Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 4X12 e 13: The Stolen Earth e Journey’s End

Crítica | Doctor Who – 4X12 e 13: The Stolen Earth e Journey’s End

por Rafael Lima
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O 4º ano de Doctor Who possuiu um forte caráter celebratório. Alguns podem dizer que o Showrunner Russell T. Davies estava sendo autoindulgente, mas ele tinha crédito, pois não só ressuscitou o show, tornando-o um sucesso novamente, como também criou dois bem sucedidos Spin-Offs, Torchwood e The Sarah Jane Adventures. The Stolen Earth/The Journey’s End é a culminação dessa celebração ao reunir os principais personagens da Nova Série em um evento Crossover.  Na trama, o 10º Doutor e Donna voltam à Terra, somente para verem o planeta desaparecer. Na Terra, que foi levada para outro canto do universo, a UNIT, Torchwood, Sarah Jane e Rose descobrem que uma nova raça de Daleks está por trás do roubo da Terra e de mais 26 mundos. O grupo agora corre contra o tempo para trazer o Doutor à Terra para ajuda-los a impedir que os Daleks obliterem a realidade.

Este Finale escrito por Davies possui uma estrutura que lembra os grandes Crossovers de super heróis. Jack e Sarah Jane não só retornam, mas trazem os seus próprios coadjuvantes sem que o roteiro perca tempo com introduções, pois eles estão lá para afirmar que os ex Companions construíram os seus próprios universos, que estão sendo ameaçados por este grande evento. A primeira parte do arco é mais focada nos ex- Companions do que no próprio time atual da TARDIS, que desempenha um papel secundário. É como se o roteiro afirmasse que embora o Doutor e a Companion atual sejam o coração da série, o universo de Doctor Who tornou-se muito mais vasto. O texto reforça o caráter adotado das narrativas Crossover pela forma com que traz os momentos em que esses Companions se conhecem, vide a empolgação de Jack em conhecer Sarah Jane; ou o quanto Rose e Martha ficam impressionadas uma com a outra. Davies não só traz o retorno dos ex Companions, mas também de suas famílias, sendo fiel à maneira como trabalhou os companheiros nestas quatro primeiras temporadas do revival. Mesmo Harriet Jones, a ex- primeira ministra, retorna em um papel pequeno, mas fundamental dentro da história.

Davies constrói um roteiro consciente de seu caráter de grande evento, usando essa natureza para, por exemplo, estabelecer a ameaça do arco, utilizando o tropo da reunião de forças para combater um mal maior. Entretanto, ao criar uma aventura de escala assumidamente megalomaníaca, o arco acaba sendo o Finale menos amarrado narrativamente da Era Davies. Muita coisa acontece ao mesmo tempo ao longo dos episódios, mas o texto dá pouco tempo para que qualquer um dos conflitos apresentados ganhe peso emocional, com o arco apostando na memória afetiva do público em relação aos personagens para gerar envolvimento, o que verdade seja dita, acaba funcionando.

Com o reencontro de Rose Tyler com o Doutor sendo provocado desde a Premiere era natural que boa parte do arco se concentrasse na ex companheira. O romance de Rose e do 10º Doutor sempre foi um elemento problemático da série pela forma com que o Showrunner abordou a relação, ao parecer tão apaixonado pelo casal quanto qualquer shipper, bastando observar a forma melodramática como o reencontro da dupla finalmente acontece. Mas o maior problema é que Rose ganha muito tempo de tela para fazer pouca coisa, já que ela basicamente está no episódio para obter a única coisa que ela não conseguiu em Doomsday, o próprio Doutor, algo que ela consegue, ainda que não do jeito que imaginou. É como se a personagem tivesse voltado apenas para conseguir o final feliz completo que ela não teve em sua despedida original, o que é frustrante depois de tanta antecipação para o seu retorno.

Diferente do que houve com os Daleks ou o Mestre, Davros retorna sem grandes reinvenções. É um pouco decepcionante, não só por que Davies nos acostumou a esperar novas abordagens para esses grandes vilões, mas por nos deixar com a impressão de que o motivo do produtor trazer Davros de volta foi sentir que não podia sair do show sem apresentar o último dos grandes antagonistas do Doutor. Entretanto, o arco deixa claro que está lançando um olhar tradicional para os seus vilões. Davies introduziu os Daleks no revival com motivações mais compreensíveis do que ser o mal puro, o que os tornava mais assustadores. Por outro lado, tal abordagem se desgastou, e percebendo isso, o texto retrata os Daleks aqui como agentes do mal pelo mal, bastando observar que o plano deles é destruir a realidade toda… Por que sim.

Após passarem a maior parte de The Stolen Earth em segundo plano, o Doutor e Donna ganham um desenvolvimento mais interessante em Journey’s End, mesmo que não livre de problemas. A regeneração falsa que abre o episódio funciona para armar a resolução da trama, mas também é uma prévia do medo que o Décimo Doutor tem com a regeneração, que se tornará parte central da conclusão de seu arco dramático. Através dos Companions, Davies critica a forma como o Doutor afeta a vida de seus aliados ao observar através de Davros como todos se tornaram guerreiros após viajar na TARDIS. O roteiro reforça tal crítica ao colocar tanto Martha quanto Sarah Jane em situações em que elas devem sacrificar um número enorme de vidas para salvar um número maior ainda, espelhando o que o Doutor (supostamente) fez ao fim da Guerra Do Tempo.

Davies nunca se furtou de criticar elementos da estrutura do programa ou de seu herói. Mas se em histórias anteriores, muitas dessas críticas se aplicavam a toda a série, aqui elas se referem apenas ao Doctor Who de Davies. De fato, todos os Companions da Era Davies se tornaram guerreiros. Apenas Donna conseguiu voltar a ter uma vida normal, e isso porque esqueceu o Doutor. Há precedentes para essa visão, com certeza, mas também houveram vários Companions antes e depois desta era que passaram bem longe do destino inevitável do Companion que Davies desenha. Por outro lado, o roteiro defende que o Doutor também torna estas pessoas melhores, construindo uma verdadeira família, como é ilustrado na divertida cena em que todos os Companions ajudam o Doutor a pilotar a TARDIS.

A trama se resolve através de um Deus Ex Machina, algo comum nos Finales da Série. Esse Deus Ex Machina concentra-se na figura do Doutor Meta Crise, que surge da velha mão decepada do 10º. O problema é que o Doutor Meta Crise é um dispositivo de enredo que preenche lacunas da narrativa sem nunca ser realmente um personagem por si só. Ele está lá para armar a saída de Donna; sujar as mãos no lugar do Doutor ao extinguir os Daleks (de novo), e dar a Rose o seu final feliz. Davies sempre viu o Doutor como um herói falho, e o 10º em especial tem como uma de suas maiores falhas um certo orgulho hipócrita, mas as decisões dramáticas envolvendo o Meta Crise não parecem bem fundamentadas para tornar o clone do Doutor um comentário sobre a evolução ou as falhas do Time Lord na Era Davies, como parece ser a intenção do roteiro.

O arco traz a despedida de Donna Noble da TARDIS, em uma das saídas mais trágicas e pungentes da série. A cena onde o Doutor e Donna percebem o que ira acontecer com a Companion se ela retiver as memórias do Doutor é magnificamente interpretada por David Tennant e Catherine Tate, transmitindo de forma sutil a tristeza e a melancolia de seus personagens. Donna não esquece só o Doutor, ela perde todo o seu crescimento como personagem, tudo o que aprendeu, o que é devastador. Por outro lado, devido à natureza Crossover do arco, Donna nunca ganha espaço o suficiente para que o público aprecie a força que ela ganhou em suas viagens, como Rose ou Martha tiveram em seus arcos de despedida, e mesmo o impacto de sua transformação em Doctor-Donna é pouco explorado, o que é uma pena, pois uma das protagonistas da temporada merecia mais de atenção, mesmo que ainda tenha papel fundamental no arco.

The Stolen Earth/The Journey’s End é um arco muito divertido e uma grande celebração de tudo o que a Nova Série construiu em seus quatro primeiros anos. Há grandes momentos na história, e é extremamente divertido ver todos os Companions dessa era interagindo em uma aventura que não se envergonha de ser absurda e megalomaníaca. Entretanto, o grande escopo do arco e a velocidade com que a trama se move acabam não dando tempo para que certas situações dramáticas ganhem força, e seu roteiro se entrega há tantas conveniências narrativas, que começa a incomodar a partir de certo ponto. Trata-se de um bom final de temporada que marca o começo do fim da era do 10º Doutor, mas que acaba dependendo mais de Fan Services do que de seus próprios méritos.

Doctor Who- 04X12/04X13: The Stolen Earth/The Journey’s End (Reino Unido, 28 de Junho de 2008, 05 de Julho de 2008)
Direção: Graeme Harper
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: David Tennant, Catherine Tate, Billie Piper, Freema Agyeman, John Barrowman, Elizabeth Sladen, Penelope Winton, Gareth David Lloyd, Eve Myles, Tommy Knight, Bernard Cribbins, Jacqueline King, Adjoa Andoh, Julian Bleach, Michael Brandon, Noel Clarke, Camille Coduri
Duração: 108 min.

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