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Crítica | Doctor Who – 1X08: Father’s Day

por Rafael Lima
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Uma das características marcantes da temporada de estreia da Nova Série é como ela contrapõe o mundo fantástico repleto de alienígenas e desastres temporais que cercam o Doutor, com aspectos mundanos da vida comum. Com Father’s Day, a temporada encontra o ápice deste equilíbrio, entregando uma aventura pessoal e intimista, onde a chave para salvar o mundo não se encontra nas mãos do Time Lord, e sim no arquétipo do homem comum, representado pela figura de Pete Tyler. Escrito por Paul Cornell, o episódio trabalha com antigos traumas de Rose envolvendo a ausência do pai, que ela não conheceu, já que ele morreu em um atropelamento quando a moça era um bebê. Sabendo que o pai morreu sozinho na rua, ela pede ao Doutor que a leve para a manhã em que Pete morreu, em 1987, para que possa ficar ao seu lado em seus últimos momentos. Mas em um impulso, e contra as ordens do Time Lord, Rose salva o seu pai do atropelamento, provocando um paradoxo que coloca toda a linha do tempo em risco.

Paul Cornell, como todos os roteiristas da Nova Série até aquele momento, era oriundo do Universo expandido. Em seus romances de Doctor Who, Cornell mostrou gostar de tramas com alta pungência dramática, preferência que foi levada para seus roteiros na série. Embora Father’s Day lide com monstros alados, paradoxos temporais e uma luta pela sobrevivência, a história pode ser vista como um comentário sobre a trivialidade da vida. Quando a TARDIS se materializa em 1987, Rose percebe que aquela é uma manhã como outra qualquer. O mundo não vai parar e nem parecer diferente por que o pai dela vai morrer. A decepção da companion acaba se estendendo à própria figura do pai, que apesar de ser uma pessoa descente, está longe de ser “O homem mais maravilhoso do mundo”, como Jackie Tyler o descrevia para a filha, quando ela era uma menina — pelo menos em um primeiro momento. Por isso é curioso observar que as ações heroicas e fantásticas de Rose colocam o mundo em perigo ao criar o paradoxo que libera as criaturas que funcionam como anticorpos do tempo, mas é o sacrifício de Pete aceitando o seu fim triste, porém mundano, que salva o dia, ao fim da história.

O roteiro estrutura a maior parte da trama no estilo “Base sob cerco”, com os convidados do casamento para onde Pete estava indo, presos na igreja, que agora está cercada por monstros. Essa estrutura constantemente usada na série permite não só trabalhar a tensão entre os personagens, mas criar momentos extremamente ternos entre eles. A Era Davies foi especialmente competente com este formato, de modo que nos preocupamos não só com os personagens principais, mas com cada um dos presentes, e mesmo a morte de personagens menores é sentida, quando ocorre.

A relação de Rose e do Nono Doutor passa por um teste, já que Rose traiu a confiança do Time Lord ao usar a viagem do tempo em benefício próprio. De fato, ele chega a pensar que a moça sempre planejou salvar o pai, ao lembrar o desfecho de Rose onde a companheira recusa o convite para viajar na TARDIS, mas reconsidera ao saber que a nave era capaz de viajar no tempo. A rusga entre a dupla, entretanto, além de frisar certa tensão amorosa entre os dois, acaba não tendo consequências maiores. O que é estranho, tendo em vista que no episódio anterior, o Doutor expulsou sumariamente um candidato a companion por cometer um erro semelhante. Claro, os motivos de Rose para usar a viagem do tempo em proveito próprio são muito mais nobres que os de Adam Mitchell em The Long Game, mas ainda são egoístas. Felizmente o roteiro não trata este ponto da narrativa de forma leviana, e o Nono Doutor parece realmente se esforçar para perdoar a amiga, mas ainda assim, esse seria o primeiro indício de que não só o Doutor, mas o próprio Russell T. Davies estava dando a Rose tratamento especial.

O Doutor acaba tendo um papel menor nesta história, mas ainda assim fundamental, e que diz muito sobre o seu personagem. O fascínio do Time Lord ao ouvir dos assustados noivos a história sobre como se conheceram é visível. A cena conversa diretamente com a temática do episódio, pois quando os noivos apontam que não são importantes diante do que está acontecendo, o Doutor é rápido em corrigi-los. Não só por que ele acredita que cada vida conta, mas também por que para o Nono Doutor, algo aparentemente simples como se apaixonar uma esquina durante uma madrugada chuvosa, é uma aventura tão fantástica quanto viajar pelo tempo e espaço, uma aventura que o Doutor, devido a sua natureza alienígena, não pode experienciar.

Mas Father’s Day é mesmo a história de uma filha conhecendo o pai. O roteiro de Cornell expõe de forma bastante instigante as camadas de Rose, e Billie Piper aproveita a chance para entregar um de seus melhores trabalhos na pele da companion. O episódio trabalha de forma divertida a consternação de Rose em encontrar versões mais jovens de pessoas da sua vida, gerando situações que ficam entre o hilário e o desconfortável, como o encanto que a jovem provoca no pequeno Mickey, seu futuro namorado, e o ciúme que ela desperta na mãe Jackie (com um impagável corte de cabelo dos anos 80) quando ela o vê junto de Pete. Mas é na relação com o pai de Rose onde Piper realmente brilha. O momento em que Pete percebe a real identidade da garota que o salvou é comovente, pois vemos a jovem praticamente regredir emocionalmente ao enfim abraçar o pai que nunca havia tido a chance que conhecer, um abraço que parece ser dado não por uma jovem mulher, mas sim por uma criança.

Para sustentar esta carga emocional, Piper encontra em Shaun Dingwall o parceiro de cena perfeito. Pete não é o homem incrível que a Jackie de 2005 descreveu para Rose a vida toda, mas também não é o perdedor que a Jackie de 1987 o acusa de ser. Pete Tyler é só um cara legal, que tenta fazer o melhor que pode por sua família. Ele não é um homem genial, mas é esperto o suficiente para perceber quem Rose realmente é, mesmo que essa realidade desafie a lógica. E Pete de fato se torna o “Homem Maravilhoso” das histórias de Jackie justamente por ter a coragem de encarar o seu destino como um “homem comum”. Shaun Dingwall entrega muito bem a simplicidade e nobreza do personagem, no que é em minha opinião a melhor participação especial da temporada.

Na parte técnica, Joe Ahearne, de Dalek, retorna a cadeira do diretor. Embora a sua condução não se destaque tanto quanto na estreia do Dalek na Nova Série, sua decupagem ainda é competente em valorizar os momentos mais emocionais do episódio, e não expõe o baixo orçamento, usando com relativa parcimônia os monstros do episódio. Por fim, alguns acusam o compositor Murray Gold, então compositor da série, de ser excessivamente melodramático. Geralmente eu o defendo, pois acho que Gold fez trabalhos incríveis para Doctor Who mas o tema Father’s Day me parece um dos casos que apoiam as acusações feitas ao compositor.

No panorama geral, Father’s Day com certeza é uma das joias da era do Nono Doutor, dando um passo importante no desenvolvimento da dupla protagonista, e nos dando a chance de conhecer um lado mais vulnerável de Rose Tyler. Trata-se de uma boa história de viagem no tempo com humor e suspense, mas que tem seus reais pontos fortes no desenvolvimento de seus dramas humanos e intimistas. Como não se emocionar com uma história onde o mais comum dos homens pode se tornar o mais maravilhoso aos olhos da filha por um ato de amor? E usar histórias Sci-fi pra nos emocionar é justamente uma das coisas que Doctor Who faz de melhor.

Doctor Who- 1×08. Father’s Day (Reino Unido, 14 de Maio de 2005).
Direção: Joe Ahearne
Roteiro: Paul Cornell
Elenco: Christopher Eccleston, Billie Piper, Camille Coduri, Shaun Dingwall, Christopher Lllewellyn, Natalie Jones.
Duração: 45 min.

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