Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 12X09 e 10: Ascension of the Cybermen e The Timeless Children

Crítica | Doctor Who – 12X09 e 10: Ascension of the Cybermen e The Timeless Children

por Luiz Santiago
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  • Há SPOILERS! Leia aqui as outras críticas da Nova Série. E aqui as críticas da Série Clássica. Para livros, áudios, quadrinhos e listas de Doctor Who, clique aqui.

Eu ainda não sei o que pensar direito desses episódios. As mudanças que aconteceram nessa temporada, nesse final de 12º ano da Nova Série simplesmente me deixaram sem saber que caminho de pensamento tomar. Minha posição geral em relação a todo é a seguinte: eu gostei bastante. Mas confesso que também estou (paradoxalmente) incomodado.

Vou começar pelo mais fácil: a execução da ideia. Como ambos os episódios foram dirigidos por Jamie Magnus Stone e inteiramente escritos por Chris Chibnall, fica mais fácil fazer uma análise de unidade conceitual e estética. Dito isto, devo começar dizendo que eu gostei mais de Ascension of the Cybermen do que de The Timeless Children. O primeiro episódio dessa dupla final nos ofereceu uma interessantíssima base de ação, fez os Cybermen (enfim!) parecerem amedrontadores novamente e colocou a Doutora e seus companheiros em ação logo nos primeiros minutos do episódio. Uma ótima construção de ameaça e apresentação de mistérios que seriam retomados em seguida, como a intrigante realidade de Brendan e a barreira no misterioso planeta que ligava-se a Gallifrey, por exemplo.

Em The Timeless Children, as coisas são decisivas e há muito o que processar. Em termos de abordagem, o episódio é ótimo. Existem momentos, especialmente quando novidades ou resoluções devem ser apresentadas, que o roteiro precisa ser didático ou pelo menos o mais claro possível no encadeamento das coisas, algo que este final de temporada nos traz. Não há a tentativa de ser diferentão em termos de composição do tempo e, tirando um aspecto dos diálogos (o Mestre o tempo inteiro chamando a atenção para o fato de que Gallifrey estava destruído) a interação entre os personagens também é algo que funciona de modo aplaudível aqui. Jodie Whittaker tem mais uma ótima oportunidade de se mostrar no papel, mas não tem jeito, quem brilha do começo ao fim aqui é Sacha Dhawan com esse insano, psicoticamente emotivo e maligno Mestre.

Em construção, os dois episódios (mas especialmente o Finale) possui uma cara, uma atmosfera muito similar à da Série Clássica, o que foi muito legal de se ver, além das relações pontuais que o roteiro faz com eventos passados do programa e sem forçar a barra (um dos meus medos prévios para as cenas em Gallifrey, para falar a verdade). Aliado a uma ação que tem falhas no bloco dos Cybermen, mas ainda assim é boa, estamos diante de uma realidade muito bem delineada (a fotografia e a arte das cenas de Gallifrey são maravilhosas!) e com consequências imensas e definitivas para a série, quer gostemos, quer não. E aí, senhoras e senhores, entra em cena o divisor de águas.

O que eu penso sobre retcons e a minha relação com esse tipo de “revolução canônica” em Doctor Who está lá em Spyfall – Part One, então não vou repetir aqui. O que devo dizer logo de cara é que eu estou numa gangorra de emoções e que ainda há muito para pensar e considerar, então seguirei fazendo alguns apontamentos à guisa de abordagem crítica misturada com leitura/relação/interpretação diante do que foi visto aqui. Vamos lá.

  • Cyberman Solitário

Acabou não sendo nada demais, certo? A forma como Jack o apresentou parecia ser o sustentáculo de alguma coisa de imensa importância, não um deflagrador. Não digo que achei ruim (porque não achei!), mas fiquei decepcionado por ele ser “só” isso. Mas não é algo que pesa tanto para mim, pois, como todos, estou vacinado desde os tempos do Lobo Mau…

  • Criança Atemporal e Furos

Uma coisa está em clara para mim: eu não gostaria que essa personagem fosse o Doutor (a). Todavia, além da limitação de regenerações para ele, que agora não mais existe porque foi destravada em sua memória/biologia, esse plot não mudou substancialmente nada na série, ou seja, não alterou verdadeiramente os eventos dos 57 anos do show até o ponto dessa exibição — mudou, claro, o nosso olhar para alguns desses momentos, mas não tocou neles. Embora esta seja o maior retcon do programa feito até o momento, ele ainda perde feio, em termos de alterar coisas já feitas, para a mudança da contagem dos Doutores criadas por Steven Moffat na apresentação do War Doctor em The Name of the Doctor. De imediato, isso abre um problema de questionamento de existência — se não era para mudar DE FATO as coisas, para quê criar isso, então? Pois é. Esse problema de existência é parte da minha cara feia para tal mudança também. Mas acontece, e não é a primeira vez que temos retcons na série…

Pois bem, aqui descobrimos a real (nova) origem dos Time Lords, da regeneração e do começo das infâmias dessa nova espécie modificada com o DNA da Criança Atemporal — a ideia expande a série e maximiza a complexidade da 13ª Doutora. As mudanças de fato só começarão a aparecer nas criações a partir daqui. Até aí, nada de novo no front.

No esforço mental para sair da Matrix, a Doutora passa por todas as suas encarnações e, agora sim, tornando oficial os Doutores de The Brain of Morbius. Nada, porém, se altera: a contagem dos Doutores permanece a mesma, os eventos da série permanecem os mesmos (afinal, quem descobre a verdade é a 13ª Doutora, não suas encarnações anteriores), as justificativas antes dadas pelos Doutores sobre sua vida e a verdade conhecida de Gallifrey até o momento se mantêm exatamente as mesmas (agora apenas separadas como pré e pós a revelação da verdade). O mesmo vale para a questão das regenerações vistas naquele episódio do Hitler e no dilema de The Time of the Doctor. Bem… É literalmente explicado no episódio que a verdadeira criação dos Time Lords foi escondida, adulterada com falsas memórias na Matrix pelos pais e mães fundadores de Gallifrey. Da mesma forma que é explicado que o Doutor não tinha as memórias do que aconteceu antes de sua conhecida 1ª encarnação (fazer o Doutor se esquecer de coisas não é difícil… todo mundo se lembra de Clara, certo?).

Mas ainda há uma cereja do bolo aí. Ora, se existe em Gallifrey um aparelhinho chamado Chameleon Arch que é capaz de tirar 100% das regenerações e das memórias e personalidade de um Time Lord, transformando-o em humano, por que o mesmo aparelho não poderia, em vez de tirar 100% das regenerações + o conhecimento delas, fixar num Time Lord apenas 12 regenerações? A gente já sabe, também pelo episódio, que o Chameleon Arch foi usado na Criança Atemporal desde os primeiros apagamentos de sua memória (claramente deixando gravadas um recorte das memórias de uma das longas infâncias, onde a criança conheceu o Mestre). Não é difícil chegar a uma conclusão estendida a partir daí, certo?

O showzinho dos Time Lords para com o Doutor agora está mais claro do que nunca: ele estava sendo mantido em rédea curta porque é uma ameaça grande, e sabe-se lá o que poderia fazer se descobrisse que nem Gallifreyano ele era. O ruim, na minha concepção, é que agora o Doutor é um basicamente super-herói, visto que destravada as suas memórias do passado, ele não está mais sob a influência de limitação das 12 regenerações, de modo que preocupar-se com os ciclos regenerativos não está mais em sua lista (assim espero). E aqui talvez seja um ponto bom para falar do Valeyard, brasileiramente conhecido como Jardim do Vale (hehehe). Conforme apresentado lá em The Ultimate Foe, ele é um amálgama das versões ruins do Doutor* que apareceria em algum momento entre a sua 12ª e a última encarnação. Falta só agora alguém reclamar que “destruíram a possibilidade do Valeyard existir” com essa questão da Timeless Child. Cá dentro, eu fico só pensando: “Neiva do céu, de cérebro, só tem o sinarzin!“.

* Para os reclamões desaviados ou desmemoriados, o Doutor tem várias versões ambíguas de si mesmo, algumas delas más, outras boas, e muitas sem nenhuma explicação até hoje. São elas: O Vigia (Logopolis), O Valeyard (The Mysterious Planet), O Meta-Crise (Journey’s End), O Senhor do Sonho (Amy’s Choice) e O Curador (The Day of the Doctor).

Vale ainda mencionar a biologia do Doutor, com dois corações. Não sendo gallifreyano, em tese, há um problema aí, certo? Na verdade não. O único problema é a conveniência da coisa toda, produto de retcon, o que é sempre um incômodo. Mas a gente pode seguir desde a alteração da composição dos gallifreyanos para simular a biologia da Criança Atemporal ou o contrário. Ou ainda aquela velha conveniência boba: a espécie da Criança Atemporal tinha dois corações, assim como os gallifreyanos. Não há furo aí, “só” uma explicação porca. Ah, e Clara na linha do tempo do Doutor? Ué, se esta é a linha do tempo que ele lembrava que tinha vivido… o que mais Clara encontraria lá? Só os Doutores de 1 a 11 + o War!

Ou seja… o que Chris Chibnall faz aqui é uma massiva expansão de possibilidades, onde agora existem inúmeras coisas para se contar da Criança Atemporal antes do 1º Doutor. Não estou 100% a bordo de tudo isso (acho que estaciono nos 85), tampouco da real (agora sim) destruição de Gallifrey, mas isso não tem nada a ver com nenhum “estrago” [inexistente] feito pelo retcon. Sou só eu com meus gostos. Espero pelo menos que o showrunner consiga cercar, no próximo ano, alguns dos principais elementos da continuidade para deixar o terreno da série mais suave e mais compreensível pra todo mundo. O que eu não quero é que DW se torne uma maníaca por criar/recriar/destruir o núcleo duro de sua realidade a cada 5 anos, como faz a DC com seus quadrinhos. Eu sei perfeitamente que cânones se apagam e são reescritos, e não foi Chris Chibnall quem inventou isso, nem nas artes, nem em Doctor Who. Mas fica aí no ar o ditado sábio da minha avó Maria: “tudo demais é desmantelo“.

  • Tem alguma ordem?

Tem uma “ordem inicial” sim, com base na sequência cronológica que a Doutora atravessa mentalmente quando estava tentando se libertar da Matrix. Até o momento, o que conhecemos de sua (agora nova e completa) timeline, é isso: primeiro vem a Criança Atemporal, da sua adoção até a queda do penhasco, onde vemos a primeira regeneração conhecida. Depois dessa, vemos mais outras 5 outras regenerações, que duram todo o processo de pesquisas e decodificação do DNA por Tecteun. Depois disso, os 8 Doutores de Morbius. Depois Ruth. Depois os Doutores numerados de 1 a 13… + War. No entanto, está implícito que na ordem pré-1º Doutor há muito mais regenerações ainda por nós desconhecidas…

  • E Brendan?

Essa resposta é dada pelo próprio Mestre! Brendan é uma obra de ficção. A história dele estava na Matrix como um filtro para encobrir a verdadeira história da Criança Atemporal, sua vida e seu trabalho inicial com A Divisão, primeira organização de Gallifrey a trabalhar com exploração de possibilidades e teorias sobre viagem no tempo, além de políticas de intervenção e principalmente, de não-intervenção (não é explicado aqui mas, para mim, é perfeitamente possível que A Divisão se torne, no futuro, a Celestial Intervention Agency ou CIA).

  • Fly me to the moon and let me play among the stars…

Talvez eu tivesse em menor conflito se a Criança Atemporal não fosse a Doutora, mas é o que temos a partir de agora, então vamos seguir com isso. As discussões podem seguir pelo gosto (ou desgosto) diante do que foi feito, mas mesmo não estando assim tão certo do que penso, vejo as pontas essenciais bem amarradas aqui, até a questão da memória da Doutora colocada em cena como a resposta correta para esse tipo de ação. A cada missão da Divisão e a cada nova vida, a memória daqueles tempos era apagada pelos Time Lords, que não queriam que a encarnação seguinte soubesse quem a Timeless era.

Para mim, fica até clara uma justificativa simples do que vem a seguir (mesmo que não seja com Ruth, pode ser com qualquer um antes do 1º Doutor): Ruth sai em nova missão. Chega à Terra, se encanta, arranja companion e tudo. Tenta se esconder na Terra, usando um Chameleon Arch, mas é caçada e encontrada pela Divisão, aparentemente chefiada por Gat (Fugitive of the Judoon). No momento de se regenerar, os Time Lords mais uma vez apagaram sua memória. Sua encarnação seguinte começa uma nova missão, como vimos, com mentiras implantadas pela Matrix, e acaba se desencantando (talvez inconscientemente, após o impacto causado pela presença na Terra ou pelo encontro com sua 13ª encarnação, embora não se lembre disso), pegando sua neta e enfim fugindo de Gallifrey, adotando, pelos motivos que já conhecemos em Sob Forte Tensão, o título de Doutor. O 1º Doutor. Daí para frente, renegado (agora dá pra imaginar claramente por que, não?) e sempre se esquivando, fugindo dos Time Lords, o Doutor deixou de ser uma peça num jogo político e de experimentações da raça criada com seu DNA e passou a agir por conta própria. Pensando bem… que história triste e fantástica ao mesmo tempo.

Bom, vamos dar tempo ao tempo. Fecho, então, com o que comecei: eu gostei bastante. Mas eu confesso que também estou (paradoxalmente) incomodado. E estarei aqui, lindo e belo, preparado para a 13ª, 14ª, 15ª, 16ª… 50ª Temporadas. E pelo visto seguiremos com a Doutora agora na cadeia! Vamos ver o que sairá daí.

Doctor Who – 12X09 e 10: Ascension of the Cybermen e The Timeless Children (Reino Unido, 23 de fevereiro e 1º de março de 2020)
Direção: Jamie Magnus Stone
Roteiro: Chris Chibnall
Elenco: Jodie Whittaker, Bradley Walsh, Tosin Cole, Mandip Gill, Sacha Dhawan, Patrick O’Kane, Julie Graham, Ian McElhinney, Alex Austin, Steve Toussaint, Rhiannon Clements, Matt Carver, Jack Osborn, Evan McCabe, Branwell Donaghey, Orla O’Rourke, Nicholas Briggs, Andrew Macklin, Coalyn Byrne, Seylan Baxter, Kirsty Besterman
Duração: 45 min.

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