Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 3X04 e 5: Daleks in Manhattan / Evolution of The Daleks

Crítica | Doctor Who – 3X04 e 5: Daleks in Manhattan / Evolution of The Daleks

por Rafael Lima
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O arco Daleks In Manhattan/Evolution of The Daleks é um grande representante de todos os acertos e erros que o showrunner Russell T. Davies apresentou em sua abordagem dos vilões do título ao longo de seu mandato em Doctor Who. Percebe-se um movimento claro de colocar os maiores inimigos do Doutor diante de situações em que nunca estiveram antes. Mas ao mesmo tempo, nota-se que a abordagem geral de Davies para estes personagens gera um movimento cíclico que acaba roubando muito da força que os Daleks apresentaram em suas primeiras histórias na Nova Série. Mas esse não é o único problema encontrado neste arco.

Escrito por  Helen Raynor, a aventura tem início com a chegada da TARDIS em Nova York, no ano de 1930, com o Décimo Doutor tendo decidido esticar um pouco mais o “passeio” de Martha para que ela pudesse conhecer a Big Apple. Ao ficarem sabendo que um número cada vez maior de sem-teto têm desaparecido no Central Park, o Doutor e Martha partem para investigar, sem saber que os desaparecimentos foram orquestrados por uma aliança formada por um inescrupuloso homem de negócios envolvido na construção do Empire State Building, e pelo Culto de Skaro, que planeja a evolução dos Daleks.

Existem muitas boas ideias nesta história, e apesar de sua baixa popularidade, eu gostei bastante quando a assisti da primeira vez, embora ele tenha envelhecido mal e eu consiga ver os motivos que levaram a crítica a massacrar o arco na época de sua transmissão original. É seguro dizer que um dos maiores problemas do roteiro de Helen Raynor é não conseguir estabelecer exatamente qual é o tom da história que está contando. Ao situar a narrativa em 1930, auge da Grande Depressão americana, onde o número de sem-teto atingiu patamares alarmantes nos Estados Unidos, a narrativa ganha um peso social muito bem-vindo, especialmente ao contrapor a situação de miséria vivida pelos Hoovervilles (como eram chamadas as pessoas que viviam nesta situação à época, em referência ao então presidente americano Herbert Hoover) com o ambicioso Sr. Diágoras, que vive nos arranha céus de Nova York, usando a crise do desemprego para explorar aqueles que trabalham para ele.

A própria reação do Décimo Doutor aos Daleks parece evocar muito mais os traumas da Guerra do Tempo do que em seu primeiro encontro com o Culto de Skaro em Doomsday, onde o Time Lord não parecia tão assombrado em encontrar sobreviventes Daleks quanto se mostra aqui, o que também confere maior peso para o arco. Entretanto, todos os elementos mais sombrios do enredo parecem pouco articulados com suas características mais cartunescas, como os porcos humanoides que servem de escravos para os Daleks, ou os alívios cômicos fornecidos pela simpática, porém estereotipada cantora de cabaré Tallulah, além do romance estilo A Bela e a Fera que ela vive com seu namorado, o único humano que conseguiu escapar parcialmente do processo de transmutação suína dos Daleks.

Mas apesar desse claro descompasso entre os aspectos mais densos e mais divertidos do arco (que talvez também possam ser atribuídos à direção de James Strong), há uma riqueza dramática muito grande no conflito que se desenvolve entre os Daleks e o Doutor. Diferente do que ocorreu na Season Finale da temporada anterior, o ódio que o Nono Doutor parecia nutrir pelos Daleks volta a aflorar no Décimo. Esta encarnação do Time Lord é muito mais segura em encarar os guerreiros de Skaro, e muito melhor em internalizar a raiva que sente por esta espécie, ou pelo menos ocultá-la através do humor ácido, mas ainda assim percebemos esse ódio, mérito da interpretação de David Tennant. E ainda assim, pela primeira vez, um Doutor incrédulo se vê na posição de fazer a proposta que ele faz à maioria dos seus inimigos, mas nunca aos Daleks; a oferta de ajudar a raça invasora a partir em paz e encontrar um mundo para prosperar.

Esta proposta só se torna possível devido ao próprio plano desenvolvido pelo Culto de Skaro, que basicamente consiste em evoluir para sobreviver, através da fusão genética com os humanos. Esse culto de Daleks foi criado para imaginar formas diferentes de lutar e sobreviver. Mas os Daleks foram criados justamente para acreditarem que são uma raça superior e pura. Ou seja, o conceito do Culto de Skaro é conflituoso, pois estes Daleks devem pensar coisas que Daleks geralmente não pensariam, mas esta é uma raça que se sente extremamente agredida por qualquer pensamento individual que não se origine de uma cadeia hierárquica.

Claro, a esperança do Doutor (mesmo que reticente) de que seu histórico de confrontos com os Daleks possa ter um fim pacífico não é sem sentido. Afinal, os Kaleds foram transformados em Daleks pelas ideias e um único indivíduo; Davros. Por que as ideias de um único indivíduo, Dalek Sec (que se torna um híbrido humano e Dalek), não poderia transformar novamente a espécie? Claro que o plano dá errado, pois um Dalek ver que a cultura Dalek os levou à extinção já é um milagre, mas 4 seria pedir um pouco demais. O arco, entretanto, revela certo cansaço na forma como Davies estruturou as histórias Dalek na Nova Série. Mais uma vez vemos os vilões lutando contra a própria extinção, chegando ao fim da história mais próxima deessa condição do que quando começaram. Analisando isoladamente, isso não chega a ser um problema, mas dentro do que a Nova Série seguia até aquele momento, torna-se um pouco repetitivo.

Falando do elenco coadjuvante, Miranda Raison consegue transmitir o carisma provocativo e ao mesmo tempo ingênuo de Tallulah, embora como dito antes, sua personagem acabe ficando deslocada em alguns momentos. Eric Loren parece excessivamente superficial como o Sr. Diágoras, mas ironicamente, consegue um trabalho melhor ao ser coberto por maquiagem como o Dalek Sec humanoide, retratando bem a confusão da criatura com as novas emoções que está sentindo. Destacam-se ainda Hugh Quarshie como Solomon, o líder dos Hoovervilles do Central Park, e como curiosidade, a presença de Andrew Garfield, antes de alcançar a fama em Hollywood como o jovem Frank.

Como dito anteriormente, Tennant consegue expressar bem a raiva disfarçada do seu Doutor em relação aos seus arqui-inimigos, assim como sua reticente esperança de que possa chegar a um acordo pacífico com os Daleks restantes. É estranho apenas que o roteiro pareça apresentar neste arco um Doutor praticamente suicida, que me soou um pouco fora de lugar, mas não é culpa do ator e sim do roteiro. Martha, por sua vez, acaba ficando um pouco de lado neste par de episódios, não dando muito material para Freema Agyeman trabalhar, mas fica claro que a personagem começa a ficar cansada do Doutor tratá-la como uma mera passageira.

Daleks in Manhattan/Evolution of The Daleks é um arco com conceitos dramáticos muito instigantes, mas que peca pela crise de identidade, e acaba expondo uma fórmula que começava a dar sinais de cansaço nas Histórias Dalek da Nova Série. Mas pessoalmente não considero um arco ruim, mas sim um que tinha potencial para ser bem melhor, mas que infelizmente não chega lá.

Doctor Who: Daleks In Manhattan/Evolution of The Daleks (Reino Unido, 21 de Abril de 2007 e 28 de Abril de 2007)
Direção: James Strong
Roteiro: Helen Raynor
Elenco: David Tennant, Freema Agyeman, Miranda Raison, Ryan Carnes, Hugh Quarshie, Andrew Garfield, Eric Loren, Alexis Caley.
Duração: 90 Min.

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