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Crítica | Desejo de Matar (1974)

por Ritter Fan
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  • Leia, aqui, as críticas de todos os filmes da franquia Desejo de Matar.

Simples em execução, mas complexo em implicações, Desejo de Matar foi um marco do subgênero de “filme de vigilante” que marcou os anos 70 e que teve como maiores expoentes, de um lado, em 1971, Perseguidor Implacável e de outro, em 1976, Taxi Driver. Se o primeiro filme da saga de Dirty Harry lidava com o vigilantismo dentro do contexto da violência policial, estudando a linha que separa uma coisa da outra, a obra-prima de Martin Scorsese abordava fortemente o lado psicológico da questão, tentando lidar com as consequências da guerra, da insanidade e da violência em geral.

Desejo de Matar, baseado em livro homônimo de Brian Garfield publicado em 1972, foca no cidadão comum – nem policial, nem desequilibrado mental – tentando conciliar uma situação assustadora com suas próprias crenças liberais e antiarmamentistas: a morte de sua esposa e o estupro de sua filha, que a deixa em estado catatônico, por três bandidos (um deles vivido por ninguém menos do que Jeff Goldblum, em seu primeiro papel) que invadem seu apartamento. De certa forma, esse enquadramento, por si só, torna o filme mais próximo do espectador, mais fácil de criar algum tipo de conexão com o dia-a-dia, especialmente para aqueles que vivem em cidades violentas.

Mas o filme tem um problema em seu nascedouro, que é a escalação de Charles Bronson para o papel de Paul Kersey, o arquiteto que se torna vigilante armado pelas ruas de Nova York. Bronson, então no auge de sua fama de cara durão, precursor, junto com Clint Eastwood e Steve McQueen de personagens urbanos estoicos e violentos que serviriam de base para os “brucutus dos anos 80”, era o tipo de ator cujo filme o público já esperava que fosse construído em volta de pancadaria e tiroteio do começo ao fim, retirando o caráter de “cidadão comum” que o roteiro de Wendell Mayes faz esforço em emular a partir do romance de Garfield e retirando muito das discussões sociais e armamentistas. Mesmo tentando construir um personagem que ama sua esposa, um respeitado profissional e um homem preocupado com os menos abastados, o desenvolvimento é artificial e simplista demais, permitindo que a presença física de Bronson termine por fazer ruir qualquer chance de vermos ali uma pessoa normal sofrendo por sua perda. Além disso, o título em português elimina o dualismo de Death Wish, que aborda não só o desejo de matar, como, também, o desejo de morrer, em uma daquelas traduções que ficaram na mente do espectador, mas que não refletem a dicotomia pretendida.

Em seu mérito, porém, o roteiro não esconde seu posicionamento. Fica evidente que a mensagem que o filme passa, por mais que se queira dizer o contrário ou colocar tudo em panos quentes, é pró-armas, com diversos momentos em que a atitude de Kersey reflete diretamente na redução dos crimes na cidade e no aumento da coragem do cidadão comum, inspirado pelo vigilante. Concordando ou não com essa visão, pouco importa, não há como deixar de aplaudir um filme que marca sua posição tão claramente, ainda que, claro, um debate mais equilibrado favorecesse a estrutura de uma película que não estivesse preocupada somente em mostrar Kersey, de maneira plácida, executando marginais em parques, vagões e estações de metrô e becos escuros. Aliás, os momentos de ação, se vistos isoladamente, são muito bons, com um ótimo grau de realismo que evita, nesse ponto, que Kersey se transforme em um super-herói invencível. Apesar de ter uma mira invejável, ele continua sendo apenas um homem de meia-idade e não vemos malabarismos que denunciem a presença de um dublê. Ao contrário até, o personagem de Bronson não corre, não fica esbaforido e não faz mais do que atirar em quem o ameaça à ponta de faca ou com armas de fogo. No entanto, a partir do momento em que ele toma sua decisão de se vingar do crime em geral, a montagem de Bernard Gribble dá a entender que tudo acontece em questão de dias, com cada passeio à noite por Kersey atraindo variados bandidos, o que chega até a ser estranho mesmo na Nova York violenta dos anos 70. Uma melhor decupagem pelo diretor Michael Winner e um trabalho mais compassado de Gribble teria evitado esse problema que faz com que pareça que o filme se passe em curtíssimo período de tempo, atrapalhando até mesmo a lógica e o passo da investigação policial sobre os crimes.

Por outro lado, a fotografia suja e escura de Arthur J. Ornitz, que trabalhara em Serpico no ano anterior, juntamente com o design de produção de Robert Gundlach, transforma a cidade em um personagem vivo, pulsante e doente na saga de Kersey ao inferno. O tom de desesperança, amplificado pela trilha sonora quase ambiental de Herbie Hancock, toma a narrativa por inteiro e retira do espectador qualquer sombra de dúvida de que aquilo que vê não pode acabar bem. É no visual que Desejo de Matar oferece um pouco do outro lado da moeda do vigilantismo, algo que Bronson só consegue mesmo capturar quando mostra que seu personagem, ao final, degenerou juntamente com seus crimes, sorrindo de maneira desconcertante e apontando o dedo como um revólver para um grupo de potenciais marginais. É só ali que um espectador querendo algo mais do que um filme de ação, verá o debate sobre o tema central da fita ganhar relevo.

Desejo de Matar é, concordando ou não com sua mensagem, um clássico setentista e, provavelmente o filme – a franquia, na verdade – pelo qual Bronson é mais lembrado (ainda que isso seja uma heresia, considerando que ele tem Era Uma Vez no Oeste no currículo). Uma obra que foi alvo de discussões acaloradas à época de seu lançamento e que, hoje, também poderia – e deveria – receber a mesma atenção para um debate sadio sobre um tema complicado.

Desejo de Matar (Death Wish, EUA – 1974)
Diretor: Michael Winner
Roteiro: Wendell Mayes (baseado em romance de Brian Garfield)
Elenco: Charles Bronson, Hope Lange, Vincent Gardenia, Steven Keats, William Redfield, Stuart Margolin,  Stephen Elliott, Kathleen Tolan, Jack Wallace, Jeff Goldblum
Duração: 93 min.

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