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Crítica | (Des)encanto – 1ª Temporada

por Luiz Santiago
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Matt Groening e Josh Weinstein já estiveram juntos em duas séries de grande apelo popular: Os SimpsonsFuturama. No início de 2016, a Netflix anunciou que seria a casa do novo projeto de Groening, uma animação que se passa em um Reino Mágico chamado Dreamland. O tempo, como era de se esperar, é a Idade Média — ou alguma variação de humor negro ligado a esse período da História. Piadas sobre a Peste, construção de canais, guerras que duram 116 anos e estranhos burgos em torno de grandes castelos são indicações disso, muito embora os roteiros brinquem até não mais poderem com o ideal de terra mágica, de um lugar de fartura, ociosidade, juventude e liberdade que marcou o imaginário de muitos povos — tudo isso, claro, em contraste com a fome, miséria, mortandade e decadência da realidade (para maiores informações sobre esses conceitos utópicos versus a dura realidade, vejam Cocanha – As Várias Faces de Uma Utopia).

Com o projeto de animação feito pelo Rough Draft Studios (o mesmo de Futurama) e com um tipo de humor muito característico de Matt Groening, a série já nasceu com a marcação de duas temporadas, tendo os 20 episódios encomendados pela Netflix divididos em duas fases. As referências ao cinema e à TV, claro, são muitas e é a partir delas que acompanhamos as aventuras e desventuras da “ovelha negra” da família desta fantasia medieval, a Princesa Bean (Abbi Jacobson), uma jovem que não se importa nada com votos de castidade ou sexo pós-casamento, vive bêbada e anda ao lado de Luci, um auto-declarado “Demônio Pessoal” da garota e também do Elfo Elfo (sim, Elfo Elfo, entenda), que se torna o melhor amigo de Bean e… Luci.

Algumas coisas rapidamente ficam claras em termos de tratamento de personagens. O time de marketing da série ressaltou o tal “ponto de vista feminista” para Bean, mas esqueçam essa declaração bobalhona, porque ela encerra em si mesma uma expectativa política ou, digamos, criticamente consciente de determinadas situações que jamais estão colocadas na série, por serem anacrônicas. Ocorre que Bean é uma baita personagem feminina interessante, com um comportamento maluco e anti-regras sociais e familiares. Uma jovem rebelde, corajosa e bem escrita, ou seja, uma boa personagem, independente do olhar que queiram dar a ela. E sim, ser “bem escrita” é a única coisa que importa aqui (não adiantaria o tal “ponto feminista” se ela fosse ridícula, não é mesmo?). Mas divago… Nessa jornada, o que temos é Bean e seus dois amigos vivendo situações ácidas, um pouco engraçadas e insanas, algo esperado de uma criação de Matt Groening. Exceto o “pouco engraçada“.

Tudo bem que humor é algo bastante pessoal, mas a forma como as coisas se organizam em (Des)encanto abrem pouquíssimas portas para um riso genuíno do público. Evidente que existem situações impagáveis, mas a comédia é consideravelmente insossa na série, sendo a ação slapstick ou alguns dramas pontuais o que realmente chamam a atenção. Eventos como os de Swamp and Circumstance, por exemplo, conseguem um resultado final muito mais eficiente pelo desencadear dos fatos, pelas ações particulares de tratamento do cenário político e pela comédia pontualíssima que faz sentido para esse ambiente e nos atrai para aquilo que o enredo promete. Todavia, isso não é um padrão para a série, que ainda peca pela repetição de uma porção de motivos cômicos e acaba dando desmedida força para dramas familiares que saem do escopo mais chamativo do show e chateando o público.

Além disso, a colocação de um plano (maligno? Político?) de bastidores que não é bem inserido ou trabalhado na série atrapalha consideravelmente algumas coisas, tanto ao quebrar a linha de ação em andamento, quanto ao cair em uma veia de mistério que não tem respostas na própria temporada, caindo em um final desencorajadamente anticlimático. Esses pontos negativos, no entanto, acabam em uma circunstância geral curiosa, uma inesperada sequência de compensações que tem seu ponto alto com todas as frases de Luci (Eric André) no show e pela personalidade do Elfo (Nat Faxon). Juntos à loucura libertina da princesa eles são disparadamente a melhor coisa da temporada e, sinceramente, não veria problema nenhum se todos os outros personagens recorrentes desaparecessem e ficassem apenas os três, em suas aventuras pelo Reino Mágico, afinal, deles vêm as melhores cenas, situações e resoluções da temporada. Resta ver o que vão fazer dos coadjuvantes na segunda e se vão manter a qualidade do trio.

A variedade de cenários traz momentos muito legais na animação, com pontos de destaque para a direção de fotografia nos dois grandes extremos, ao mostrar lugares/casas/esconderijos muito coloridos em oposição a florestas e pântanos trevosos. Visualmente, funciona bem, assim como o uso da trilha sonora, correta durante todo o tempo, embora temas musicais mais notáveis para entrada e saída de sequências no Reino não fossem fazer nenhum mal. (Des)encanto consegue a duras penas colocar-se acima da média, mas é uma colocação amarga e com um encerramento que provavelmente deverá perder uma parcela gorda de seus espectadores. Não é nada que não possa ser modificado, mas diante de toda a expectativa criada em torno série e pelas promessas da Netflix e do próprio Matt Groening sobre o que deveríamos esperar, o resultado, no geral, decepciona.

(Des)encanto – 1ª Temporada — EUA, 17 de agosto de 2018
Criadores: Matt Groening, Josh Weinstein
Direção: Dwayne Carey-Hill, Frank Marino, Wesley Archer, David D. Au, Ira Sherak, Albert Calleros, Peter Avanzino, Brian Sheesley
Roteiro: Josh Weinstein, David X. Cohen, Rich Fulcher, Jeff Rowe, Reid Harrison, Eric Horsted, Jeny Batten, M. Dickson, Patric M. Verrone, Shion Takeuchi, Bill Oakley
Elenco (vozes): Abbi Jacobson, Eric André, Nat Faxon, John DiMaggio, Tress MacNeille, David Herman, Maurice LaMarche, Billy West, Jeny Batten, Rich Fulcher, Lucy Montgomery, Matt Berry, Sharon Horgan, Lauren Tom, Noel Fielding
Duração: 30 min. (cada episódio)

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