Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 5X06: The Vampires Of Venice

Crítica | Doctor Who – 5X06: The Vampires Of Venice

Uma aventura gótica em Veneza.

por Rafael Lima
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Ainda que a primeira temporada de Steven Moffat como Showrunner de Doctor Who já deixasse evidente as mudanças que o produtor traria ao programa, havia uma preocupação em tornar a transição entre a 1ª Era Davies e a nova fase do show a mais suave possível. Não é coincidência que a estrutura da temporada siga de perto aquela estabelecida por Davies, ou seja, temos um trio inicial de aventuras situadas no passado, presente e futuro para explorar o potencial da TARDIS, e então temos uma história onde a Companion estreante deve voltar à Terra e prestar contas à família sobre o que andou fazendo pelo tempo e espaço.  The Vampires Of Venice parece apresentar uma dessas histórias, mas subverte o formato, expondo como a série passaria a tratar a relação dos companheiros com a sua vida normal na era Moffat. Na trama, o 11º Doutor decide levar Amy e o noivo dela, Rory, para a Veneza de 1580, como presente de casamento. Mas chegando lá, o trio se depara com uma cidade com medo da praga, o que intriga o Doutor, já que a doença foi ‘extinta’ há muito tempo. Além disso, uma série de desaparecimentos parecem estar ligados a uma escola para garotas comandada pela misteriosa Rosanna Calvierri, o que leva o Time Lord e seus companheiros a investigarem o local.

Escrito por Toby Whithouse, The Vampires Of Venice guarda algumas semelhanças com School Reunion, o trabalho anterior do roteirista para a série, ao situar a ação principal em uma escola controlada por alienígenas vampirescos. Mas se aquela aventura do 10º Doutor apresentava uma trama mais contemporânea e juvenil sobre essas criaturas, este episódio já apresenta uma natureza mais gótica e mesmo sexual, que é mais associada a esses monstros. Percebe-se a inspiração do roteiro no clássico literário Carmilla, de Sheridan Le Fanu, tanto pela ambientação em um internato feminino quanto pelo subtexto incestuoso que há entre os vampiros. Além disso, as criaturas também são usadas para uma sutil metáfora social sobre a exploração aristocrática dos mais pobres, um tipo de analogia que, mesmo longe de ser original, é bem executada pelo texto.

Ao mesmo tempo em que se apropria dos signos clássicos das histórias de vampiro, como as construções em estilo gótico; as presas e as jovens vampirizadas em decotados vestidos brancos, o roteiro insere nos vilanescos Saturnyns características tipicamente alienígenas. As verdadeiras formas dos antagonistas, que lembram piranhas humanoides (formas essas que são ocultadas por filtros de percepção) e dão um bem vindo fator de estranheza aos tropos vampirescos. O fato deles também serem outra espécie à beira da extinção, depois que o seu planeta foi consumido por uma das rachaduras no tempo, ajuda nessa transição de estilo que a série passava naquele momento, tendo em vista que este foi um tipo de vilão bastante comum nos primeiros anos da Nova Série, já que ao mesmo tempo que é uma ameaça familiar, não está ligada à mitologia dos primeiros anos envolvendo a Guerra Do Tempo.

The Vampires Of Venice parece funcionar como a aventura de prestação de contas à família, onde Amy explica a Rory sobre as suas recentes viagens com o Doutor. Mas aqui reside a primeira grande ruptura da era Moffat no trato com os companheiros. Diferente do que era feito na Nova Série até então, não temos um conhecimento profundo sobre a família e o cotidiano da Companion. Ainda que no caso de Amy exista um motivo do porquê não conhecemos a sua família, a Era Moffat em geral não iria dar uma grande importância para o núcleo familiar, mas por outro lado, os companheiros passariam a ter uma relação muito mais próxima com a sua vida normal do que tinham anteriormente. Amy e o Doutor não vão até Rory para informá-lo sobre as suas viagens, mas para inclui-lo nelas, tanto que a trama não se passa em um mundo contemporâneo. É um movimento interessante por parte do programa, pois o enfermeiro é uma lembrança constante do amadurecimento que Amy está tentando adiar. 

O roteiro possui plena consciência dessa mudança de direcionamento, já que é o Doutor que sugere trazer Rory a bordo, ao apontar como viajar na TARDIS pode fazer com que as pessoas percam o contato com a sua vida normal. A história de Whithouse é inteligente ao tirar do caminho qualquer desconforto que poderia ser gerado pelos amassos que Amy deu no protagonista no episódio anterior, e faz isso paradoxalmente criando desconforto, na hilária cena em que o Doutor pula do bolo de despedida de solteiro de Rory e anuncia alegremente que a noiva do rapaz o beijou.  Mas se o texto coloca o Time Lord alheio (pelo menos aparentemente) às implicações de seu comentário, ele parece bem consciente das dificuldades que a sua companheira está enfrentando em relação ao casamento, ficando implícito que esse é um dos motivos dele trazer Rory a bordo. Afinal, a ruiva parece bem confortável, e quase empolgada em se infiltrar num internato controlado por vampiros alienígenas, mas já não tem a mesma desenvoltura quando o assunto é entrar na igreja vestida de noiva. Dessa forma, este episódio começa a trabalhar de forma sutil uma nova abordagem sobre o modo como o Doutor impacta a vida das pessoas à sua volta. Se o 9º e o 10º Doutor inspiravam pessoas comuns a fazerem coisas extraordinárias, o 11º Doutor, através de situações fantásticas inspira as pessoas a enfrentarem as grandes situações mundanas. 

Por trás de toda essa apresentação de novos conceitos e dinâmicas para a série, está uma aventura com toques de terror extremamente divertida, apoiada por um elenco particularmente afiado. Se nos episódios iniciais da temporada, Matt Smith parecia estar experimentando diferentes tons para encontrar o que melhor funcionava para o seu Time Lord, aqui, o ator já parece completamente confortável com o seu Doutor, desde a sua característica natureza infantil vista na cena da despedida de solteiro de Rory, até a forma como intimida os seus adversários e mostra raiva contida sem tirar o sorriso do rosto. E se Karen Gillan vive Amy como estando cada vez mais contagiada pela vida na TARDIS, ao ponto de se maravilhar diante do fato de estar enfrentando vampiros, Arthur Darvill traz um equilíbrio necessário ao interpretar Rory como um sujeito bastante aterrado. Embora seja capaz de se maravilhar diante das possibilidades de se viajar com o Doutor,  Rory percebe com mais clareza os riscos envolvidos, e permanece na TARDIS mais para estar perto de Amy do que pela oportunidade de viajar pelo tempo e espaço.

E se o elenco regular apresenta uma excelente dinâmica, a entrega do elenco convidado não fica a dever em nada aos seus colegas. Lucian Msamati como Guido, um pai em busca de sua filha desaparecida, surge representando o povo de Veneza, posto aqui como sendo formado por pessoas sofridas, mas resilientes. Mas quem rouba mesmo o episódio é Helen McCrory como Rosanna, ao nos entregar uma vilã surpreendentemente multifacetada. A atriz trabalha de forma bastante orgânica e coesa diferentes aspectos de sua antagonista, desde a sua natureza sedutora nas cenas com Amy e o Doutor, passando por momentos de uma bem medida vilania mais cartunesca, e até concedendo à vampira alienígena algumas tintas trágicas, vide a sua ótima cena final.

O episódio é dirigido por Johnny Campbell em sua primeira de duas colaborações para a série. Campbell apresenta uma boa condução de sua mise en scène, especialmente em cenas mais movimentadas, como na sequência em que Amy e Rory lutam contra Francesco, o filho de Rosanna. É interessante também como o diretor parece ter um gosto por utilizar o 3º plano e a profundidade de campo para criar a atmosfera de certas cenas, como no primeiro e no último encontro do Doutor e Rosanna. Nos aspectos técnicos, o departamento de direção de arte merece destaque por fazer um ótimo trabalho de reconstituição de época, ao mesmo tempo em que trabalha o contraste da pobreza das ruas de Veneza com a opulência do internato de Rosanna. Os figurinos também são um show à parte, especialmente o usado pelos vilões, que expõem a sua aristocracia ao mesmo tempo em que sutilmente denunciam a sua natureza alienígena.

The Vampires Of Venice mostra-se um episódio bastante típico de Doctor Who, ao articular elementos de ficção científica com terror gótico em uma aventura divertida e espirituosa, o tipo de mistura que esse programa faz como poucos. Mas por trás de sua simplicidade, o episódio não apenas continua a avançar com a trama central da temporada envolvendo as rachaduras no tempo, como também começa a redesenhar a relação que os Companions passariam a ter com as suas vidas normais nos próximos anos da série.

Doctor Who- 05X06: The Vampires Of Venice (Reino Unido, 08 de Maio de 2010)
Direção: Johnny Campbell
Roteiro: Toby Whithouse
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Helen McCrory, Lucian Msamati, Alisha Bailey, Alex Price, Gabriella Wilde, Hannah Steele, Elizabeth Croft, Sonila Vjeshta, Gabriela Montaraz, Michael Percival
Duração: 49 Minutos

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