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Crítica | Desventuras em Série

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

Baseado nos três primeiros livros da série literária de mesmo nome escrita por Daniel Handler (sob o pseudônimo de Lemony Snicket), Desventuras em Série adapta as três primeiras obras que formam a saga dos irmãos Baudelaire. A produção, que passara por algumas complicações, incluindo a troca de seu diretor e a reescritura do roteiro, foi quase que inteiramente filmada nos estúdios de som e ambientes externos dos estúdios da Paramount (e arredores). Apesar de contar com seus evidentes deslizes, contamos aqui com um longa-metragem que funciona, em sua maior parte, como uma obra independente de seu material base, podendo ser aproveitada por qualquer um, tenha lido os livros ou sequer encostado neles.

A trama gira em torno de Violet (Emily Browning), Klaus (Liam Aiken) e Sunny Baudelaire (Kara e Shelby Hoffman), três irmãos bastante peculiares. A mais velha, Violet é uma exímia inventora, capaz de criar altos mecanismos apenas com materiais de sobra. Klaus, por sua vez, é um amante da leitura e consegue memorizar qualquer coisa que tenha lido. Sunny a bebê, gosta de morder as coisas. Suas vidas, porém, viram de cabeça para baixo quando seus pais morrem repentinamente em um incêndio de origem desconhecida, que destrói totalmente a mansão na qual moravam. Dito isso, eles são levados para o seu familiar, Conde Olaf (Jim Carrey), que fará de tudo para se apropriar da fortuna da família.

Um dos maiores acertos dessa adaptação cinematográfica definitivamente é o seu tom de humor negro constante, um acerto não somente do roteiro de Robert Gordon, como da direção de Brad Silberling, que transforma trágicos infortúnios em algo igualmente eletrizante e cômico. Apesar de contar com um visual bastante sombrio, com o uso de filtros escuros, que torna até a mais bela das casas em algo desconcertante e uma direção de arte exemplar, que realça o caráter de tragédia dessa família, o texto jamais permite que o espectador se entregue a um sentimento de desânimo, enxergando tudo como uma grande aventura.

Isso, naturalmente, é fruto do tom constante de fantasia que a obra assume, algo realçado pelo filtro já mencionado e as vistas, à distância, construídas com o uso de efeitos especiais. Essa artificialidade felizmente atua à favor do filme – se você espera algo mais sério de Desventuras em Série, é melhor procurar outro filme, visto que a verossimilhança não é exatamente o foco do longa. Por outro lado, enquanto a fotografia acerta na maneira como sedimenta a atmosfera de humor negro da obra, ela falha em alguns aspectos mais técnicos, chegando a trazer alguns planos desfocados (mesmo que por instantes), o que acaba quebrando nossa imersão momentaneamente.

Os maiores problemas, contudo, do filme emergem quando paramos para analisar seus personagens. Não chega a existir, de fato, uma construção de nenhum deles – dos protagonistas até os mais secundários, todos são demonstrados de forma extremamente rasa e aprendemos sobre eles logo nos primeiros minutos do longa. Isso, infelizmente, é uma consequência da desnecessária narração em off de Lemony Snicket (Jude Law), que além de constatar o óbvio, prejudica a urgência de algumas sequências visto que entrega o que irá ocorrer a seguir. Temos aqui uma marca da adaptação que deseja ser fiel demais a seu material base, não entendendo que estamos falando de duas mídias completamente diferentes.

A situação piora ainda mais com a total falta de carisma dos dois irmãos mais velhos, Violet e Klaus, com Emily Browning e Liam Aiken que parecem terem sido forçados nos papéis, demonstrando quase nenhuma emoção, ao ponto que o bebê funciona melhor que eles em tela. Jim Carrey, por sua vez, é um clássico caso de ame ou odeie e o sentimento em relação a ele oscila de cena para cena. Enquanto que, em algumas, ele é uma demonstração exagerada de caretas, nas outras ele desempenha um papel bastante cômico através de suas personificações nada discretas. Essas, por sua vez, realçam a estupidez de todos os outros personagens, algo que exige demais de nossa suspensão de descrença. O mérito dos disfarces do maléfico conde Olaf, contudo, não fica limitado somente ao trabalho de Carrey, como também sim da ótima maquiagem empregada, definitivamente merecedora do Oscar que ganhara.

Desventuras em Série, portanto, é uma amálgama de acertos e deslizes, que, felizmente, no fim, nos deixam com uma percepção positiva da obra como um todo. Embora deixe alguns pontos no ar, certamente para uma sequência que jamais existiu, a obra é autocontida, funcionando como um bom divertimento mesmo para aqueles que não leram os livros. Uma verdadeira pena que o elenco, à exceção de Carrey (ele faz caretas, mas é o estilo dele), não tenha se empenhado tanto, tirando muito do brilho de inúmeras sequências. Resta colocar nossas fichas na série da Netflix.

Desventuras em Série (A Series of Unfortunate Events) — EUA/ Alemanha, 2004
Direção:
 Brad Silberling
Roteiro: Robert Gordon (baseado nos livros de Daniel Handler)
Elenco: Jim Carrey, Jude Law, Meryl Streep, Liam Aiken, Emily Browning,  Kara Hoffman, Shelby Hoffman, Timothy Spall, Catherine O’Hara
Duração: 108 min.

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