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Crítica | Doctor Who – 10X08: The Lie of the Land

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

spoilers! Confira todas as críticas para a 10ª Temporada aqui. Confira as críticas para tudo o que temos do Universo de Doctor Who aqui. 

Notícias falsas no mundo da comunicação em massa não é uma novidade para nós. Aliás, não é uma novidade já há algumas décadas, basta pegarmos trabalhos de grandes teóricos da comunicação a partir dos anos 60 para vermos que a concepção de “verdade absoluta” através das mídias; os interesses pessoais ou de grupo a que servem os “formadores de opinião”; a repetição de ideias — por piores que sejam — como forma de divulgar uma causa ruim e angariar seguidores incautos… tudo isso pode ser visto em nossos dias, com tantas páginas em redes sociais, canais no Youtube, sites, livros e emissoras de rádio e TV mostrando “a verdadeira e indiscutível versão dos fatos”. Assim como neste interessante The Lie of the Land, os detentores e divulgadores destas “verdades puras” tendem a agredir qualquer um que proponha mudar essas ideias tortuosas. Mesmo que sejam mentiras, o ego de quem as segura e o poder que obtêm com elas impedem qualquer abertura para a verdade. O outro é sempre o que carrega o mal e a mentira. Sempre.

Eu poderia (e até gostaria!) fazer uma análise unicamente comparativa e crítica deste episódio à luz dos entraves da Aldeia Global de McLuhan; da falsa capacidade de escolha da opinião de massa, de Lazarsfeld ou da Agenda-Setting/Agendamento (a capacidade de a mídia determinar qual assunto será mais discutido pelo público, à medida que certos temas ganham mais visibilidade que outros), de McCombs e Shaw, mas não daria conta do verdadeiro ponto aqui, ou seja, discorrer sobre a totalidade narrativa e estética deste episódio de Toby Whithouse que finaliza a tríade de capítulos sobre os Monges nesta 10ª Temporada de Doctor Who.

O que não dá para negar é o seguinte: o autor conseguiu fazer uma crítica bastante contundente aos meios de comunicação e ao ideal do JUSTICEIRO SOCIAL que usa de tsunamis de falas dicotomias e mais uma série de falácias lógicas, comparando períodos da História, contestando liberdades individuais, propondo segregações de todos os tipos e exercendo inúmeros preconceitos em nome de uma ordem e um valor moral/ideal/puro/tradicional que deve ser mantido “pelo bem de todos”, a todo custo. Tenho certeza que todos vocês conhecem pessoalmente ou através da internet, uma peça dessas.

Quando olharmos de fora para The Lie of the Land, a primeira dúvida que vem é de como ele se encaixa na temporada. E sejamos sinceros, não se encaixa lá muito bem, não é mesmo? Claro que se trata de uma aventura excelente em muitos pontos, mas a organicidade no montante da temporada não é exatamente o seu forte. O Doutor entra no cofre, mas seu conteúdo já não era mais um segredo para o público. A ajuda pedida a Missy também não teve um real valor no enredo, exceto pelo fato de iniciar o processo de dedução do Doutor, mas este não é um motivo muito forte, posto que ele já havia chegado a conclusões bem mais complexas sozinho. Isso sem contar na diferença de ritmo entre a primeira e a última parte, um problema de montagem sobre o qual falarei mais adiante.

Mas é preciso olhar por outro ângulo. Toda a sequência no cofre vale porque Michelle Gomez tem (mais uma vez!) uma performance espetacular, abrindo as portas para que pensemos Missy de maneira bem diferente, ainda mais engajada em algo que tinha dito para Clara em The Magician’s Apprentice. Algo sobre “ser boa”. Claro que para uma transregeneração do Mestre, isso é a faca e o queijo para discussões e tabus sobre a moralidade da bondade, todavia, a dúvida a respeito da transformação de Missy parece se esvair pouco a pouco. Não para uma bondade no sentido cristão ou Disney a que normalmente nos referimos. Mas um outro tipo, mais próximo do Utilitarismo. Ou isso tudo faz parte de um plano da Time Lady ou realmente temos um grande momento de reflexão em sua vida.

Mas se fica um pouco “à margem” de um fio da meada narrativo, este episódio se destaca ao intensificar alguns caminhos que até o momento não sabemos para onde nos levará, mas que isoladamente são muito bons. O fingimento do Doutor sobre ajudar os Monges, seu discurso sobre fascismo e vantagens Históricas do “extermínio de poucos para o benefício de muitos” (ou seja, o ideal nazista) e a falsa regeneração (alguém tem um pensamento diferente sobre ela, além de ter sido um gasto desnecessário de hormônios Lindos?) são pontos que mostram um lado mais manipulativo e estratégico do Time Lord, reforçado por esta encarnação com seu sempre ativo dilema da bondade versus maldade.

Algumas lembranças do passado, como a transmissão mundial via TV em The Idiot’s Lantern; a própria brincadeira com a regeneração — que aconteceu, por outros meios, em The Impossible Astronaut/The Wedding of River Song — e a sugestão e posterior criação de uma realidade alternativa da Terra, que foi a essência da 6ª Temporada da Nova Série, são pontos que nos fazem pensar sobre o futuro deste 10º ano do show e sobre onde o Doutor quer chegar. Até o momento, não desgostei de nenhum episódio da Temporada, apesar de haverem mais aventuras aquém do esperado do que eu imaginaria. Mesmo assim, este serial está nos devendo um alvo. Para onde estamos indo? Mesmo com um excelente episódio aqui e um bom arco geral dos Monges (Extremis foi o melhor da temporada até agora), a dúvida permanece e começa a incomodar um pouco.

O diretor Wayne Yip, que já dirigiu episódios de Misfits, Utopia e Class, tem uma grande capacidade de guiar episódios com trabalho ousado de imagens ou interferências no cenário, e é uma pena que a montagem tenha atrapalhado bastante a urgência ou delicadeza com que ele filmou determinados momentos. Vejam como a movimentação e o bom posicionamento de câmera (sem contar aquela direção de arte falsamente minimalista, um charme à parte para o escritório falso do Doutor ou o interior do Cofre) em blocos essenciais do episódio são editados de maneira quase displicente. E notem que a cena no navio nos mostra Pearl Mackie em uma aplaudível demonstração de decepção e ódio, um dos melhores momentos dela na série, infelizmente mal agrupado pela montagem. Até Matt Lucas consegue guiar uma ótima cena, quando chega à casa de Bill. E Peter Capaldi? Bem… esse homem só pode ser alienígena mesmo, para conseguir interpretar um Doutor com tantas variações de humor em questão de segundos, e todas elas muito bem personificadas.

Visual e conceitualmente sombrio, The Lie of the Land volta ao tema da falsa percepção de mundo, introduzido em Extremis; concluindo o arco dos Monges com um misto de anticlímax, crítica social e apreensão. Mais que qualquer outra coisa, o que falou mais alto aqui foi o significado desses eventos para o Doutor, Missy e Bill. O encaixe disso na temporada, porém, ainda permanece um mistério.

Doctor Who – 10X08: The Pyramid at the End of the World (Reino Unido, 05 de Junho de 2017)
Direção: Wayne Yip
Roteiro: Toby Whithouse
Elenco: Peter Capaldi, Pearl Mackie, Matt Lucas, Michelle Gomez, Beatrice Curnew, Emma Handy, Jamie Hill, Solomon Israel, Rosie Jane, Stewart Wright, Helena Dennis
Duração: 50 min.

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