Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 1X12 e 13: Bad Wolf / The Parting of the Ways

Crítica | Doctor Who – 1X12 e 13: Bad Wolf / The Parting of the Ways

por Rafael Lima
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Rose, before I go I just wanna tell you – you were fantastic… absolutely fantastic… and d’you know what? So was I

Últimas Palavras do 9º Doutor.

Era oficial. Depois de dezesseis anos fora do ar, Doctor Who era novamente um sucesso. A renovação da série para uma Segunda Temporada provava que o revival havia chegado para ficar. Porém, antes que a 1ª Temporada chegasse à metade, a BBC anunciou que Christopher Eccleston deixaria o programa, anúncio que foi feito sem comunicar o ator, embora supostamente sua decisão em deixar o papel do Doutor já tivesse sido tomada. Os reais motivos da saída do protagonista são um daqueles mistérios de bastidores para os quais dificilmente teremos uma resposta definitiva. Há quem diga que Eccleston sempre planejou ficar na série por só uma temporada, temendo ficar estigmatizado pelo papel. Outros alegam que o intérprete do Time Lord deixou o show por achar que os chefes de produção não tratavam os membros da equipe com respeito. Seja qual tenha sido o motivo, não foi uma saída amistosa, fazendo com que o ator recusasse convites para reprisar o papel do Nono Doutor nos áudios da Big Finish, e no Especial de 50 anos da série. Felizmente, a turbulência nos bastidores que marcou a saída de Eccleston não afetou o resultado na tela, e o arco Bad Wolf/The Parting Of The Ways traz uma despedida digna e orgânica para o ator e seu Doutor.

Escrito por Russell T. Davies, a derradeira aventura do Nono Doutor começa com o Doutor, Rose e Jack presos em versões futuristas e mortais de reality Shows como o Big Brother, Esquadrão da Moda e The Weakest Link. Logo, o Time Lord descobre que está no futuro distante, a bordo do Satélite 5, lugar visitado por ele e Rose 100 anos antes, em The Long Game, e que suas ações durante aquela aventura desencadearam uma série de eventos que levaram forças misteriosas assumirem o controle da Terra. A situação se complica quando o Doutor descobre que tais forças de fato são lideradas pelo Imperador Dalek, que conta com uma frota inteira.

Enquanto os outros arcos de duas partes da temporada possuíam unidade tonal, os dois episódios desta Season Finale têm atmosferas bem diferentes. Bad Wolf é uma sátira à febre de reality shows que em 2005 dominava a TV. Há tensão, mas o humor negro e as críticas à TV são as palavras de ordem. Já The Parting Of The Ways deixa esses elementos de lado, focando-se na ação e na atmosfera dramática de medo e desesperança gerada pelo ataque dos Daleks ao Satélite. Em Bad Wolf, o texto reconhece o absurdo da premissa de aprisionar os protagonistas em conhecidos Reality Shows, através da reação do Nono Doutor, ao perceber que está na casa do Big Brother. A maior parte das cenas de Rose em The Weakest Link e Jack em Esquadrão da Moda possui este mesmo tom jocoso, como parte da crítica do roteiro. Estes programas são retratados não só como instrumentos de alienação, mas como veículos para alguns dos piores sentimentos do ser humano, como ganância, apatia e vaidade exacerbadas.

Mas é em sua segunda parte, The Parting of The Ways que as melhores coisas do arco vêm à tona, começando pela reinvenção que Davies faz dos Daleks, que se revelam como os grandes vilões da trama ao fim de Bad Wolf. Dalek reapresentou os monstros como uma ameaça crível, mas não os estabeleceu como metáforas dos traumas da sociedade, e essa foi uma das razões que os tornaram tão assustadores quando foram criados, pois eles representavam o horror nazista, relativamente recente quando a série foi ao ar em 1963.

Mas em 2005, em um mundo pós 11/9, Davies retrata os Daleks como metáforas para o terrorismo fundamentalista, pois agora eles matam guiados pela religião, como o terrorismo que então aterrorizava a Europa e os Estados Unidos. O Imperador Dalek, que não era visto na televisão desde The Evil Of The Daleks ressurge como uma figura profética para seus Daleks mutantes, criados a partir de DNA humano. Tal escolha traz uma abordagem nova a estes clássicos vilões, tornando-os altamente imprevisíveis e assustadores, ao mesmo tempo em que se comunica com o nazismo eugênico na origem dos personagens, pois estes são “Daleks impuros” que tratam o Imperador Dalek como um Deus, afinal, ele é supostamente o Último Dalek puro. Em poucas histórias estes monstros foram tão mortais, encontrando rivalidade talvez somente no episódio Dalek.

Também é em The Parting Of The Ways que a direção Joe Ahearne se destaca, conferindo sensação de urgência e angustia às sequências do ataque dos vilões. Vemos o Time Lord totalmente impotente, pois tudo o que ele pode fazer é enviar Rose de volta ao passado para protegê-la, e assistir aos Daleks cometerem um massacre. Se The Parting Of The Ways tem um problema, é a resolução do grande conflito do Doutor que constrói uma arma que mataria os Daleks, mas também todos na Terra. Trata-se de um dilema insolúvel, pois se os Daleks não matassem o Doutor, ainda teriam uma vitória moral ao forçá-lo a matar bilhões de humanos para detê-los, sendo que a essa altura os Daleks já haviam bombardeado o planeta, matando milhões.

Não é surpresa que o conflito se resolva em um Deus Ex Machina, o que não é ruim, desde que apresentado de forma coerente. Mas a transformação de Rose em uma divindade, após entrar em contato com o Vórtice do Tempo no coração da TARDIS, embora seja um desfecho adequado para o arco dramático da companion, surge pouco convincente. Incomoda também a resolução apressada para o mistério das palavras “Bad Wolf” que surgiram ao longo de toda temporada. O plot ainda se revela inócuo por percebermos que se as tais palavras não existissem na trama, Rose ainda agiria da mesma maneira e ainda iria se tornar a entidade “Bad Wolf” (talvez com outro nome).

Se o roteiro tropeça em fechar alguns blocos, acerta ao trabalhar bem os seus personagens. Lynda, a jovem participante do Big Brother que escolhe deixar a apatia de lado e lutar ao lado do Doutor, conquista a simpatia tanto do público quanto do próprio Doutor, chegando a ser convidada a se juntar à equipe da TARDIS, fazendo de seu trágico desfecho um momento tão emocional quanto aterrorizante. Jackie Tyler e Mickey retornam neste episódio, em uma participação que fecha bem o arco da “família de Rose” nesta temporada, mostrando a bela evolução que estes dois personagens tiveram desde que foram apresentados de forma um pouco antipática em Rose.

Jack Harkness deixa a TARDIS neste arco, ao dar a vida para conseguir tempo para que o Doutor termine a sua arma contra os Daleks. John Barrowman continua mostrando uma grande veia cômica, especialmente em suas cenas em Bad Wolf. Mas o ator também tem a chance de mostrar o lado mais intenso do Capitão Jack, quando ele lidera a luta contra os Daleks, mesmo sabendo que não há chance de vitória. Entretanto, analisando o episódio isoladamente, vermos Jack ser ressuscitado por Rose, só para ser abandonado pelo Doutor soa anticlimático. De fato, Davies declarou posteriormente que percebeu que a cena da regeneração do Doutor não teria o impacto desejado com Jack presente, portanto teve que descartá-lo. Mas a retirada do personagem só passaria a funcionar em retrospecto, com seu retorno á série, e claro, a estreia de seu próprio Spin-Off.

O arco dramático de Rose Tyler também se fecha nesta Finale, pois vemos aquela garota sem grandes pretensões na vida que conhecemos em Rose, transformar-se em uma verdadeira deusa do tempo no clímax do arco para salvar seus amigos. O desabafo que a jovem tem com sua mãe e Mickey, quando se vê presa na Londres contemporânea, não só fecha um ciclo para a companion, mas também revela aquele que é, pra mim, o verdadeiro tema da temporada, o fato do Doutor inspirar as pessoas a se tornarem melhores. E é fantástica a coerência deste discurso com o restante da Temporada, quando nos lembramos de figuras que de fato foram inspiradas pelo Nono Doutor como Charles Dickens em The Unquiet Dead, ou Pete Tyler em Father’s Day.

Chegamos então ao Nono Doutor de Christopher Eccleston, que chega ao fim de sua curta Era bem diferente do que quando começou. Ao voltarmos ao começo da temporada, nos lembramos de um Time Lord arredio, quase incapaz de encarar os seus traumas de guerra, e até mesmo inseguro em seu papel como o Doutor. Eccleston usa este arco final para mostrar toda a evolução de seu Doutor, seja em seu aspecto mais tenro, em sua interação com Lynda, ou sua faceta mais dura, quando ameaça os Daleks ao fim de Bad Wolf. O ator também transmite os traumas de guerra do Time Lord de forma soberba, vide o momento em que se apoia na porta da TARDIS enquanto ouve os gritos assombrosos de extermínio. Apesar dos problemas de fechamento citados acima, é extremamente propício que o clímax da Era do Nono Doutor o coloque para reviver situação semelhante à enfrentada por ele no fim da Guerra do Tempo, dando-lhe a chance de encarar os seus traumas de frente.

A decisão que o Doutor toma diante desse dilema é o que parece dar-lhe a paz com que ele encara a sua regeneração. Não só por que ele está dando a vida de bom grado para salvar a sua companheira ao absorver a energia do Vortex do corpo dela, mas por que ele finalmente parece se sentir plenamente o Doutor, o homem que prefere ser um covarde a ser um assassino. Christopher Eccleston entrega de forma muito delicada em sua cena final um personagem que apesar da melancolia da despedida, parece enfim estar em paz consigo mesmo. Apesar de um pouco irregular em sua primeira parte, Bad Wolf / The Parting Of The Ways é um ótimo final para a temporada de estreia de Nova Série, e uma grande despedida para Eccleston, o Doutor que trouxe Doctor Who de volta à TV. Com o surgimento de David Tennant nos segundos finais do arco, os novos fãs não só foram apresentados ao conceito da regeneração, mas ao fato de que com Doctor Who, finais também são sinônimos de novos começos.

Doctor Who- 1×12 e 1×13. Bad Wolf/ The Parting Of The Ways (Reino Unido, 21 de Maio de 2005/28 de maio de 2005).
Direção: Joe Ahearne
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Christopher Eccleston, Billie Piper, John Barrowman, Jo Joyner, Paterson Joseph, Noel Clarke, Camille Coduri, Nicholas Briggs, David Tennant.
Duração: 90 Min.

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