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Crítica | Depois do Baile, de Lev Tolstói

Abalando os sentimentos de um homem.

por Luiz Santiago
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Escrito em 1903, mas publicado apenas em 1911 — após a morte do autor — Depois do Baile é um conto sagaz sobre a posição social de um homem, seu olhar para a realidade em que vive, a busca por um entendimento das coisas que o cercam e a reflexão sobre uma antiga problemática: o homem se faz sozinho ou é, de fato, fruto de seu meio social?

A trama começa com Ivan Vassílievitch contando uma história para um grupo de companheiros mais novos que ele. O narrador fala de uma arrasadora paixão que o tomou em dado momento de sua juventude, quando caiu de amores por Varenka B., filha de um Coronel. Ivan conta aos amigos os acontecimentos de uma determinada noite, durante a qual dançou com Varenka e viu o Coronel dançar com ela. Ele observa com riqueza de detalhes como se apaixonou profundamente por Varenka e como passou a admirar seu pai durante aquela noite. Como se estivesse expondo o lado externo e belo de uma máscara horrenda que, em pouco tempo, revelaria o seu outro lado.

Tolstói consegue engajar o leitor nesse relato de uma paixão arrasadora, fazendo com que o público entenda o fascínio de Ivan e passe a enxergar tudo o que acontece através de seu olhar adocicado, afetado pelos sentimentos mais calorosos. Assim, notamos com mais atenção do que o normal, em diversas peças do vestuário dos personagens — como luvas e vestidos –; consideramos as regras sociais e mesmo as posições de classe bem definidas a partir da dinâmica do baile (sempre escrita com a máxima atenção pelo autor), a partir da qual o espanto de Ivan para com esse novo sentimento se torna maior. A imersão é tanta, que não conseguimos pensar como esse belo e profundo sentimento pode ser quebrado, mesmo tendo uma introdução que nos dê todos os ingredientes para pensarmos assim. É depois do baile, no entanto, que o narrador, ainda esbanjando paixão, sai pelas ruas frias e vê algo que irá direcionar os seus sentimentos e, para todos os efeitos, a sua vida, para caminhos bem diferentes.

O homem tártaro, que ele vê sendo açoitado, pode ter alguns significados aqui. O feriado ortodoxo em que eles estão, no momento em que a história se passa, pode trazer algum alinhamento simbólico desse indivíduo com o próprio Jesus, chicoteado e envergonhado publicamente. A visão, no entanto, nos traz à discussão a alienação de Ivan. Ele, assumidamente, não entende o que está acontecendo; aquele horror público, aquele espancamento, aquele castigo, mas diz que “não achou aquilo algo ruim” porque não sabia do que se tratava. Tolstói nos faz pensar na relação entre o absurdo de uma pena medonha e o seu “merecimento“, trazendo a debate os caminhos da punição a alguém e o que é ou não é válido em casos assim, especialmente quando estamos falando de forças a serviço do Estado.

A segunda parte de Depois do Baile é um tanto menos interessante do que a primeira, e o seu desfecho, com o ciclo se fechando e o assunto voltando à roda de amigos onde Ivan encerrava sua narração, cumpre a missão de terminar a história coerentemente, mas com um quê de anticlímax que eu, pelo menos, não esperava encontrar em um texto tão bem azeitado como este.

Depois do Baile (После бала / Posle Bala) — Rússia, 1903
Autor: Lev Tolstói
Em: Nova Antologia do Conto Russo (Editora 34, 2011)
Tradução: Graziela Schneider
19 páginas

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