Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – 6X04: The Doctor’s Wife

Crítica | Doctor Who – 6X04: The Doctor’s Wife

O Doutor e a TARDIS, uma história de amor pelo tempo e espaço.

por Rafael Lima
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Neil Gaiman é um dos mais importantes escritores britânicos de fantasia do Século XX. Tanto na literatura quanto nos quadrinhos, a obra de Gaiman, formada por materiais como Sandman e Belas Maldições instigou os leitores pela forma como trabalha temáticas e universos abstratos, reimaginando conhecidos elementos mitológicos dentro de cenários contemporâneos. Assim, não é surpresa que muitos tenham se empolgado quando foi anunciado que Gaiman escreveria um episódio de Doctor Who. Como base de seu roteiro, Gaiman optou por usar um dos conceitos mais antigos dá série (apresentado pela primeira vez no arco The Edge Of The Destruction), que aponta que a TARDIS é muito mais do que uma nave, mas sim uma máquina senciente, que muitas vezes, entende os seus tripulantes melhor do que eles mesmos, e que divide um vínculo profundo com o Doutor.

Na trama, ao receber um sinal de socorro, o 11º Doutor, Amy, e Rory, adentram a um universo de bolha em busca de um Time Lord sobrevivente. Mas ao chegarem lá, uma misteriosa entidade arranca a consciência da TARDIS da máquina, aprisionando-a no corpo de uma mulher doente, e possui a estrutura da nave, escapando do Universo Bolha juntamente com Amy e Rory. Agora, enquanto o casal de Companions tenta sobreviver dentro da nave possuída por uma entidade maléfica, o Doutor e sua TARDIS (que em forma humana se apresenta como Idris) precisam encontrar uma forma de escapar e salvar os amigos do Time Lord, antes que seja tarde demais.

The Doctor’s Wife gira em torno da solidão do Doutor, e de como a sua relação com a TARDIS alivia essa solidão, através de uma conexão praticamente cósmica. É interessante como já em seus primeiros minutos, a trama retoma a relação do Doutor com o seu povo sob uma luz mais otimista, ao mostrá-lo exultante diante da chance de encontrar um velho amigo Gallifreyano, em um contraste com as reações desesperadas do 10º Doutor cada vez que era posto diante da possibilidade de haver sobreviventes de sua raça. Essa escolha de roteiro reforça o desejo do Doutor por um tipo de conexão que os Companions não podem fornecer, e que será trabalhada ao longo do episódio, mas também é um sinal da visão mais positiva que a Era Moffat lançaria para os Time Lords, ao sinalizar que o protagonista não era o único dos bons entre os Senhores do Tempo.

Idris, vivida por Suranne Jones em uma performance cheia de energia, nos lembra que por mais que o Doutor adore os seus companheiros, eles nunca serão capazes de compreender completamente como ele vê o mundo. Talvez mais do que o próprio Doutor, a TARDIS se relaciona com o tempo de uma forma diferente do que o resto de nós. Através dos diálogos de Idris, Gaiman tem a chance de brincar mais profundamente com os conceitos abstratos que lhe são tão caros, tanto pela confusão da TARDIS de ver o passado, presente e futuro como coisas separadas, quanto pela forma como lida com antônimos como vida e morte, olá e adeus. Mas as semelhanças entre Idris  e o Doutor vão além de sua relação com o tempo.  Idris é obviamente tão aventureira quanto o seu piloto, e sugere que, talvez, ela o tenha roubado de Gallifrey, e não o contrário. De fato, quando o Doutor enfim tem a chance de reclamar diretamente para  a TARDIS que ela está longe de ser o meio de transporte mais confiável para se chegar onde se quer, a resposta dela revela aquilo que grande parte do público já sabia: ela prioriza levar o Doutor aonde ele precisa estar ao invés de onde ele quer estar.

O roteiro, apoiado pela química entre Matt Smith e Suranne Jones explora os conflitos entre o Doutor e a TARDIS, que agora podem ser verbalizados, de forma muito divertida. O trecho em que a dupla constrói uma nave descartável, com os restos de outras naves do tempo destruídas pelo vilão House, é comédia pura, com uma Idris crítica observando o Time Lord fazer o trabalho braçal, como o arquétipo do casal que está junto à séculos (literalmente nesse caso). Mas se o Doutor e Idris trazem os momentos mais engraçados e emocionantes do episódio, cabe a Amy e Rory conduzir os trechos mais tensos. Essa seria a primeira vez que a Nova Série exploraria o ambiente da TARDIS além da sala de controle, mostrando os corredores, escadas e até a antiga sala de controle da nave do tempo, usada durante os primeiros anos do revival. A questão é que agora a consciência que ocupa a TARDIS é a de uma entidade homicida, que usa a tecnologia do local para criar distorções de tempo e espaço para aterrorizar o casal de Companions.

A direção do episódio ficou a cargo de Richard Clark, um veterano do programa, que entrega aqui o seu melhor trabalho para o Show. Claro, os devidos méritos devem ser dados ao trabalho de fotografia e de direção de arte, que conferem ao episódio a estética de fantasia perseguida pelo roteiro. Mas o trabalho de Mise-en-Scéne de Clark tira o melhor das interações de cada personagem, valorizando até pequenos detalhes, como a natureza cuidadosa de Rory como um enfermeiro quando ele tenta socorrer uma Idris moribunda. A decupagem é igualmente eficiente por entender que mais do que nunca, os ambientes devem agir como personagens, o que se torna evidente especialmente nas passagens situadas na TARDIS ocupada pelo vilão House (dublado por Michael Sheen).

The Doctor’s Wife é facilmente um dos grandes episódios da era do 11º Doutor. O roteiro escrito por Neil Gaiman traz uma série de ideias muito ricas, em uma aventura que encontra organicamente espaço para trabalhar passagens de comédia, drama, e até terror, e que presta homenagens tanto para a Série Clássica quanto ao passado da Nova Série. Mas no coração dessa trama, Gaiman analisa e humaniza a relação mais duradoura do programa; o núcleo de Doctor Who, que é a conexão entre o protagonista e a sua amada TARDIS. Afinal, como Amy Pond coloca ao fim do episódio, no final do dia, é sempre sobre o Doutor e a TARDIS, e de como ambos não só aliviam a solidão um do outro; mas se tornam melhores por isso, estando sempre onde o universo precisa que eles estejam.

Doctor Who- 6X04: The Doctor’s Wife (14 de Maio de 2011)
Direção: Richard Clark
Roteiro: Neil Gaiman
Elenco: Matt Smith, Karen Gillan, Arthur Darvill, Suranne Jones, Michael Sheen, Paul Kasey, Adrian Schiller, Elizabeth Berrington
Duração: 47 Minutos.

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