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Crítica | DMZ

Cuidado: Zona de Danos Mentais.

por Ritter Fan
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A falta de qualidade de DMZ não tem relação alguma com o fato de a minissérie criada por Roberto Patino ter tirado apenas sua inspiração da distopia geopolítica americana da HQ homônima (mas publicada por aqui também como ZDM), de Brian Wood e Riccardo Burchielli, originalmente publicada pelo finado selo Vertigo Comics. A não ser para os tradicionais chatos de plantão, é perfeitamente possível entender a série como sendo “um conto” dentro desse interessante universo dos quadrinhos. O problema é que Patino não sabe muito bem o que quer fazer e por vezes trata sua obra como um longa-metragem, outras vezes como uma série de mais episódios e nunca, em momento algum, nem com muita boa vontade, acerta o passo.

O contexto retirado da HQ é o da Segunda Guerra Civil Americana que coloca os EUA contra os Estados Livres da América, com a ilha de Manhattan – ou o que sobrou dela – sendo considerada uma zona desmilitarizada, com os dois lados do conflito respeitando um cessar fogo tenso por ali, que conta com uma comunidade razoavelmente grande dividida em grupos essencialmente étnicos. Mas, quem já leu os quadrinhos precisa esquecer todo o restante, inclusive e especialmente seu protagonista, Matty, que não dá as caras aqui. A protagonista da minissérie, ao revés, é a médica Alma Ortega (Rosario Dawson) que, oito anos depois de perder seu filho durante a evacuação da ilha, retorna clandestinamente para lá atrás dele.

Os problemas de DMZ são tantos que até ordenar o pensamento é difícil. O contexto da tal guerra civil que mencionei é, talvez, o primeiro deles. Ele nos é informado pelos letreiros iniciais e por comentários aqui e ali com Alma já dentro de Manhattan. Tirando isso, essa situação é quase que totalmente irrelevante para a minissérie, que poderia muito bem se passar no único lugar em que não há infestação de zumbis nos EUA ou em uma prisão a céu aberto análoga ao que vemos em Fuga de Nova York. Com exceção da devastação completa do lugar que vemos em raras tomadas abertas para nos lembrarmos que estamos em uma distopia, DMZ poderia até mesmo se passar na Nova York dos anos 70, exatamente no mesmo universo criado por Walter Hill, em Os Selvagens da Noite, mas sem tudo o que faz o clássico de 1979 ser o que é, claro. Reconheço que, lá pelo final da minissérie, algum destaque é dado aos exércitos rivais, mas é algo tão inorgânico, tão despregado da estrutura do que vemos antes, que fica aquela impressão de algo completamente marretado na narrativa, quando Patino percebeu que “havia se esquecido” do pano de fundo…

E eu gostaria que os problemas de DMZ fossem só dessa natureza, mas não são. Nem de longe. Não há um personagem com que possamos nos identificar, nem mesmo Alma, pois a protagonista não nos convence em momento algum com nada que diz. Para começar, ela passou oito anos procurando o filho fora da ilha de Manhattan, o que não faz nenhum sentido já que os flashbacks estabelecem o exato ponto em que ela se perdeu dele e toda a lógica ditaria que o primeiro lugar a ser procurado deveria ser a zona desmilitarizada. Depois, o despreparo da personagem é absurdo. Ela, por exemplo, não faz a menor ideia sequer dos nomes das pessoas mais importantes por ali e sua busca é completamente na base da orelhada e da sorte. E não, não venham me dizer que as informações da ilha não saem da ilha, pois a própria série estabelece que saem sim e que o “mundo exterior” tem razoável conhecimento do que acontece por lá.

Mas, pior do que não saber nada, é ela descobrir, como em um literal passe de mágica – porque temos que combinar que isso só pode ser bruxaria! – que os dois líderes da zona desmilitarizada e que são rivais mortais prestes a disputar uma eleição pela escolha de um presidente, a primeira desde que a guerra começou (outra coisa que Alma não sabia!) são conhecidos pessoais dela. Ora, ora, que coincidências mais safadas que revelam a absoluta preguiça dos roteiros, não é mesmo? Wilson Lin (Hoon Lee, que vive o único personagem que presta naquela coisa sem graça chamada Banshee), líder de Chinatown, foi um enfermeiro que trabalhou com Alma em um hospital e Parco Delgado (Benjamin Bratt), o poderoso chefão do Harlem hispânico, foi ninguém menos do que seu ex (marido? namorado?) e pai de seu filho Christopher Ortega que não vou dizer quem é, mas que, se você não adivinhar com 15 minutos de série, ficarei muito desapontado. Além da competição entre Lee e Bratt para ver quem faz o vilão mais estereotipado e afetado, Alma tem, com isso, rápido, fácil e conveniente acesso à política dali, com todas as benesses e malefícios que derivam disso, em uma sucessão de coincidências tão patéticas que a única coisa que nos resta é rir, até porque o roteiro ainda enfia uma subtrama à la Romeu e Julieta que é de arrancar os olhos com colher de tão horrível e mal desenvolvida…

A moral da história é que o roteiro faz de Alma a pessoa mais bem conectada da ilha inteira, com soluções em velocidade vertiginosa, o que inclui ela andar calmamente de Chinatown até o Cloisters (vão lá, vão no Google Maps e vejam a distância disso) em um local perigoso, infestado de snipers, gangues rivais e animais selvagens fugidos do zoológico (só um animal ameaçador aparece, na verdade, em uma tentativa patética de mostrar perigo e com CGI de videogame de três gerações passadas) para fazer acordo político com alguém que ela nunca viu antes na vida e que parecem situações criadas para criar atalhos narrativos, mas que nunca são usados de verdade, já que somos obrigados a ver quatro horas de coisas assim. Por isso é que eu disse que Roberto Patino não sabia se queria fazer um longa-metragem ou uma série de, sei lá, 12 episódios, pois ele não consegue ser nem inteligentemente econômico, nem consciente do tempo estendido que tem, o que acaba resultado em uma minissérie que não tem personalidade, contexto, substância, ação ou até mesmo algum subtexto mais interessante e provocador do que “não entre em uma zona de guerra sem saber nada sobre ela”.

DMZ é uma perda de tempo, um desperdício gigantesco de premissa, de material fonte e do carisma de Rosario Dawson que ainda tem a pachorra de chamar o espectador de burro ao fazer com que a história ande como se o roteiro tivesse sido escrito por um particularmente incapaz assistente de estagiário de roteirista. Se tem uma coisa positiva na minissérie, é que ela só tem mesmo quatro episódios de algo como uma hora cada. Mas, pensando bem, isso é mais do que o dobro do tempo necessário para se contar a mesma história, só que com muito mais qualidade, então nem isso dá para dizer que é positivo…

DMZ (Idem – EUA, 17 de março de 2022)
Criação e desenvolvimento: created by Roberto Patino (baseado em HQ de Brian Wood e Riccardo Burchielli)
Direção: Ava DuVernay, Ernest Dickerson
Roteiro: Roberto Patino, Carly Wray
Elenco: Rosario Dawson, Hoon Lee, Freddy Miyares, Jordan Preston Carter, Venus Ariel, Amandla Jahava, Benjamin Bratt, Mamie Gummer, Agam Darshi, Rey Gallegos, Henry G. Sanders, Jade Wu, Sydney Park, Juani Feliz, Nora Dunn, Rutina Wesley, Bryan Gael Guzman
Duração: XX min. (4 episódios)

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