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Crítica | Diários de Intercâmbio

por Iann Jeliel
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Diários de Intercâmbio

Para gostar genuinamente de Diários de Intercâmbio é preciso, primeiro, quebrar algumas barreiras evidentes enquanto telespectador. Não adianta negar que, a menos que fale de dentro do público-alvo, quando falamos de filmes de comédia, romance ou comédia romântica, há uma parcela de pessoas partindo de um lugar de rejeição somente por conta do gênero pertencente. Rejeição ainda mais fortificada quando levamos em território nacional, graças a um estigma, até justamente construído, de todo um histórico de títulos relacionados, novelescos e descartáveis, alçados como nossos grandes blockbusters. Se aliarmos esse fato a um selo original Netflix, que não vem sendo um carimbo confiável, além do protagonismo de um dos maiores símbolos da tão contestada como “chata” geração z, vulgo Larissa Manoela, é bem provável desgostar do longa já antes de assisti-lo, por conta de ter uma ideia pré-concebida sobre ele.

Admito, já fui um desses preconceituosos, mas amadurecendo a visão crítica, fui aberto e dei uma chance à celebridade em Modo Avião, surpreendendo-me positivamente com o que vi. Diferente de outras produções da Globo Filmes, os filmes encabeçados por Larissa Manoela não utilizam a alienação vigente do seu público para propor um divertimento superficial que o engaje automaticamente. Pelo contrário, ela parece escolher projetos a dedo, que correspondem a um gradual processo de amadurecimento que ela própria vive indiretamente no momento, propondo as reflexões daquele processo ao seu público, de maneira eximiamente comunicativa. Nessa roupagem, a atriz se sente muito confortável num papel “dela mesma”, potencializando seu talento com o auxílio também de bons e jovens diretores, além de uma escolha de casting secundário correspondente. Facilmente, a barreira da dita “não naturalidade” do teatral brasileiro é quebrada, e partir daí, acreditamos que aqueles personagens são pessoas e o divertimento através deles se torna mais palpável.

Isso não é tão fácil quanto parece, pela questão do idioma, para o público brasileiro é mais fácil identificar uma artificialidade no falar, algo que pode ser questionado aqui, inclusive quando Larissa se arrisca no sotaque carioca ou no inglês, ou em vários outros momentos quando a comédia assume um certo grau do absurdo, mas é aí que entra a boa sensibilidade de Bruno Garotti para converter esses elementos a fazerem parte de uma mesma unidade narrativa. Essa que possui um tom lúdico e atmosfera adolescente evidentes na paleta de fotografia como um fundo de vídeo no Youtube, tornando críveis os elementos galhofas isolados, que inevitavelmente estimulam o público-alvo no passeio “road-movie” intercambista de jovens brasileiros se divertindo nas possibilidades do território americano, com direito à velha teia de relacionamentos entre bonitões e bonitonas cheios de “tretas”, característicos de filmes teen.

Até existe uma abordagem dramática e temática nessas “tretas”, relacionando-as a dificuldades encontradas na jornada dos personagens pelas políticas de tratamento ao imigrante, como essa principal barreira da vivência intermédia do sonho da juventude, onde a busca pela liberdade pessoal e profissional é a pauta de ensinamentos da vez. Felizmente, o filme sabe das suas limitações, cumprindo esses subterfúgios de maneira objetiva e eficiente ao intuito narrativo, deixar os conflitos sem maniqueísmo, mas sem precisar se levar mais a sério do que precisa. Quando ameaça a maior seriedade, entra um excelente timing cômico para quebrar a expectativa em situações ou piadas, voluntariamente engraçadas pelo momento colocado.

Destaco, nesse sentido, a personagem de Thati Lopes e seus comentários debochados antiamericanos – a piada do Nióbio é sensacional! – que contrastam muito bem a sua trama de transformação dentro de uma família conservadora americana, além do surpreendente clímax reunindo todas as pendências narrativas em uma resolução sequencial divertidíssima, terminando em um twist para lá de surreal, mas incrivelmente coerente na história. Sem exageros, lembra o terceiro ato de algo do Darren Aronofsky, no sentido de ser sufocante pelo jogo dinâmico da montagem em escalonar várias situações de riso de nervoso que vão ficando cada vez mais caóticas, tensas e ao mesmo tempo muito engraçadas. A reviravolta, então, é digna de mentes como George Lucas ou Woody Allen, sendo a cereja do bolo para dimensionar a parte “besta” dos conflitos vindos do quarteto amoroso a uma grande piada, respirando a futilidade brasilidade e criativamente a única forma possível para tudo acabar “bem”, sem cair naqueles clichês brochantes de apaziguamento generalizado e amores correspondidos “porque sim”.

Diários de Intercâmbio apresenta qualidades e carisma de uma comédia romântica e besteirol acima da média, até de algumas americanas, a título de comparação. Contudo, repito, é preciso deixar de lado certos preconceitos a alguns maneirismos caracterizados como negativos, para garantir enorme diversão com o que esta bela “farofa” tem a oferecer.

Diários de Intercâmbio (Brasil, 2021)
Direção: Bruno Garotti
Roteiro: Bruno Garotti, Sylvio Gonçalves
Elenco: Larissa Manoela, Thati Lopes, Bruno Montaleone, David Sherod, Kathy-Ann Hart, Valeria Silva, Ray Faiola, Noa Graham, Maiara Walsh, Emanuelle Araújo, Tim Eliot, Marcos Oliveira, Flávia Garrafa, Henry Jackelén
Duração: 96 minutos

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