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Crítica | Diamantino

por Bruno dos Reis Lisboa Pires
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É uma ideia bastante recorrente na história do cinema retratar o futebol como o resgate de um imaginário inspirador, na maior parte das vezes recuperando um patriotismo perdido. Esse conceito já foi abordado de formas mais e menos críticas, incitando o futebol como “ópio do povo”, ou no extremo oposto celebrando o esporte como sinal de um país feliz. Se tem algo que Diamantino faz certo é não dar a mínima pro esporte em si e violar a figura de um ídolo para entender o fenômeno publicitário dos jogadores de hoje em dia.

O filme examina Diamantino (Carloto Cotta), melhor e mais popular jogador do mundo, que após uma experiência traumática envolvendo a crise de refugiados em Portugal, perde a final da copa e desiste da carreira. Os primeiros momentos são voltados à criação da figura mítica do futebolista, que muito remete ao craque Cristiano Ronaldo, cuja vaidade os dois tem em comum. Diamantino é um homem ignorante, tolo, gerenciado pelas irmãs gêmeas malvadas que lavam seu dinheiro em off-shores. Ele, chocado com a desigualdade no mundo, larga o futebol para cuidar de uma criança exilada africana e usar seu patrimônio milionário para uma boa causa.

Até aí, acho que citei o que há de menos interessante no filme. A personalidade de Diamantino pode até ser interessante, mas é um pouco cansativo de acompanhar o herói por acidente que ele é. O mais interessante é que o filme é muito mais que sobre o futebol ou o jogador, tanto que as imagens das partidas são as mais artificiais possíveis, com closes e planos detalhes, diferentemente da tradicional forma de retratar o futebol, e logo Diamantino também é deixado de lado para a trama que fará a ligação entre a situação portuguesa e o fenômeno que é Diamantino, relacionando a publicidade e o conservadorismo europeu de uma maneira não exatamente bem-humorada, mas escrachada, chegando perto do desconfortável dentro dessa atmosfera excêntrica que Abrantes e Schmidt, diretores do filme, construíram a partir desse tom pateta.

A bizarrice toda começa quando as irmãs de Diamantino botam o astro para estrelar numa campanha a favor de um plebiscito que definirá se Portugal seguirá parte ou não da União Europeia. A propaganda de cunho fascista e xenófobo pede que o país volte a ser grande, sem depender de um bloco econômico que apenas enfraquece o poder do império português, que viveria uma suposta crise dos refugiados. Em paralelo, o governo português investiga o jogador para descobrir algum escândalo de lavagem de dinheiro, e para isso uma agente infiltra-se na casa como o filho adotivo africano de Diamantino. Burro como foi construído, o galã não entende o cerne da campanha que pede a volta de um Portugal gigante e poderoso, sem a interferência dos imigrantes que atrapalham o crescimento do país, mesmo que o jogador seja solidário a causa dos refugiados.

O filme desenvolve-se como um thriller de espionagem cômico mas que segura o riso até o último instante, a seriedade em que os diretores aprofundam-se nessa história que vai ficando mais e mais delirante e extraordinária, e ainda assim consegue carregar uma mensagem forte o suficiente, já que os planos do governo português seria copiar o DNA de Diamantino para criar uma seleção de futebol mais forte e capaz de iludir o povo. Tudo pode parecer correr paralelamente e rápido demais, sem ser entendido por inteiro, mas é que assistimos ao filme pelos olhos de Diamantino, um herói de certo atraso, mas que por conta da catástrofe é capaz de ultrapassar todas as barreiras possíveis.

  • Crítica originalmente publicada em 06 de novembro de 2018, como parte de nossa cobertura do Festival do Rio 2018.

Diamantino – Portugal/França/Brasil, 2018
Direção: Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt
Roteiro: Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt
Elenco: Carloto Cotta, Cleo Tavares, Anabela Moreira, Margarida Moreira, Chico Chapas, Filipe Vargas
Duração: 96 min.

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