Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 5X08 e 9: The Hungry Earth e Cold Blood

Crítica | Doctor Who – 5X08 e 9: The Hungry Earth e Cold Blood

Novos Silurianos, velhos conflitos.

por Rafael Lima
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Uma característica da primeira era Davies em Doctor Who foi reintroduzir e atualizar vilões clássicos para a Nova Série, não sendo coincidência que em cada uma das quatro temporadas de Davies, ele reapresentou um membro do quarteto de ouro de antagonistas da Série Clássica– os Daleks, os Cybermen, o Mestre, e finalmente, Davros. Além dos quatro grandes, outros antigos inimigos do Doutor também deram as caras no revival, como os Autons e os Sontarans, sempre trazendo algum tipo de inovação narrativa e/ou estética para esses personagens.

Em um ano em que Steven Moffat tentou emular a mesma estrutura de temporada de seu antecessor como forma de tornar a transição entre os showrunners mais suave, era natural que tivéssemos mais uma reintrodução de antigos vilões recorrentes, com  os Silurianos sendo escolhidos para desempenhar essa função, depois de mais de 25 anos longe da TV. Na trama, a TARDIS se materializa em 2020, em uma pequena aldeia mineradora. Lá, o 11º Doutor, Amy, e Rory descobrem que uma equipe de perfuração vem perdendo equipamentos e até mesmo pessoas para falhas na terra, que inexplicavelmente, tragam tudo para baixo. Ao investigar a situação, o Doutor logo percebe estar lidando com os Silurianos, uma espécie que habitou a Terra antes dos humanos e que ele próprio enfrentou em seu passado.

Escrito pelo futuro Showrunner da série, Chris Chibnall, o arco The Hungry Earth/Cold Blood reapresenta os Silurianos para a audiência moderna completamente redesenhados, usando uma competente maquiagem em vez de máscaras de borracha para retratar as criaturas, além de trazer para o programa as primeiras Silurianas, que aqui ocupam funções militares. Em primeira instância, a escolha por Chibnall para introduzir os Silurianos na Nova Série parece coerente; afinal, diferente de outras espécies vistas no show, os Silurianos não são alienígenas invasores, mas a espécie que dominou a Terra antes dos humanos, e que ao acordarem depois de milênios de hibernação, não ficam nada felizes com a forma que o planeta vem sendo tratado pela nossa espécie. Temos então o tipo de história de caráter ambiental que o roteirista já havia explorado em sua história anterior, 42, e que seria recorrente em seu tempo no comando do programa, como comprovam episódios como Arachnids In The UK e Praxeus.

Doctor Who and The Silurians, o arco do 3º Doutor que trouxe o povo réptil para a TV pela primeira vez, se destacava por trazer o Doutor em uma história onde ele precisava buscar a paz entre duas espécies que tinham o direito de ocupar a Terra, com indivíduos dos dois lados a favor e contra as ideias pacíficas do Time Lord. Infelizmente, as histórias Silurianas que se sucederam na Série Clássica repetiam a mesma estrutura dramática de Doctor Who and The Silurians, e com The Hungry Earth/ Cold Blood não é diferente. O primeiro episódio, The Hungry Earth estabelece com competência uma atmosfera de suspense, ao revelar aos poucos a ameaça dos Silurianos, mantendo até mesmo as suas faces escondidas por um tempo através de máscaras sinistras. Ainda que sofra um pouco por não saber gerenciar o seu grande número de personagens, The Hungry Earth estabelece bem a disputa entre os humanos e os Silurianos, dando motivações razoáveis para cada um dos dois grupos. 

Da mesma forma, esta primeira parte trabalha muito bem os regulares, especialmente O 11º Doutor e Rory. Esse é o primeiro episódio em que Rory parece sentir a possibilidade real de perder Amy, o que gera um ótimo desenvolvimento em sua relação com o Doutor, pois ao mesmo tempo em que o enfermeiro chama a atenção do Time Lord sobre a responsabilidade que este tem sobre os seus companheiros, ele também se coloca à disposição do protagonista, por saber que ele ainda é a melhor chance de resgatar a sua noiva. O Doutor é igualmente desenvolvido em diferentes níveis, seja o seu lado mais suave, mais uma vez mostrado em suas interações com as crianças (o que expõe até certa irresponsabilidade do Gallifreyano quando deixa um menino vagar sozinho durante um ataque Siluriano), como em seus aspectos mais rígidos e focados, vide a sua reação ao sequestro de Amy ou à mentira de uma Siluriana capturada.

O segundo episódio, Cold Blood, deixa os problemas do arco mais evidentes. Apesar de apresentar situações dramáticas promissoras e que proporcionam ótimos dilemas morais, o roteiro de Chibnall não consegue trabalhar os seus coadjuvantes a contento, tirando a força de muitos momentos mais intensos. É evidente, por exemplo, que a sequência em que Ambrose tortura uma guerreira Siluriana, pondo a perder o acordo de paz do Doutor, deveria nos despertar sentimentos dúbios, já que a personagem faz uma grande burrada por razões relacionáveis. Mas o texto, apesar dos esforços da atriz, não consegue fazer Ambrose parecer uma personagem real, enfraquecendo assim a virada da personagem por apoiar-se apenas no arquétipo da mãe desesperada. Da mesma forma, a narrativa não justifica por que o 11º Doutor dá tanto crédito para Nasreen a ponto de acreditar que ela seria capaz de representar o melhor da humanidade e promover a paz entre humanos e Silurianos. Como estamos falando de um arco de duas partes, havia sim tempo disponível para um melhor desenvolvimento desses personagens, prenunciando um problema que se tornaria mais evidente quanto Chibnall assumisse as rédeas do programa.

A segunda metade de Cold Blood, ainda que siga a estrutura dramática das histórias silurianas da Série Clássica, propõe um fim mais otimista para o conflito central, fornecendo a esperança de que, no futuro, humanos e silurianos possam viver em harmonia. É um desfecho que combina com o tom mais esperançoso adotado pela era Moffat, mas novamente, essa esperança é pouco fundamentada pelo roteiro. Da mesma forma, a simples decisão do Doutor em sentar as duas espécies em uma mesa para tentar um acordo para dividir a Terra, no que é reconhecido pelo próprio Time Lord como uma alteração do curso da História (ainda que não de um ponto fixo), prenuncia a visão do mandato de Moffat sobre a capacidade do protagonista de modificar a linha do tempo. Diferente de Davies, que tinha uma visão muito mais rígida sobre a integridade do tempo e que nem mesmo o Doutor poderia desafiar, vide The Waters of Mars, os anos Moffat muitas vezes trariam a máxima de que “a história pode ser reescrita, em uma abordagem que se tornaria recorrente nos anos de Matt Smith no comando da TARDIS.

O arco também volta a dar destaque para a trama central envolvendo as rachaduras no tempo, mais uma vez apontando a mudança proposta por esse 5º ano de que os arcos principais teriam grande impacto ao longo da temporada, em vez de serem tratados apenas no Finale. E impacto é mesmo a palavra para ser utilizada, quando testemunhamos não apenas a morte de Rory por um disparo siluriano, mas o seu total apagamento da realidade, quando a rachadura consome o seu corpo. Essa cena, em especial, dá a chance para Karen Gillan brilhar após passar boa parte da história escanteada, permitindo a atriz passar por uma montanha russa emocional que vai do desespero pela morte do noivo, passando por uma breve confusão mental, até a total euforia pela aventura quando as memórias de Rory (e da perda que sofreu) são apagadas. Por outro lado, diferente do que houve em The Time Of The Angels/Flesh And Stone, a articulação do arco da temporada com a história do episódio em si não é muito bem costurada, com os Silurianos sendo esquecidos da mesma forma que Rory quando a rachadura surge em cena.

A direção do arco ficou nas mãos de Ashley Way em sua única contribuição para o programa, o que é uma pena tendo em vista como o diretor consegue elevar o episódio mesmo em alguns de seus momentos mais fracos. É feito um ótimo uso da sempre eficiente trilha de Murray Gold, ao mesmo tempo em que o trabalho de edição também se destaca, especialmente em Cold Blood, ao utilizar rápidas passagens de flashback que, mesmo sendo didáticas, colaboram com as passagens dramáticas onde estão inseridas sem soarem intrusivas.

The Hungry Earth/Cold Blood cumpre a sua função de apresentar os Silurianos para as audiências modernas, sendo especialmente bem sucedido na parte estética, dando uma credibilidade visual para essa espécie que a Série Clássica nunca foi capaz de dar. O arco também é um ponto de virada importante para a temporada, em uma reviravolta sustentada principalmente pelo talento e química de seu trio protagonista. Entretanto, não há como negar que o roteiro traz carências no desenvolvimento de seus coadjuvantes, o que acarreta uma resolução apressada de seu conflito central, deixando-nos com a impressão de estarmos diante de uma história apenas funcional, cujos momentos de maior destaque se encontram nos dez minutos finais de uma narrativa de noventa minutos. Ainda é um bom arco, mas acho que os Silurianos mereciam bem mais.

Doctor Who – 5X08 e 9: The Hungry Earth / Cold Blood (Reino Unido,  22 de Maio de 2010, 29 de Maio de 2010)
Direção: Ashley Way
Roteiro: Chris Chibnall
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Neve McIntosh, Meera Syal, Robert Pugh, Nia Roberts, Alun Reglan, Richard Hope, Stephen Moore
Duração: 90 Minutos.

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