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Crítica | Depois, de Stephen King

por Ritter Fan
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Terceiro livro de Stephen King publicado como parte da longeva coleção da Hard Case Crime, selo pulp da editora Titan Books, Depois é um curto e descompromissado divertimento de horror – como o narrador/protagonista deixa claro logo no início – que, porém, aninha-se com bastante profundidade e aconchego no que podemos chamar de Kingverse, mas que não exige qualquer conhecimento prévio das obras do prolífico autor. Como pretendo manter a crítica completamente sem spoilers, alguns trechos abaixo serão propositalmente crípticos, mas, espero, que não de maneira a afastar o leitor tanto de meu texto, quanto de eventualmente conferir essa obra de King.

Contada em primeira pessoa por um jovem de 22, quase 23 anos chamado James “Jamie” Conklin, a história é uma clássica narrativa de amadurecimento que usa o artifício do enquadramento para retornar ao passado de forma a narrar os principais eventos da vida do narrador que, na veia das obras de Stephen King, tem uma habilidade especial sobrenatural que o autor revela logo no início com uma singela frase em meio a um simples parágrafo que, se o leitor não prestar atenção, passará despercebida. Aliás, essa forma de narrar a história coloquialmente, como uma conversa do narrador/protagonista com o leitor como uma quebra da quarta parede, é o grande charme do romance e o que fisga imediatamente a atenção.

King cria uma cumplicidade gostosa, imediatamente estabelecendo um rapport entre o leitor e Jamie que perdura até o fim, com a narrativa girando ao redor de momentos-chave, ao longo de vários anos, em que o protagonista precisa usar seu poder a contragosto, com consequências assustadoras que o perseguem. No entanto, apesar de algumas descrições de puro gore, o livro é razoavelmente leve nesse quesito, valendo-se muito mais da simpatia de Jamie conversando conosco e o uso do artifício da revelação de um acontecimento futuro, somente para que, ato contínuo, haja um retorno nem sempre linear ao passado para que então tudo seja explicado a contento, como aliás é uma conversa natural entre duas pessoas na vida real.

Mas não é só de Jamie e de sobrenatural que vive o romance, já que, mesmo com um número de páginas menor do que o normal atual do autor, King consegue criar e estabelecer uma inteligentemente construída constelação de personagens que gravitam ao redor do protagonista. Tia, sua mãe solteira e agente literária, é peça fundamental para que a história de amadurecimento realmente funcione, havendo uma conexão grande entre ela e Jamie, como uma leoa defendendo o filhote custe o que custar, para usar uma metáfora batida. Da mesma forma, há a policial Elizabeth “Liz” Dutton, amiga de Tia cuja importância vai gradativamente aumentando na medida em que a história progride, com King trabalhando sua personalidade com muita calma, soltando apenas pequenos detalhes dela conforme vista pelos olhos de Jamie. Outro destaque é o Professor Martin Burkett, inicialmente vizinho e depois amigo dos Conklins que serve de mentor a Jamie, funcionando como a figura paterna que ele nunca teve.

Há outros, claro, mas esse círculo mais próximo de Jamie já dá o gostinho do que é Depois, uma história de laços familiares sobre maturidade e responsabilidade, com raízes de horror sobrenatural que pontilham constantemente a narrativa. Quando a complexidade aumenta e o autor começa a amarrar sua história ao seu universo mais amplo – algo que só quem leu outros livros de King perceberá, claro – a pegada sobrenatural começa a sobrepujar essa história mais simples, mas, mesmo assim, há uma ótima costura que mantém a leitura em um ótimo ritmo até bem adiantado no livro.

No entanto, quase que como uma regra maldita, King tem ótimas ideias, mas nem sempre consegue finalizá-las sem arrefecer a história. Em Depois, o problema é que a grande ação climática é, diferente de tudo o que veio antes, absolutamente banal. Reparem que eu disse que o romance é simples, mas simplicidade e banalidade são bem diferentes e, quando King faz a ponte de um para o outro, o texto torna-se burocrático e a leitura mais difícil, “empedrada”, quase que na base do “agora que cheguei aqui, tenho que acabar”. E não ajuda nada que King deixe as portas escancaradas para uma continuação (como eu detesto isso!) e, pior ainda, insira um epílogo constrangedor de ruim, com aquela “última revelação” que é de trincar os dentes e completamente desnecessária. Pelo menos não foi necessário ler 600 páginas para chegar nesse fim decepcionante, o que certamente faz o romance ganhar pontos.

Mesmo com a “maldição de Stephen King” se abatendo na obra, Depois continua sendo uma leitura fácil e divertida que literalmente conversa muito tranquilamente com o leitor e torna Jamie um personagem imediatamente relacionável, mesmo considerando seu poder bizarro, mas de forma alguma original. Qualquer um sabe instintivamente como a história acabará, mas a jornada do narrador/protagonista merece ser acompanhada, especialmente porque o livro acaba antes de se tornar cansativo.

Depois (Later – EUA, 2021)
Autor: Stephen King
Editora: Hard Case Crime (Titan Books)
Data original de lançamento: 02 de março de 2021
Editora no Brasil: Suma (Suma das Letras, Companhia das Letras)
Data de lançamento no Brasil: 19 de março de 2021
Tradução: Regiane Winarski
Páginas: 252 (original americano, que foi a edição lida para a presente crítica)

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