- Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas do universo Dexter.
Obviamente, eu preferiria que Clyde Phillips tivesse encontrado uma saída engenhosa para evitar a morte de Ángel Batista, fugindo da regra quase absoluta na franquia Dexter que reza que aqueles que descobrem quem o protagonista realmente é acabam morrendo de uma maneira ou de outra. No entanto, sabendo que era muito improvável que Dexter: Ressurreição seguisse por esse caminho mais ousado e complexo, esperava que Tocado por um Anjo, no mínimo dos mínimos, oferecesse uma morte nobre ao ex-chefe de polícia de Miami que decidiu se aposentar para caçar Dexter Morgan, o que infelizmente não aconteceu. Na verdade, passou bem longe de acontecer, como se o showrunner tivesse se ausentado da sala de roteiristas exatamente na hora que essa questão foi decidida pelo estagiário que estava ali servindo o cafezinho.
Não é que a morte de Ángel, fuzilado pelas costas por Leon Prater enquanto ele enforcava Dexter em um frenesi de raiva, tenha sido péssima. Ela foi, apenas e tão somente, idiota, decepcionante, banal, sem a força que um momento desses precisava ter para realmente funcionar. O personagem vinha oferecendo boas doses de tensão na temporada ao servir de nêmesis para Dexter, aproximando-se do serial killer que aprendemos a amar com toda a intensidade de um homem que tem o fogo de sua vingança alimentado pela lembrança daqueles que ele perdeu em razão das ações do Açougueiro de Bay Harbor e, principalmente, pela dura realização de que ele trabalhou por muitos anos ao lado de um assassino, mesmo que seja um assassino com “objetivos nobres”. É compreensível, portanto, que seu instinto primal, quando ele é libertado da mesa de sacrifícios, seja tentar matar Dexter, mas, por outro lado, essa é saída narrativamente fácil para um personagem que vinha fazendo um paciente trabalho de detetive ao longo dos episódios.
E, como se isso não bastasse, o roteiro ainda fez questão de humilhar Ángel ao colocá-lo sob a luz do interrogatório da detetive Wallace e de seu parceiro, momento que seria eficiente se não tornasse evidente demais que a escolha original do policial de Miami em se aposentar para então correr atrás de Dexter não faz sentido algum. Se ele tivesse permanecido no cargo, poderia oficialmente conduzir suas atividades ou pelo menos tirar férias para investigar privativamente, o que de toda forma evitaria esse momento em que suas ações são diminuídas pelos detetives novayorkinos, mesmo que ele se mostrasse obsessivo em culpar Dexter com provas que são no máximo circunstanciais tecnicamente. Um personagem desses, tão importante para a temporada e, vamos combinar, para a série como um todo desde seu começo em 2006, precisava de seu momento de triunfo momentâneo e não uma saraivada de balas em um estado de fúria incontida, saraivada essa que foi precedida de momentos em que a narração em off de Dexter, normalmente muito boa, simplesmente terminou de quebrar todo e qualquer semblante de tensão, mais parecendo uma brincadeira de mau gosto.
Se as circunstâncias da morte de Ángel fossem os únicos problemas do episódio, ainda seria possível relevá-lo, mas, por alguma razão que não consigo explicar (a não ser a tal ausência de Phillips da sala de roteiristas…), há outros aspectos que detraem da narrativa. Um deles é o conflito entre Harrison e Charley no quarto do Hotel Empire. Mesmo que o uso do corte seco seguido de flashbacks seja um recurso interessante para tornar tudo mais dinâmico e um tantinho misterioso, fato é que a frieza do jovem foi longe demais aqui, sendo muito mais uma gigantesca e incômodo conveniência de roteiro do que qualquer outra coisa. Afinal, ele estava sob ameaça de arma sendo interrogado por uma soldada experiente que, mesmo odiando, segue friamente as ordens de seu chefe. Harrison não tinha chance ali, mas, pela divina graça do Roteiro Santo, ele saiu de lá incólume, cheio de historinha para contar para o papai.
E o que dizer do que segue desse ponto? Dexter, em um estalar de dedos, descobre onde Charley mora, em outro estalar de dedos invade a casa dela e faz todas as descobertas que precisa para fazê-la comer na palma de sua mão e, em um terceiro estalar de dedos, usa sua persona Red para emboscá-la em seu próprio automóvel, sem que ela consigo reagir. Sei que Dexter já tem experiência no que ele faz, mas aqui não foi apenas uma questão de conveniência, mas sim de total desperdício de um bom embate entre iguais, ainda que cada um de seu jeito bem particular. Nem mesmo o momento de reconciliação de Dexter com Blessing foi bom, pois ele acabou sendo a cereja do bolo de uma linha narrativa paralela que não tinha nenhuma razão de ser que não fosse ocupar tempo de tela.
Agora, Dexter está preso no cofre de Prater e ele tem exatamente um episódio para sair de lá, matar o bilionário e sua capanga (ou, alternativamente, matar o bilionário com a ajuda da capanga que pode acabar amiga dele, o que seria um resultado bem mais interessante), dar um jeito no corpo de Ángel ou de alguma forma convencer a polícia de que Prater o matou (o que é a verdade, mas toda a cadeia de eventos passa por Dexter e ele explicar a presente dele mesmo nessa brincadeira vai ser difícil) e, potencialmente, acabar sendo exonerado de qualquer sombra de culpa, eventualmente até tornando-se consultor oficial da polícia de Nova York ou não-oficial de Wallace. Seja qual for o final, acho muito improvável que ele compense de verdade a queda de qualidade representada por Tocando um Anjo. Mas, claro, descobriremos muito em breve!
Dexter: Ressurreição – 1X09: Tocado por um Anjo (Dexter: Resurrection – 1X09: Touched by an Ángel – EUA, 29 de agosto de 2025)
Desenvolvimento: Clyde Phillips (baseado na série desenvolvida por James Manos Jr. e na obra de Jeff Lindsay)
Direção: Marcos Siega
Roteiro: Scott Reynolds
Elenco: Michael C. Hall, Uma Thurman, Jack Alcott, David Zayas, Ntare Guma Mbaho Mwine, Kadia Saraf, Dominic Fumusa, Emilia Suárez, James Remar, Peter Dinklage
Duração: 47 min.