervo dos sonhos, que não só é de segunda mão, como também tem aquelas franjas à la Davy Crockett, por “meros” sete mil euros e, com a câmera de filmar que ganha de brinde, isola-se em um hotel no meio do nada com lugar nenhum sem um centavo no bolso e começa a usar a desculpa que inventa de ser um cineasta para realizar os sonhos que ele e a jaqueta (sim, ele e a jaqueta…) passam a ter: de aquela ser a única jaqueta do mundo e ele ser o único a vestir a única jaqueta do mundo.

Jean Dujardin vive Georges, o tal homem enamorado com sua jaqueta nova que mal cabe nele e que arregimenta o trabalho de Denise (Adèle Haenel), uma bartender local que diz amar montagem cinematográfica, para produzir sua obra-prima que é o disfarce mal-ajambrado para ele se desfazer de todas as jaquetas do mundo. E, bem ao estilo Dupieux de escrever e filmar, tudo é tratado como se fosse mais um dia qualquer, sem maiores contextualizações ou estranhamentos dentro da narrativa, com a dupla de atores imediatamente funcionando juntos e estabelecendo uma química que, juntamente com a premissa absurdista da obra, carrega o breve filme nas costas.

Um dos aspectos que o longa satiriza é a tentativa de se impor significados à arte, mesmo que em alguns casos não exista nenhum, pelo menos nenhum que possa ser racionalizado. E, curiosa e ironicamente, ao fazer isso, Dupieux desafia o crítico de sua arte a racionalizar seu próprio filme sem cair em sua armadilha espertamente armada. No entanto, a tentativa de racionalizar uma criação de terceiros faz parte da natureza humana e ela é sempre válida, como Denise tenta fazer em relação ao pseudo-filme de Georges. E essa meta-brincadeira é parte do recheio saboroso de A Jaqueta de Couro de Cervo, exatamente na mesma linha que o “no reason” tem em Rubber. Ao colocar o espectador em uma sinuca de bico, Dupieux, sempre de forma jocosa, lança seu desafio e espera reação, transformando seu Georges em uma versão dele mesmo fazendo seu filme de baixíssimo orçamento em um local ermo tendo como figurino, apenas, a tal jaqueta de “estilo matador”.

Para ajudar nessa sensação de que estamos mesmo vendo um filme aleatoriamente tirado da cachola de seu diretor, a escolha da câmera na mão (como é a câmera na mão de Georges) é perfeita, mas com Dupieux tendo o cuidado de não tremer além do estritamente necessário para emular os movimentos desengonçados de seu protagonista que não faz ideia sobre o que é ser cineasta, algo que é revelado em diálogos construídos para serem constrangedores ao limite e que dão a impressão de serem parte roteiro, parte improviso e tudo capturado em um único take, sem ensaios. E a premissa surreal vai ganhando mais camadas estranhas na medida em que a fixação de Georges por couro de cervo se intensifica até sua metafórica transformação que leva ao final perfeito, irretocável mesmo (e doido varrido, mas com sentido na doideira).

Mais uma vez responsável pela montagem de seu próprio filme, Dupieux, aqui, acerta em cheio nesse quesito. Se sentimos uma barriga em Rubber e um completo descontrole em Os Maus Policiais, aqui nada disso acontece. A cadência é constante e os cortes suaves e lógicos que seguram o ritmo e fazem o longa avançar constantemente em uma espiral cada vez mais explícita e louca, com um humor negro de se tirar o chapéu (de couro de cervo, claro), especialmente considerando que Dujardin consegue chegar a um excelente equilíbrio entre seriedade, paródia e auto-consciência do quão ridículo – e triste – é seu personagem. Nunca considerei o ator particularmente brilhante, nem mesmo no badalado O Artista, mas, aqui, Dupieux tira o melhor dele deixando-o criar um personagem memorável em seu silêncio e seu narcisismo.

A Jaqueta de Couro de Cervo, com toda sua bizarrice, é um prato cheio para a caça de significados em conversas de bar. E olha, eles estão lá, mesmo que a busca pelos significados em si seja um dos significados possíveis. Mas uma coisa é certa: o espectador nunca mais encarará uma jaqueta de camurça da mesma maneira depois dessa experiência. E nem pás de ventiladores, claro…

Deerskin – A Jaqueta de Couro de Cervo (Le Daim, França – 2019)
Direção: Quentin Dupieux
Roteiro: Quentin Dupieux
Elenco: Jean Dujardin, Adèle Haenel, Albert Delpy, Coralie Russier, Laurent Nicolas, Marie Bunel,  Pierre Gommé, Caroline Piette
Duração: 77 min.

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