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Crítica | Doctor Who 8X08: Mummy On The Orient Express

por Luiz Santiago
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_ Alô. Oi. A conexão está ruim… Não é possível, ela estava trancada no Sétimo Obelisco. Entendo a importância. Uma deusa egípcia solta no Orient Express. No espaço. […] Não se preocupe, Sua Majestade. Estamos a caminho.

11º Doutor em The Big Bang (episódio final da 5ª Temporada).
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Desde que se tornou showrunner de Doctor Who, em 2010, Steven Moffat adotou três modelos diferentes de administração das temporadas e do teor na escrita dos roteiros. O primeiro, aplicado unicamente à 5ª Temporada, seguia o caminho da adaptação do Doutor à nova onda de coisas que apareceram para ele no final da 10ª encarnação. Ele sabia que já não estava mais sozinho e tinha passado por um grande número de provações junto aos seus companions.

Então, do Doutor mais “humano” (10º), veio o mais “anacrônico” (11º), um velho num corpo jovem e que tinha um grande apreço por ajudar crianças, talvez porque ele mesmo agia constantemente como criança. O amadurecimento progressivo e as sombras dessa maturidade foram o ponto central das temporadas 6 e 7, quando Moffat alterou o modelo de escrita para plots explosivos e com mais perguntas a curto e longo prazo do que respostas ou desenvolvimento das personagens. O aniversário de 50 anos da série e a antiga promessa do showrunner em trazer e respeitar mais elementos canônicos marcou os Especiais de 2013 e, evidentemente, a 8ª Temporada, até agora, a mais consistente de toda a Nova Série e com o Doutor mais “caoticamente alien” de todos.

Mummy on the Orient Express é mais um exemplo de que este ano de Doctor Who está marcado não só por um excepcional diálogo metalinguístico consigo mesma como também por uma verdadeira exploração da dinâmica entre Time Lord e companion, aqui, centrada em Clara e no Doutor. Mesmo não tendo gostado da mudança abrupta ao final do episódio (minha única reclamação em relação ao roteiro), devo reconhecer que o estreante Jamie Mathieson fez um maravilhoso trabalho na construção de um lado dual para a dupla. Clara passa a aventura inteira esperando que o Doutor faça “algo de errado” (ou seja, repita o jogo moral de Kill the Moon) e, no final das contas, acaba quebrando a cara e enfim admitindo que o amigo dela é um alien e que as ações dele, por mais moralmente humanas que pareçam algumas vezes, nunca devem ser julgadas como tal. Suas motivações são de outra ordem.

Neste episódio, vemos o retorno de um acontecimento da era do 11º Doutor, o misterioso telefonema que ele recebeu na TARDIS logo após o casamento de Amy e Rory. Jamie Mathieson cria um perfeito cenário para a citação desse passado e nos apresenta uma história de várias camadas daí advindas, funcionando não só dentro da linha da temporada (com direito à pergunta: quem é Gus?), como no fortalecimento da relação entre o Doutor e Clara, um dos pontos fortes do episódio exceto pela cena em que a companion muda de opinião em uma rápida explosão de alegria à margem do tom do episódio.

Na galeria de citações clássicas temos uma incrível imitação que Peter Capaldi (oh deus Capaldi que estás na TARDIS!) faz de Tom Baker; uma cigarreira com jelly babies; a hilária corruptela “Are you my mummy?” e a aparência estética vinda do episódio Voyage Of The Damned.

A direção Paul Wilmshurst aqui é ainda mais exigente do que em Kill the Moon e nos mostra um ótimo aproveitamento do espaço claustrofóbico do trem/laboratório – aliás, a mudança foi uma grata surpresa, seguida em alto estilo pelo tom do roteiro e pela excelente fotografia de Ashley Rowe, que conseguiu bons resultados tanto no estilo vintage, quase sépia e com filtros quentes do Expresso Oriente Espacial, quanto no estilo branco-azulado e neutro do laboratório que Gus preparou para que o Doutor e o grupo de cientistas capturassem o Foretold, a Múmia-Soldado.

Destacamos ainda a forma como o tema do militarismo aparece no episódio, dando sustentação a uma das linhas dramáticas da temporada. O capitão do Expresso Oriente era um soldado reformado que havia passado pelo mesmo estresse pós-traumático que Danny Pink, e o anti-vilão da vez era um soldado forçado a continuar lutando, mesmo depois de morto. Perceba que a implicação é medonha, moralmente repugnante e penosa ao mesmo tempo. E o engraçado é que por mais que o Doutor tente fugir de militares nesta temporada, eles teimam em aparecer em sua timeline.
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Breves comentários e outras referências

a) O 12º Doutor vive um momento em que muitas de suas ações dão a impressão de que ele é um homem sem coração (metaforicamente falando, claro). Todavia, se olharmos para alguns de seus diálogos mais íntimos com Clara, veremos que o traço de fofura ainda está lá em seus corações, porém, o peso da idade e a fase mais friamente racional de sua vida o faz colocar as circunstâncias em primeiro lugar, mesmo que isso cause uma péssima impressão em todos ao seu redor.

b) Para os espectadores cinéfilos, a sequência em que o Soldado-Múmia se rende é uma das mais interessantes de todo o episódio. Para os que veem na superfície, a solução foi rápida demais, mas percebam que tudo o que estava ali já tinha sido apresentado no decorrer do episódio. Não haviam novidades. Faltava apenas o “fator resolução” e ele foi orgânico e perfeitamente cronometrado pela ótima montagem de John Richards.

c) Não podemos nos esquecer que este episódio é uma versão do ótimo romance de Agatha Christie, Assassinato no Expresso Oriente (1934). O roteiro de Jamie Mathieson coloca o Doutor como Hercule Poirot de uma maneira muitíssimo similar àquela que a escritora faz na obra (guardadas as devidas proporções, claro), o que torna todas as referências textuais ainda mais interessantes.

d) Os “momentos Clara” do episódio são quase todos excelentes (minha exceção vocês já sabem). A conversa dela com o Doutor na área comum do trem; o brinde à “última festa”; as sequências dela com Maisie e o diálogo com o Doutor após a explosão do Expresso Oriente são todos bem escritos e atuados. Dá gosto de ver.

e) A versão jazzística da Foxes para Don’t Stop Me Now, do Queen, é simplesmente incrível e caiu como uma luva para o episódio. E a propósito da música, Murray Gold apresenta mais 2 novos e belos temas e uma variação para esse episódio.

f) Sem contarmos as roupas espaciais, o Doutor usa aqui a sua segunda variação de figurino (a primeira foi em The Caretaker) e ficou ótimo nela! A referência ao modelo de gravata-borboleta que o 1º Doutor usava é evidente.

g) Eu já recrutei o meu time ideal para a 9ª Temporada da série: 12º Doutor, Psi, Saibra e Perkins, o engenheiro-chefe interpretado pelo humorista britânico Frank Skinner, confesso fã de Doctor Who e que vinha pedindo para Moffat um papel na série desde 2010! Façamos macumbas gallifreyanas para vermos esses três “marinheiros de uma viagem” de volta à TARDIS e, de preferência, juntos!

Doctor Who 8X08: Mummy On The Orient Express (Reino Unido, 2014)
Direção: Paul Wilmshurst
Roteiro: Jamie Mathieson
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Samuel Anderson, Frank Skinner, John Sessions, Foxes
Duração: 45 min.

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