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Crítica | Dexter – 4ª Temporada

O melhor vilão da série.

por Kevin Rick
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A quarta temporada de Dexter marca o momento exato em que a série abraça sua vocação trágica com maior precisão, elevando tudo que vinha construindo desde o início e expondo, sem anestesia, a impossibilidade de Dexter manter a farsa de uma vida dupla. Este quarto ano converge todas as linhas das temporadas anteriores para uma narrativa que se torna, aos poucos, um colapso inevitável das escolhas do protagonista. É uma história conduzida com paciência e crueldade, em que a normalidade doméstica, que parecia a grande promessa de estabilidade de Dexter, revela-se lentamente como um inimigo que, mais à frente, encontra um vilão ainda mais implacável.

A temporada começa com essa nova rotina no centro da vida do protagonista casado. Rita, as crianças, o bebê Harrison, o trabalho acumulado e o sono escasso viram uma moldura antagonista e, em diversos momentos, de muito bom humor, num terço inicial que se apropria bastante dos ótimos tons irônicos da produção. Gradualmente, a comédia, de forma discreta, se torna dramaticamente mais incisiva, e os roteiristas mostram como cada detalhe do cotidiano começa a corroer a precisão que Dexter sempre teve sobre si mesmo. Ele esquece arquivos, destrói provas, quase chama atenção dos colegas e falha em manter a fachada limpa que sempre cultivou. A série faz disso não apenas um obstáculo prático, mas psicológico, sempre bem conduzido com seus monólogos internos. Gosto bastante do trabalho nesse lado doméstico da trama, principalmente no início da temporada.

É nesse momento fraturado que Frank Lundy retorna, trazendo com ele o que existe de melhor no thriller policial da série. O arco do Assassino da Trindade se estabelece com solidez e mistério raros, e a presença de Lundy adiciona uma camada melancólica que reverbera em Debra e no espectador. A morte repentina do agente, seca, brutal, quase desprovida de cerimônia, redesenha completamente a temporada. Esse assassinato é o catalisador emocional da ascensão de Debra como investigadora madura, capaz de conduzir uma narrativa própria (finalmente gente!), e também o pivô que conecta, de forma ainda invisível, Dexter ao verdadeiro antagonista da temporada.

Quando Arthur Mitchell (John Lithgow, sempre uma grande presença) entra em cena, Dexter encontra seu vilão definitivo. A força de Lithgow não está apenas na interpretação assombrosa, mas na estrutura que a série constrói ao redor de sua persona, em que o assassino não é mero adversário, mas contraponto, espelho e um constante aviso. Desde o primeiro encontro entre Dexter e Arthur, a narrativa articula esse fascínio perigoso que aproxima dois homens que compartilham um trauma formador e uma compulsão homicida, mas cujo modo de sobreviver ao mundo os coloca em extremos opostos. É fascinante como a série faz Dexter admirar aquilo que deveria enxergar como ameaça; ele observa a rotina de Arthur, sua família aparentemente devota, seu envolvimento na igreja, seu voluntariado, e projeta ali um caminho possível, uma versão “bem-sucedida” de sua própria conciliação interna. É um engano cruel, e a temporada sabe disso desde o primeiro instante.

O percurso narrativo que se segue é brilhante justamente porque destrói, lentamente, a idealização do protagonista. A viagem que os dois fazem, o encontro com o passado traumático de Arthur, as confissões, o comportamento errático, tudo é desenhado para expor não apenas a monstruosidade do vilão, mas a fragilidade das ilusões de Dexter sobre família e equilíbrio. O episódio de Ação de Graças é o clímax emocional dessa construção: ali, na mesa, o verniz desmorona. A violência doméstica, o medo dos filhos, o desespero silencioso da esposa, a claustrofobia emocional transformam a família Mitchell num espelho terrível daquilo que Dexter poderia vir a ser. É como se a série dissesse, com todas as letras: não há como viver duas vidas sem que elas se contaminem até os ossos.

Paralelamente, Debra vive sua própria tragédia, no melhor arco da personagem até aqui. Ferida, traumatizada, lutando para entender a morte de Lundy e percebendo, só aos poucos, que Christine Hill está envolvida em algo muito maior do que aparenta. A revelação de que Christine é filha de Arthur é talvez um dos momentos mais soturnos da temporada, não pela surpresa em si (que é até meio mequetrefe no jeito súbito que ocorre), mas pelo vazio emocional que a personagem carrega. Sua confissão final e subsequente suicídio reforçam a espiral de devastação que a temporada cultiva cuidadosamente. É o subproduto inevitável de um homem como Arthur: um rastro de abuso, mentira e morte que destrói tudo que toca.

É nesse ambiente de implosão emocional, com Debra lutando para recompor sua vida e Dexter percebendo que sua obsessão por Arthur o cegou, que a temporada entra em seu ato final. A percepção tardia de Dexter sobre o padrão real dos crimes, a descoberta do menino sequestrado, o paralelo entre o trauma infantil de Arthur e o de Dexter, reconfigura a série mais uma vez. Agora não se trata mais de um duelo intelectual, mas de uma corrida contra o relógio, no que é a melhor trama de suspense policial da série até aqui.

A morte de Rita no encerramento da temporada é um golpe devastador. Não é apenas chocante, mas sim trágico em um sentido clássico, principalmente pelo carisma e simpatia que a personagem carrega. Dexter passa a temporada repetindo para si mesmo que está tentando proteger sua família, tentando melhorar, tentando se tornar mais humano. O resultado é o oposto: ao tentar conciliar os dois mundos, ele expôs exatamente aquilo que mais queria preservar. A imagem de Harrison sentado na poça de sangue, recriando o trauma de infância de Dexter, é um círculo perfeito de dor, uma repetição monstruosa que selava, desde o início, a impossibilidade de redenção.

A quarta temporada de Dexter é um triunfo narrativo, emocional e simbólico. Ela sintetiza tudo que a série fez de melhor e empurra o protagonista para o único destino possível quando se vive entre máscaras. Ao colocar Arthur Mitchell como espelho e fantasma, a série desmonta, sem suavidade, a ilusão de vida normal que Dexter vem tentando sustentar desde sempre. É a temporada mais madura, mais incisiva e mais devastadora da série, porque compreende que todo monstro que tenta construir uma casa acabará inevitavelmente destruindo-a por dentro. Essa maturidade vem acompanhada do melhor antagonista da obra e da trama de mistério policial melhor desenvolvida também. Dexter, ao final, não perde apenas sua esposa; perde a fantasia de que poderia alguma vez ser outra coisa além daquilo que nasceu para ser.

Dexter – 4ª Temporada | EUA, 2009
Criação e desenvolvimento: James Manos Jr. (baseado na obra de Jeff Lindsay)
Direção: Ernest Dickerson, Steve Shill, John Dahl, Keith Gordon, Marcos Siega, Tim Hunter, Brian Kirk, Romeo Tirone, SJ Clarkson
Roteiro: Clyde Phillips, Charles H. Eglee, Melissa Rosenberg, Tim Schlattmann, Lauren Gussis, Scott Reynolds, Scott Buck, Wendy West
Elenco: Michael C. Hall, Julie Benz, Jennifer Carpenter, Lauren Vélez, David Zayas, James Remar, C. S. Lee, John Lithgow, Christina Robinson, Desmond Harrington, David Ramsey, Preston Bailey, Courtney Ford, Brando Eaton, Rick Peters, Julia Campbell, Vanessa Marano, Keith Carradine, Geoff Pierson, Alicia Lagano, Tasia Sherel
Duração: 654 min. (12 episódios)

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