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Crítica | Dezesseis Primaveras

por Michel Gutwilen
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Não é muito de meu feitio dar dados “do mundo externo” para embasar uma crítica sobre uma obra, mas acho no mínimo interessante ter em mente que Suzanne Lindon (filha do ator Vincent Lindon), diretora e protagonista de Dezesseis Primaveras, é uma jovem de vinte anos e que escreveu o roteiro quando tinha quinze. Tratando-se de uma história sobre juventude, paixão e incomunicabilidade, esse acúmulo de uma tripla função (direção, atuação, roteiro) assumido por Suzanne vincula uma abordagem de olhar muito íntimo sobre o que é ser uma garota se descobrindo. Logo, há de se ter em mente que o jeito como a câmera é posicionada e enquadra o corpo feminino, os diálogos e as situações criadas, além da própria fisicalidade de Suzanne, carregam a marca desta garota e o modo como ela enxerga o mundo junto com o que é ser mulher.

Portanto, penso que isso é o suficiente para desvincular qualquer acusação moralista que alguém poderia fazer contra Dezesseis Primaveras, afirmando que ele é condescendente com o romance entre uma menina de dezesseis anos e um homem de trinca e cinco. Pelo contrário, pois se trata justamente da impossibilidade da concretização destes sentimentos proibidos. Mais do que isso, visto que ele também é sobre o surgimento de emoções confusas em uma adolescente que não sabe lidar com elas propriamente, exteriorizando-as da maneira mais peculiar possível. 

É visível a incomunicabilidade de Suzanne com o mundo exterior, tanto em seu ambiente escolar, quanto familiar, sempre reforçado pelo modo de filmar da diretora. Neste sentido, ela opta por enquadramentos que apertam a protagonista em algum canto (na porta do prédio da festa, do elevador), usa muitos close-ups em seu rosto, além de uma falta de profundidade de campo nas cenas exteriores que isolam ela do mundo exterior. Igualmente, o próprio fato das ruas da cidade sempre parecem desertas, realmente transportam este romance para uma outra esfera diferente da realidade. Assim, o surgimento deste homem é como uma mistura frankensteiniana de todas as relações que ela outrora rejeita: um amigo e pai, mas alguém que também é sua primeira paixão platônica. 

O platonismo, aliás, é o tom geral da condução cênica deste “quase-romance”. É um amor impossível e inalcançável desde sua concepção, precisando ser concretizado através de outras formas que não a conjunção carnal. Logo, é dos pequenos gestos que surge uma romantização deste relacionamento: o compartilhar de um canudo de uma bebida, os gostos gastronômicos passarem a se combinar; o prazer de se escutar a mesma música e os corpos começarem a dançar em sintonia. Em um primeiro momento, é o não-contato que predomina e Suzanne ainda está deslumbrada. 

Porém, quando o inalcançável se mostra mais próximo de ser concretizado, este platonismo vira um ato imaculado e proibido. Há um perigo diante dos beijos nas mãos, no cruzar de dedos, na dança abraçada. Inclusive, é nesta última que a protagonista parece se dar conta que tudo aquilo pode ser errado, em uma cena praticamente paradoxal. Os semi-amantes giram lentamente em silêncio, o plano é longo e parece eterno, mas eles sabem que uma linha que não poderia ser cruzada acabou sendo. Logo, não haverá um “depois” quando esta noite acabar, então que a dança seja eterna enquanto dure.

Então, o que existe em Dezesseis Primaveras é um olhar que começa tão inocente quanto sua protagonista e vai amadurecendo juntamente com ela. A liberdade poética da cena em que ela dança sozinha no meio da rua após marcar um encontro com o homem não poderia deixar tal visão mais explícita. Naquele momento, ela ainda não havia enxergado o perigo daquela situação. Certamente, boa parte do estabelecimento dessa atmosfera de ingenuidade surge a partir da própria atuação (excelente) de Suzanne London. Em seu rosto, existe sempre um sorriso que não consegue ser contido, de um andar gracioso no meio da cidade, da própria entonação no falar que faz com que situações estranhas ainda soem puras, como quando ela pergunta para o pai se ele prefere mulheres de saia ou vestido — o que, inclusive, reverbera, essa própria confusão da jovem entre a sua figura paterna e romântica. É exatamente por isso que, quando ela olha para o teatro após toda a experiência vivida, sua reação não poderia ser outra do que um sorriso.

Dezesseis Primaveras (Seize Printemps) — França, 2020
Direção: Suzanne Lindon
Roteiro: Suzanne Lindon
Elenco: Suzanne Lindon, Arnaud Valois, Florence Viala, Frédéric Pierrot, Rebecca Marder, Arthur Giusi, Dominique Besnehard, Philippe Uchan, Françoise Widhoff, Raymond Acquaviva
Duração: 73 min.

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