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Crítica | Digam o Que Quiserem

por Gabriel Carvalho
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“Ninguém acha que vai funcionar, não é?

Não. E você descreveu toda grande história de sucesso.”

Os olhos dos mais velhos, os olhos da sociedade em si, insistem em enxergarem os jovens como seres que unicamente visam os seus sucessos posteriores, mas nunca vivem os seus presentes propriamente ditos. Os mandamentos são os mesmos: construa uma carreira, mesmo que você não queira, case com alguém com condições financeiras, mesmo que você não o ame. Essas coisas irão te dar sossego, promover uma tranquilidade, ensinam esses sábios, sem conhecerem a importância da paixão que Digam o Que Quiserem apresenta como a única possível resolução. O receio, a necessidade por um controle, por um planejamento mais encorpado, é uma questão recorrente na compreensão da juventude, mas que, em contrapartida, transforma-se em sua maior inimiga. Um tanto quanto inocente, Digam o Que Quiserem é uma comédia romântica que mesmo assim, embora seja enormemente esperançosa, priorizando coragem a temores, não conseguiria ser mais verdadeira, assim representando a transgressão de uma juventude a sua próxima versão.

Os alunos de um colégio já se formaram, mas enquanto a promissora Diane Court (Ione Skye) conseguiu uma vaga em uma universidade na Inglaterra, o protagonista, Lloyd Dobler (John Cusack), não possui nenhum plano, nem mesmo para os próximos dias. O que resta para essas semanas que separam o fim de uma era ao começo de uma outra é, enfim, nos últimos segundos de uma fase passageira, descobrir-se jovem, com os protagonistas apaixonando-se um pelo outro. O cineasta Cameron Crowe, no caso, compreenderá juventude melhor e com mais coesão que qualquer obra de John Hughes – equiparando-se com Curtindo a Vida Adoidado em vários sentidos -, porém, sem nem precisar pisar dentro de uma escola. Lloyd não conhecia Diane, por exemplo. Em tanto tempo de escola, os personagens nunca se aproximaram. Uma admiração do garoto pela jovem premiada, entretanto, o moverá a tentar uma aproximação saudável, das mais espirituosas, ingênuas e convidativas possíveis. Eis um longa que não se importa com os destinos.

Com a pergunta “O que é o amor?” é que começa o longa-metragem Digam o Que Quiserem, questionando questões tão costumeiras à juventude já em seu primeiro minuto. Um garoto comum – mas nenhum pouco comum -, no caso, quer saber com as suas amigas se conseguiria namorar uma outra pessoa, mais esperta e com maiores chances de sucesso. É uma queda, uma paixonite inocente, tornada natural não por conta de alguma narrativa impossível do amor, contudo, por uma espontaneidade orgânica e mais verossímil até. Digam o Que Quiserem simplesmente acontece, passando de uma sequência para a próxima com muito movimento, sem parar.  Lloyd Dobler não conhece Diane Court pelo acaso e ambos se apaixonam, como aconteceria em outras obras, mostrando um caso que era para acontecer. O que acontece é um telefonema, um convite para uma chance, um pedido para que se tome riscos. Pois o que é o amor é uma resposta que o longa-metragem de Cameron Crowe, uma das joias de sua carreira, não pretende apresentar, solucionar.

O amor e as verdades não podem ser impostas, mas conquistadas. É uma obrigação assumida por Digam o Que Quiserem, consequentemente, tornar todos os meandros do seu enredo, as verossimilhanças em questão, críveis. Coisas predestinadas, coincidências, são rejeitadas em prol de mais organicidade, e Crowe começa a aprofundar o interesse de Diane em Lloyd. John Cusack, invariavelmente, precisa, com isso, tornar-se uma representação de carisma, de simpatia, assim como uma representação dessa juventude sem respostas, mas muito coração. O artista consegue com extrema competência transmitir essa simpatia, enquanto que o próprio Crowe reforça, por meio do texto, o quão maravilhoso é o personagem – pequenas cenas mostram o caráter do garoto. Os outros meninos do colégios e os seus moralismos pobres estão cheios de respostas, mas nenhuma solução. Já partindo do interesse de Dobler por Diane, Crowe é mais simples. Em uma plateia cheia de jovens, recém-ex-colegas de Court, Lloyd é quem não para de engrandecê-la.

O garoto consegue sair com Diane e o primeiro encontro acontece em uma festa, onde os dois, contudo, permanecem muito tempo afastados. O cineasta, em sua única cena de festa, cria uma amistosidade muito interessante, exemplificando o que Court perdeu na sua adolescência. Lloyd conhece a todos, mas Diane não. Todo mundo o ama. Crowe usa desses momentos para construir uma química subversiva, que surge apenas na conclusão, quebrando as aparências de que aquele casal não daria certo. Ele dá, porém, introduzindo a jovem em um mundo de maiores incertezas acerca de sua realidade, os seus anseios também. O arco narrativo de Diane Court, que começa a sofrer pressão dentro de sua casa, por conta de um escândalo de sonegação estar envolvendo o seu pai, ao passo que o relacionamento se inicia, é o que move os personagens para os confrontos. Os espectadores tornam-se a própria garota nesse sentido, precisando responder: é melhor aproveitarem o pouquíssimo tempo que sobra ou se importarem com os tempos que virão?

Enquanto isso, o pai de Diane é um contraponto moral ao relacionamento, vendo Lloyd como uma distração. O que existe para ser passado como ensinamento para esses jovens, portanto? Os pais, como sempre, apontariam: parem um segundo, repensem suas trajetórias, temam o que há para vir nos próximos capítulos caso os passos seja em vão. John Mahoney, nesse sentido, interpretando Jim Court, encarna o exemplar perfeito daquele que move-se por um moralismo, uma certeza sobre o sucesso. Contudo, eis uma pessoa que nunca esteve certa do que aconteceria para si e para sua criança, também arriscando na vida, por meio de sonegação, e, consequentemente, de uma maneira muito mais problemática que meros pombinhos meramente se amando. Crowe complica o caso ao se importar com o relacionamento de Diane com o seu pai em camadas. O arco inteiro do Sr. Court é entristecido – a cena da banheira é um auge -, mas bem arrumado a essa tentativa da paternidade em interromper seus jovens de darem passos por si sós.

Existe um caminho correto para essa juventude tão apaixonada? Que Lloyd seja uma distração, mas é uma distração que vai para Inglaterra com a garota. Tão indeciso acerca de carreira quanto um certo personagem interpretado por Dustin Hoffman, arriscará permanecer juntamente a sua amada na Europa. Os plásticos, no clássico, são aqui substituídos por coisas compradas, vendidas e processadas, em ordens variáveis. Mas tal indecisão não é acompanhada por uma indecisão nas verdades do coração. Essa é até uma mudança interessante em vista dos estereótipos de gênero, em que as mulheres terminam abrindo mão de uma vida profissional própria para irem atrás de seus amados. O caso é o oposto e, diga o que quiser, é a escolha de Lloyd. Tudo pode dar errado? Obviamente. Mas esse é um romance mais otimista – uma oposição a A Primeira Noite de Um Homem, paralelamente -, porque, assim como o ding que toca na conclusão do enredo, um prenúncio para um voo controlado, as coisas irão dar certo aos nossos protagonistas. Esperemos?

Digam o Que Quiserem (Say Anything) – EUA, 1989
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Cameron Crowe
Elenco: John Cusack, Ione Skye, John Mahoney, Lili Taylor, Amy Brooks, Pamela Adlon, Jason Gould, Loren Dean, Jeremy Piven, Johnny Green, Patrick O’Neill, Don Wilson
Duração: 100 min.

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