- Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas do universo Dexter.
Sem dúvida alguma, o projeto de Clyde Phillips de trazer Dexter Morgan de volta à televisão oito anos depois do fim da série original deu muito certo. New Blood nos reapresentou ao “serial killer do bem” pacatamente vivendo sob a identidade secreta de Jim Lindsay em uma cidadezinha gelada do norte dos EUA até que seu filho Harrison, agora bem crescido, ressurge com seus próprios problemas, somente para que, no fim, filho matasse o pai. Mas, claro, esse negócio inconveniente chamado “morte” é muito relativo e facilmente resolvível em uma Hollywood cada vez mais sedenta por reciclagem, com a sobrevivência do protagonista tendo sido o estopim de Pecado Original, um prelúdio narrado por um Dexter em coma que retorna aos anos 90 para explicar como Dexter tornou-se o Dexter que conhecemos. E, agora, poucos meses depois do fim da primeira temporada do prelúdio, eis que Ressurreição chega às telinhas, uma nova série em que, como o título não esconde, Dexter sai do coma e recomeça sua vida mais uma vez.
A missão dos dois episódios inaugurais de Ressurreição é a mesma de toda nova temporada de qualquer série, ou seja, estabelecer a premissa do novo ano. E Um Coração Batendo, escrito por Phillips ao lado de Scott Reynolds, dedica-se com vigor a Dexter acordando de seu coma depois de 10 semanas entre a vida e a morte, de forma a dar aos espectadores todo o tipo de resposta a pergunta que possamos ter. Afinal, temos que lembrar que o protagonista fora baleado à queima roupa por seu filho com uma espingarda de caça em um lugar isolado, sem possibilidade de socorro imediato e que sua identidade como o Açougueiro de Bay Harbor fora descoberta por sua namorada e chefe de polícia Angela. Como reverter essa situação? Ora, muito fácil se os espectadores não ligarem muito para verossimilhança e aceitarem o que é exposto sem arguir, ou seja, simplesmente aceitando que um tiro daqueles em um ambiente muito frio leva a uma perda de sangue menor e a batimentos cardíacos reduzidos que deram tempo aos paramédicos chegarem para ministrar os primeiros socorros e que Angela resolveu presentar seu ex-namorado assassino assumindo boa parte da culpa do que ocorreu, evitando sua prisão.
Como séries como essa são inevitáveis e como eu mesmo me propus a assisti-la, admito que eu sou um daqueles que precisa simplesmente engolir as explicações e lamber os beiços. Mas isso não quer dizer que eu não posso reclamar dessas conveniências todas para desfazer uma morte poética e interessante, que abria espaço para, talvez, um spin-off com Harrison, algo que provavelmente foi descartado em razão do quanto Michael C. Hall é importante para a identidade de qualquer coisa que leve a marca Dexter e o quanto, como já disse, Hollywood prefere o mais do mesmo. Verdade seja dita, pelo menos o primeiro episódio assumiu-se como puro “escape” e ainda teve tempo de usar uma premissa dickensiana para fazer com que três fantasmas visitassem Dexter em coma, o Assassino da Trindade (John Lithgow), Miguel Prado (Jimmy Smits) e James Doakes (Erik King), o que serve para aquecer o senso de nostalgia que todos esses revivals de Dexter fazem questão de usar em doses cavalares. Além disso, Angel Batista (David Zayas), esse muito vivo, também visita o velho amigo e deixa muito clara sua desconfiança sobre Dexter em razão da suspeita de Angela que casa com o que Maria LaGuerta um dia disse para ele.
Em paralelo a todo esse processo de ressuscitação de Dexter, que acaba com ele furtando a picape de um recém falecido e fugindo do hospital, vemos Harrison (Jack Alcott) bem estabelecido em Nova York como um faz tudo de um hotel que dorme secretamente nos quartos em razão da ajuda de uma jovem que também trabalha lá e que precisa que ele seja a babá de seu filho pequeno. Não demora, porém, e Harrison acaba assassinando um estuprador e usa os métodos de seu pai para se livrar do corpo, algo que, porém. não funciona totalmente. Com isso, e mais a presença de Harry Morgan (James Remar) como o “Grilo Falante” de Dexter, em mais uma conexão direta com a série original, a convergência narrativa é estabelecida e reiterada no segundo episódio, Anticâmera que, porém, não se contenta em lidar com o que está bem à sua frente, ou seja, a desconfiança de Angel de um lado e os problemas muito reais de Harrison de outro, com a sherlockiana detetive Claudette Wallace (Kadia Saraf) aproximando-se a passos largos do assassino do hotel.
A presença enigmática de Uma Thurman no primeiro episódio ganha desdobramentos no segundo, com o contorno de uma ideia de que a pessoa para quem ela trabalha, ao que tudo indica, é uma espécie de “patrocinadora de serial killers“, com Dexter não demorando a descobrir que existe um serial killer em Nova York que mata motoristas de aplicativo e que, mais relevante do que isso, denomina-se Passageiro Sombrio, levando o protagonista a começar sua própria investigação. Em outras palavras, não é suficiente que Dexter tenha retornado e que, em New Blood, tenha enfrentado um serial killer, pois, pelo visto, é sempre essencial que tudo que se relaciona com ele tenha mais algum assassino em série, algo que é amplificado aqui para mais de um e um patrocinador deles. Falta coragem a Clyde Phillips de sair dessa rotina, de tentar algo realmente diferente ou no mínimo fundamentalmente focado em Dexter e Harrison, sem invencionices, sem transformar Dexter em um para raio de serial killer mais uma vez. Infelizmente, porém, considerando a presença de Thurman no elenco e o nome de Peter Dinklage nos créditos, mesmo não tendo aparecido nesses dois episódios, e que provavelmente vive o contratante da personagem dela, esse lado repetitivo da série terá grande peso.
Confesso que também não amo o fato de Harrison tornar-se um assassino. Tudo bem que ele não é – pelo menos não até agora – como o pai e matou na fúria do momento, mas mesmo assim me parece um bis in idem que, se não for bem trabalhado, só contribuirá para o cansaço de Ressurreição. Se o assassinato do estuprador não se tornar um trauma para o jovem, como matar o próprio pai tem que ter sido, o que teremos, no final das contas, é uma variação da mesma coisa que só existe para fazer da nostalgia sua razão de ser. Gosto muito de Hall e acho que Alcott tem potencial e uma trama bem pensada focada nos dois, mesmo que usando o tal assassinato no hotel como gatilho narrativo, poderia e ainda pode funcionar muito bem se toda essa história de serial killers e de patrocinador de serial killers não for um rolo compressor que esmaga tudo ao redor sem dó, nem piedade. Dexter pode ter sobrevivido ao tiro dado pelo filho, mas não sei se sua série sobrevive à incessante e inclemente operação do mais do mesmo hollywoodiano.
Dexter: Ressurreição – 1X01 e 1X02: Um Coração Batendo e Anticâmera (Dexter: Resurrection – 1X01 e 1X02: A Beating Heart… / Camera Shy – EUA, 11 de julho de 2025)
Desenvolvimento: Clyde Phillips (baseado na série desenvolvida por James Manos Jr. e na obra de Jeff Lindsay)
Direção: Marcos Siega
Roteiro: Clyde Phillips e Scott Reynolds (1X01); Scott Buck (1X02)
Elenco: Michael C. Hall, Uma Thurman, Jack Alcott, David Zayas, Ntare Guma Mbaho Mwine, Kadia Saraf, Dominic Fumusa, Emilia Suárez, James Remar, John Lithgow, Erik King, Jimmy Smits, Marc Menchaca
Duração: 52 min. (1X01). 48 min. (1X02)
