Home MúsicaCrítica | “Destino de Aventureiro” – Ney Matogrosso

Crítica | “Destino de Aventureiro” – Ney Matogrosso

Desbravar é preciso.

por Iago Iastrov
213 views

Após o trabalho “apenas ok” em …Pois é (1983), onde flertava perigosamente com a mediocridade, numa produção enlatada, Ney Matogrosso ressurgiu em 1984 com Destino de Aventureiro, obra que finalmente concretizou suas ambições de dialogar amplamente com a estética sonora da década. O resultado, se não alcança o posto de obra-prima — por uma única faixa, meio desengonçada –, representa um dos momentos mais gostosos e diferentes (em termos de produção + tecnologia) da trajetória do artista, unindo as nuances contemporâneas com a intensidade de suas interpretações.

A gênese do álbum esteve no espetáculo homônimo, montado sob a lona do Circo Tihany, na Praça Onze carioca, onde permaneceu em cartaz durante cinco meses. Esse processo criativo — primeiro o palco, depois o estúdio — evidencia a natureza essencialmente teatral do artista, permitindo às canções maturarem cenicamente antes de cristalizá-las em vinil. A participação do grupo Placa Luminosa adiciona camadas de modernidade eletrônica, criando texturas sonoras que dialogam com o espírito oitentista sem soar datadas ou excessivamente subservientes às convenções do período.

A faixa-título, composição de Eduardo Dusek e Luís Carlos Góis, estabelece imediatamente o tom aventureiro e cosmopolita do trabalho. Os versos iniciais, que evocam grafites em banheiros e corações tatuados, ganham densidade poética através da interpretação de Ney, conferindo transcendência a imagens aparentemente bobas. Instrumentos surgem e desaparecem, criando passagens inesperadas, ampliando o valor da mensagem através de recursos puramente sonoros. Por Que a Gente é Assim?, releitura da composição de Frejat e Cazuza originalmente gravada pelo Barão Vermelho, exemplifica a capacidade camaleônica do intérprete. Onde o original apresentava questionamento juvenil direto, a versão de Matogrosso adiciona camadas de ambiguidade e melancolia adulta, sustentada por arranjo que mescla guitarras processadas com percussões latinas. Pra Virar Lobisomem (Cecéu) funciona como interlúdio metamórfico, explorando sonoridades que lembram o primitivismo somado à eletrônica futurista.

O ápice da força das performances, aqui, está na regravação de Retrato Marrom. Se em Pecado (1977) a canção de Fausto Nilo e Rodger Rogério já impressionava pela atmosfera noir tropical, aqui atinge dimensões cinematográficas. A interpretação atual revela-se mais visceral, intensa, transformando o tango em acusação desesperada. O acompanhamento instrumental é dramático, trazendo a memória dos cabarés decadentes de um Brasil imaginário, onde Buenos Aires e Rio de Janeiro se fundem em geografia emocional e única.

Namor mescla o pop sofisticado com elementos étnicos, enquanto O Rei das Selvas injeta elementos tribais processados eletronicamente. Bate-Boca (faixa maravilhosa e engraçada) retoma a energia do rock nacional, preparando o terreno para o encerramento com Vereda Tropical — precisamente onde o álbum, para mim, tropeça um pouquinho. O bolero de Gonzalo Curiel, tema da novela homônima, soa como concessão comercial básica demais num disco rigoroso, quebrando a coerência estética construída até ali.

Destino de Aventureiro confirma-se como um dos discos mais musicalmente coesos e intensos de Ney Matogrosso. É um projeto que reinventa uma das camadas de criação musical do artista, ao mesmo tempo em que demonstra que é possível criar música pop brasileira sofisticada, sem ceder ao comercialismo fácil ou ao básico desalmado das produções que fazem tudo eletrônico para economizar. Uma aventura sonora que nos leva para um maravilhoso destino.

Aumenta!: Porque que a Gente é Assim
Diminui!:

Destino de Aventureiro
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1984
Gravadora: Polygram/Barclay
Estilo: MPB, Pop, Rock, Música Latina, Tango, Forró
Duração: 39 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais