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Crítica | Demônio de Neon

por Guilherme Coral
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estrelas 4

O quão importante é a beleza? Ao longo dos séculos, seus padrões foram sendo alterados, chegando até o ponto no qual qualquer sinônimo de gordura é rechaçado com veemência e radicalismo. Mais recentemente, estamos vendo uma retomada dos “antigos” padrões, mas tudo ainda gira em torno de uma beleza top model pura e simplesmente e claro que não me refiro à interior, mas sim unicamente à exterior. Uma hipocrisia generalizada que faz as pessoas indicarem que ela não importa, o que vale é a personalidade, quando, de fato, estão mergulhadas no preconceito de tal forma que não percebem, ora julgando os outros, ora a si próprios, mascarando a necessidade de ser belo com uma ânsia por ser fitness e viver uma vida em tese saudável.

Agora, se o mundo no qual vivemos já traz esse tipo de comportamento, como seria o mundo da moda, no qual as modelos precisam extinguir sua própria individualidade a fim de se tornar uma estátua móvel, esculpida pelo olhar dos outros e julgada, acima de tudo, por elas próprias? Possivelmente a mesma coisa que temos em nosso dia-a-dia, mas multiplicado de forma a levar qualquer um à loucura. Evidente que isso não ocorre somente no mundo feminino, mas o foco da obra de Nicolas Winding Refn, Demônio de Neon, é a mulher, especificamente aquela que enxerga em si própria somente a beleza externa e vê nessa característica a única forma de conseguir sobreviver.

A trama gira em torno de Jesse (Elle Fanning) uma jovem modelo iniciante, que tem rápida ascensão em virtude de sua beleza natural. O filme aborda as mudanças psicológicas da protagonista e dos personagens que a envolvem e como o sucesso de uma pode significar o fracasso de outra, levando a um ambiente hostil e competitivo que transforma as pessoas em verdadeiros demônios, desejando, acima de tudo, serem vistas como deusas pela indústria da moda que constantemente as descarta como se fossem meros objetos.

O plano inicial, com Jesse deitada ensanguentada no sofá, muito bem define o tom da obra. Ele simboliza o foco das personagens aqui presentes e já anuncia o grau de loucura que chegaremos ao término da projeção. A luz clara, lentamente sucumbindo para o escuro iluminado pelo neon azul reflete perfeitamente a derrocada da personagem, que inicia como uma inocente garota buscando seu lugar no mundo e se transforma em um retrato do narcisismo – de fato, a coloração utilizada, o azul, busca simbolizar isso, como vemos posteriormente no primeiro desfile da personagem, que, lentamente, passa a se apaixonar por ela própria.

Cuidadosamente, Refn e sua equipe de fotografia, inserem a sensação de perigo no espectador. O vermelho anuncia isso e podemos percebê-lo sempre que algo sombrio está para acontecer – quanto maior a intensidade, maior o perigo e o uso do neon, ironicamente mais parcimonioso que em seu longa anterior, Só Deus Perdoa, reitera esses momentos, garantindo a eles uma maior potência e um nítido desconforto em quem assiste ao filme. Não podemos deixar de ser incomodados medo ao pressentirmos o que acontecerá, mesmo que, momentos atrás, tenhamos visto uma cena que em nada nos prepara para o que está por vir: esse é o poder da fotografia de Natasha Braier aliada à direção de Nicolas.

O roteiro ainda prefere trabalhar com poucos personagens e faz de cada um deles a perfeita metáfora dentro da temática da obra. O namorado/caso da protagonista funciona como nosso representante nesse mundo; ele é quem está dentro e fora ao mesmo tempo, resgatando a sanidade até certo ponto e desaparecendo quando chegamos ao ponto sem retorno. O dono do motel, vivido por Keanu Reeves, simboliza o predador sexual, o perigo que toda mulher corre somente por ter nascido do sexo feminino. As duas modelos com inveja de Jesse, por sua vez, representam a beleza externa e a artificialmente criada, dois elementos intrinsecamente ligados à indústria em questão. Ruby, por sua vez, interpretada por Jena Malone é quem busca a beleza interior, a pureza, muito bem representado por um momento de violência no trecho final da obra. O mais interessante, porém, é como cada uma dessas personagens também representa um aspecto da personalidade da protagonista e não é por acaso que cada uma delas se distorce conforme Jesse passa por sua gradual metamorfose.

Toda essa construção imagética garante uma nítida profundidade à obra. Não é um filme fácil de ser assistido e certamente nos deixa como se estivéssemos diante de uma narrativa de terror: sabemos que algo muito ruim acontecerá, mas não sabemos o que e constantemente lembramos da sequência inicial, que funciona como uma premonição ou um mau agouro da personagem principal, criando até mesmo uma sensação cíclica, conforme vemos a projeção ser desenvolvida diante de nossos olhos.

A obra, porém, comete um deslize nos seus minutos finais, criando uma evidente quebra de imersão. Ela prolonga seu desfecho exageradamente, ainda que pudesse ter sido encerrada minutos antes na ocasião perfeita. Não é o suficiente para estragar o longa-metragem, naturalmente, mas não podemos deixar de sentir um certo desgosto por esse epílogo desnecessário.

Com Demônio de Neon, Nicolas Winding Refn nos traz uma abordagem perturbadora da moda e tudo que ela envolve, criando um questionamento interno no espectador, que passa a indagar se todo esse apreço pela beleza é realmente necessário, pois saudável todos sabemos que não é. Mas e se tudo girar em torno justamente dessa característica? Será que vale a pena nos transformarmos, julgarmos e enlouquecermos por isso? Terminamos a projeção com essa dúvida na cabeça e, se deixarmos a hipocrisia de lado, a resposta certamente não virá tão facilmente assim.

Demônio de Neon (The Neon Demon) — França/Dinamarca/ EUA, 2016
Direção:
 Nicolas Winding Refn
Roteiro: Nicolas Winding Refn, Mary Laws, Polly Stenham
Elenco: Elle Fanning, Christina Hendricks, Keanu Reeves, Karl Glusman, Jena Malone, Bella Heathcote, Abbey Lee,  Desmond Harrington
Duração: 118 min.

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