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Crítica | Doc: Um Nova Vida – 1ª Temporada

O estilo Grey's Anatomy num drama médico italiano.

por Leonardo Campos
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Num dia qualquer de 2021, não lembro exatamente, me questionava se os dramas médicos ainda funcionam. A resposta veio repentinamente, enquanto recebia um e-mail de um dos serviços de streaming do qual sou assinante. Na mensagem, uma nova série sobre médicos e suas circunstâncias dramáticas hospitalares era ofertada. Doc: Uma Nova Vida, produção em 16 episódios, realizada na Itália. Logo pensei ser a oportunidade de oxigenação deste segmento que anda tão batido na contemporaneidade. Não demorei para começar e logo nos dois primeiros episódios, a constatação: Grey’s Anatomy, é, de fato, uma praga que também contaminou o esquema de produção europeu. O motivo da comparação? Simples. A estrutura desta produção italiana modifica o tom barato adotado pelo similar estadunidense, mas faz as mesmas escolhas dramáticas e estéticas em muitas passagens. É o tal efeito cultural da globalização, não é mesmo? Tipo: se está dando certo por lá e possui amplo alcance mundial, por que não fazemos algo parecido por aqui, neste caso, no território italiano? Parece que os europeus não estavam numa pegada mais personalizada, como os brasileiros andam fazendo na ótima Sob Pressão. Assim, contentaram-se em emular o genérico criado por Shonda Rhimes. Aqui, a produção é inspirada na vida de Pierdante Piccioni, um médico que trabalhava nas urgências de Lodi, na Lombardia, um homem que teve a sua vida totalmente modificada após passar por um grave sinistro de trânsito e ficar em coma por mais de uma década. Ao despertar, um novo mundo o esperava, pronto para lhe ofertar empreitadas desafiadoras.

Neste drama médico, Andrea Fanti (Luca Argentero) é um profissional de saúde conhecido por seus ótimos métodos em diagnósticos. A sua vida atravessa uma mudança brusca quando se torna vítima de um tiro disparado pelo pai de um dos pacientes que atendia, falecido após complicações hospitalares. Diante do ocorrido, o médico entra em coma por 12 anos e perde a memória de tudo que aconteceu até então, situação que descobriremos ao vê-lo acordar e recordar-se do dia 25 de outubro de 2001, data do aniversário de seu filho mais novo, também morto num acontecimento bastante dramático resgatado por um flashback próximo ao desfecho desta primeira temporada. Tendo como tema a relação médico-paciente, bem como a convivência complexa com a ex-esposa, a filha arredia, uma ex-amante e colegas poucos confiáveis no ambiente de trabalho, Andrea precisa superar os obstáculos de sua situação confusa e se adequar ao novo mundo, evoluído em diversas frentes, em especial, a tecnológica. Outra tarefa sua será descobrir o que pode estar por detrás da ação deste pai que cometeu um ato tão brutal de revanche, afinal, há coisas inexplicadas no percurso deste acontecimento, momentos reveladores que fazem jus ao aspecto deliciosamente novelesco de alguns trechos do programa.

Andrea precisa lidar, especialmente, com Agnese (Sara Lazzaro), a mulher que ainda nutre sentimentos, diretora do hospital que segui com a sua vida após o trauma do coma e a reavaliação de sua vida conturbada no casamento, estremecido diante da morte do filho. Sem recordações de suas escapadas, o protagonista não se recorda do caso tórrido que teve com uma das residentes do local de trabalho, a médica Giulia (Matilde Gioli), agora reposicionada em lugar mais privilegiado na equipe e ainda devota aos sentimentos que nutria por Andrea antes dos acontecimentos que o tiraram do campo de ação. Seu maior obstáculo, no entanto, é Marco Sardoni (Raffaele Esposito), médico que atua na função de antagonista da trama, criatura responsável por falcatruas no sistema, disposto a qualquer coisa para impedir que o seu rival não recobre a memória e revele o que está por detrás de uma série de acontecimentos que depõem contra a sua integridade e podem, a qualquer instante, ocasionar a perda de sua licença médica.

No que tange aos elementos estéticos, a série não possui barreiras para manutenção de sua qualidade visual. Na direção de fotografia, assinada por Napoleone Carbotta, as imagens concebem a habitual iluminação que valoriza os tons azulados com branco do design de produção de Stefano Pica, realizadores que constrói a costumeira atmosfera que nos remete aos ambientes hospitalares, com muito uso de passagens envidraçadas, recurso que aumenta a transparência da profundidade de campo e cria cenários de dupla função dramática, com ações que acontecem em primeiro plano, mas nos permitem vislumbrar o que ocorre nos arredores, muitas vezes, complementos para o jogo dramático principal. Os efeitos visuais da equipe supervisionada por Alessandro Salis funcionam e se apresentam suaves, utilizados no momento certo, sem excessos que possam atrapalhar a dinâmica visual do programa, tornando-o demasiadamente fantasioso. Ademais, a condução musical de Tony Brundo também cumpre bem a sua função, em alguns trechos, funcionando na perspectiva Grey’s Anatomy, ao enfatizar os momentos lacrimejantes com canções emotivas para reforçar a carga dramática das passagens.

Lançada em 2021 aqui no Brasil, Doc: Uma Nova Vida traz 16 longos episódios, quantidade que considero extensa demais para uma história que se resolveria no máximo em 10 capítulos de 45 minutos. No programa, cada bloco possui média de 60 minutos, algo que torna o seu consumo um exercício de mais paciência para quem está acostumado com o padrão seriado contemporâneo. Se fosse por motivos de estruturação dramática, tudo bem, mas percebemos que a longa duração dos episódios seria resolvida tranquilamente com uma edição mais assertiva, focada na dinamicidade dos acontecimentos que poderiam, sim, arrasta-se menos e optar pela objetividade. A maioria dos dramas médicos atuais funcionam com a mesclagem de casos hospitalares colocados em perspectiva para a adequada resolução. Aqui, a escolha narrativa é similar, mas os realizadores optam por dividir bem o tempo dos pacientes e os dramas pessoais dos profissionais de saúde, sendo esse um breve diferencial da série com os demais programas do tipo. Há um foco relativamente maior na vida do protagonista e na existência dos coadjuvantes que gravitam em torno de sua angustiante jornada que envolve perda de lembranças importantes e reorganização no tempo e espaço que habita. Por sinal, há ganchos para uma segunda temporada, mas creio que o drama em questão já tenha contado tudo que precisava em seu primeiro ano, funcionando mais como uma minissérie, ao invés de optar por dar continuidade e se arrastar por mais longas temporadas. Vamos aguardar.

Doc: Uma Nova Vida (Doc: Nelle Tue Mani/Itália – 2020)
Criação: Francesco Arlanch
Direção: Jan Michelini, Ciro Visco
Roteiro: Valerio D’Annunzio, Francesco Arlanch, Edoardo A. Gino
Elenco: Luca Argentero, Matilde Gioli, Sara Lazzaro, Alberto Boubakar Malanchino, Raffaele Esposito, Silvia Mazzieri, Pierpaolo Spollon, Simona Tabasco, Elisa Di Eusanio
Duração: 44 min. (Cada episódio – 16 episódios)

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