- Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas do universo Dexter.
Deixe-me primeiro abordar logo o elefante na sala, que é provavelmente o que deixou muito espectador que nem pinto no lixo ao final do episódio: sim, a reviravolta que revela que o Assassino Gemini, na verdade, são Assassinos Gemini foi muito bacana, bem construída, algo raro na televisão pop atual que acha que surpresas precisam ser tiradas da cartola e completamente descoladas da construção narrativa para que ninguém “adivinhe”, como se séries fossem jogos de salão. Clyde Phillips cozinhou bem essa revelação e o roteiro de Kirsa Bein soube cadenciá-la à perfeição, com uma riqueza de pistas que deixam evidente, em retrospecto (porque, no meu caso, eu só me toquei disso – lentamente, admito – quando a sequência da decolagem do helicóptero de Leon Prater começou a se estender demais), que Gareth realmente tinha um companheiro em sua empreitada familiar. Melhor ainda, esse twist impediu que Gato & Rato fosse apenas mais um episódio em que toda a ação é focada na eliminação de serial killers por Dexter, mesmo que ele, claro, efetivamente elimine um serial killer aqui.
Mas a beleza do episódio – assim como a do anterior – não é exatamente o ritual dexteriano de reduzir o número de psicopatas no mundo enquanto seu Passageiro Sombrio se alimenta do êxtase do momento e nem mesmo a subversão dele, como foi com a prisão e não assassinato de Lady Vingança e, agora, a passada de perna em Dexter com a existência de um segundo assassino Gemini. O que realmente tem distanciado Dexter: Ressurreição do lugar-comum e de ser mais uma série que só existe par fazer uso da bengala da nostalgia como foram os casos de New Blood e Pecado Original é a qualidade do trabalho dramático da dupla central e dos atores que gravitam imediatamente ao redor deles, além de, é claro, o espaço que tem sido dado a eles para realmente trabalharem seus personagens. Phillips não encontrou esse equilíbrio desde o começo da série, mas, agora, ele parece ter compreendido muito bem que o campeonato de mata-mata não era suficiente, sozinho, para sustentar a narrativa, nem mesmo casado com as bizarrices introduzidas na série, como é o caso de Prater e seu colecionismo de serial killers e da detetive sherlockiana fã dos Bee Gees.
Assim como o ponto alto de Tesão pra Matar, pelo menos para mim, foram as conversas entre pai e filho, em Gato & Rato foi a mesma coisa, com a conexão entre Dexter e Harrison sedimentando-se e fortalecendo-se. Dexter, já claramente atordoado pelo que passa a sentir com mais força – a emoção dele no velório da mãe de Blessing foi até uma outra boa surpresa -, tenta assumir de vez o papel de pai, esforçando para replicar o que Harry significou para ele. E Harrison, por seu turno, revela toda sua fragilidade e dúvida quando, novamente, tem um (mais do que justificado) pensamento assassino que ele, ainda bem, não leva a cabo. O jovem não quer ser como o pai e o pai, percebendo como percebeu que seu filho não é como ele, não o leva pelo caminho sombrio, deixando claro que uma reação dessas a alguma injustiça, reação essa que não se torna ação violenta, faz parte da vida e é algo que as pessoas normais têm o tempo todo. Mais uma vez, Michael C. Hall e Jack Alcott acertam no tom de seus personagens e mostram domínio absoluto das sequências em que seus personagens interagem.
Ntare Guma Mbaho Mwine como Blessing é sem dúvida outro acerto no departamento dramático, mas eu não gostei do uso do personagem no episódio, interrompendo o ritual de Dexter para criar uma sequência de tensão artificial, forçada, sem um pingo de naturalidade. Foi o exato contrário do momento de revelação de que Gemini são dois, ou seja, foi algo barato, feito de qualquer maneira, com direito a uma sob story que até poderia ter valor em outro contexto, mas que, aqui, pareceu puro didatismo chinfrim na linha do “viu como pais são importantes da educação dos filhos?”. Esse é o tipo de cena que resvala no lugar-comum que mencionei acima, mas que, ainda bem, não desabona a experiência como um todo, até porque a sequência do velório foi valiosa.
Apesar de não ter amado também a eliminação de Lady Vingança, já que ela tinha potencial para ser aproveitada futuramente, até em outra série com Dexter (que virá, podem ter certeza), o acontecimento foi perfeitamente compreensível e serviu para ilustrar bem claramente – não que já não tivesse ficado claro – até que ponto Prater vai para não deixa pontas soltas e, também, agradar seus protegidos e a convergência do núcleo detetivesco em todo o trabalho de acobertamento de crime iniciado por Harrison e continuado, com prazer, por Dexter. Será interessante ver se, nos vindouros episódios, a trinca de policiais chegará próxima do próprio Prater e de sua coleção, ou se isso permanecerá reservado para Dexter.
Com uma reviravolta que não existe no vácuo e que carrega lógica interna bastante firme, sendo efetivamente apenas a cereja em um bolo muito bem assado e decorado, Gato & Rato continua contando uma improvável, mas fascinante história de aproximação entre pai e filho que, ao que tudo indica, finalmente gerará dividendos reais nesse retorno de Dexter para a televisão empreendido por uma Hollywood que não deixa seus finais serem definitivos. Agora é esperar para saber para onde é esse passeio de helicóptero bancado por Prater e se o gêmeo Gemini desconfia da mão de Dexter no sumiço do irmão…
Dexter: Ressurreição – 1X06: Gato & Rato (Dexter: Resurrection – 1X06: Cats and Mouse – EUA, 08 de agosto de 2025)
Desenvolvimento: Clyde Phillips (baseado na série desenvolvida por James Manos Jr. e na obra de Jeff Lindsay)
Direção: Marcos Siega
Roteiro: Kirsa Rein
Elenco: Michael C. Hall, Uma Thurman, Jack Alcott, David Zayas, Ntare Guma Mbaho Mwine, Kadia Saraf, Dominic Fumusa, Emilia Suárez, James Remar, Peter Dinklage, Krysten Ritter, Eric Stonestreet, David Dastmalchian
Duração: 56 min.
