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Crítica | Doctor Who and an Unearthly Child, de Terrance Dicks

Uma aventura em 10.000 a.C.

por Luiz Santiago
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Baseado no roteiro de Anthony Coburn para o primeiro arco da Série Clássica, Doctor Who and an Unearthly Child é uma novelização muito competente da Target Books (escrita pelo experiente Terrance Dicks) para a curiosa aventura de origem da série. Esse projeto literário da editora começou muito cedo, já em novembro 1964 (lembrando que a série estreou em novembro do ano anterior!), com a publicação de Doctor Who in an Exciting Adventure with the Daleks, escrito por David Whitaker e adaptando o segundo arco da série, The Daleks. Ler uma novelização de Doctor Who é algo novo para mim. Esta é, de fato, a primeira que eu leio da série, e uma das poucas que já li de algum tipo de produção audiovisual. A experiência é muito interessante, porque nossa atenção foca em outros elementos da trama e a gente consegue refletir sobre um número maior de elementos das entrelinhas, já que conhecemos previamente a história.

Uma das melhores coisas que temos em uma novelização é não ter de lidar com dramaturgia ruim. Em outras palavras: não ter que ouvir os gritos de Susan (que não eram culpa da atriz: foi uma exigência para a construção do papel dela) é um bálsamo. E em termos gerais, a história é realmente boa. Terrance Dicks começa contextualizando o espaço do ferro-velho onde a TARDIS está materializada e, nos 12 capítulos em que divide o livro, nos traz blocos de ação que valorizam diferentes grupos de personagens, todos com ligações bem pensadas entre eles. Num primeiro momento, a exibição do cenário. Depois, o contato de Susan com seus professores da Coal Hill School (Ian e Barbara), seguindo-se a entrada do 1º Doutor e, por fim, a viagem à pré-História.

Tudo o que diz respeito à parte de construção de personagem, desde as suas características à visão que o leitor terá dele, através de seus diálogos, atitudes e relações com os outros, recebeu maior atenção do autor. De longe, esta é a melhor coisa que conseguimos tirar desse volume. Susan é a que menos recebe atenção nesse aspecto, mas confesso que não vi nisso um problema. A maneira como ela aparece, condiz com a pequena importância da personagem nesse início da série, servindo apenas de complemento de informações, uma saída inteligente para que o texto não fique tão grandiosamente didático. As cenas dela na escola, e depois, na TARDIS, tentando impedir que o avô sequestrasse seus professores, são as melhores. Já a sua atuação na pré-História é irrelevante — e digo isso tanto para o arco, quanto para o livro, com a diferença de que no arco ela só tropeçava e gritava, e aqui, graças as bênçãos dessa mídia, esses problemas patéticos de roteiros do tipo “garota em perigo” são diminuídos.

A verdadeira ampliação de personagem que essa novelização nos traz, porém, é para o Doutor. Existem passagens genuinamente engraçadas, com o Doutor dando as patadas mais intensas em Ian e sendo colocado contra a parede por Barbara, que faz ácidas observações sobre o orgulho do gallifreyano, sobre como ele se via superior aos terráqueos. É possível notar, a cada capítulo, nuances muitíssimo bem colocadas de como o Time Lord abstrai a atitude dos professores de sua neta e começa a dar o braço a torcer para algumas coisas. Começa a ser forçado a aceitar o que ele já sabia, mas não queria tomar para si. Nessa fase da vida (e esta é uma análise em retrospecto, nunca podemos nos esquecer), o Doutor é um grande trauma ambulante, tentando não cair nas mãos dos Time Lords e tentando manter a postura garbosa que sua civilização lhe ensinou. É justamente nesta viagem que ele entende que não vale mais a pena vestir essa máscara. Uma semente de mudança começa a crescer.

Eu gostei dos momentos na pré-História. Claro que eles mereciam uma abordagem de cenário mais ampla, assim como cenas que explorassem melhor os hábitos da tribo. Mesmo assim, o leitor consegue traçar uma vívida imagem da floresta, da caverna e da grande luta desses homens e mulheres de 10.000 a.C. para aprender a fazer fogo. A disputa entre jovens guerreiros para serem chefes da tribo também é legítima e historicamente bem amparada, salvo a parte romantizada de seus dilemas e o heroísmo, que serve apenas à ficção. Até a passagem para o encerramento é mais interessante aqui, com o Doutor, Susan, Ian e Barbara correndo para a TARDIS, livrando-se da prisão dos homens pré-históricos. A partir desse ponto, achei desnecessária a ligação detalhada com a futura aventura contra os Daleks. O autor estendeu demais a corda, quebrando o orgânico clima conclusivo que tinha conseguido alguns parágrafos antes, diminuindo, no último momento, a força de um bom final.

Doctor Who and an Unearthly Child (Reino Unido, 15 de outubro de 1981)
Target Novelisation #68
Autor: Terrance Dicks
Editora original: Target Books
Capa original: Andrew Skilleter
151 páginas

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