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Crítica | Doctor Who: Asilo, de Peter Darvill-Evans

Uma boa história enfraquecida por duas ideias que não conversam.

por Rafael Lima
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Equipe: 4º Doutor, Nyssa
Espaço: Londres, Oxford, Planeta Colônia
Tempo: 1278, 1346, 3488

Quando um autor se mete a besta em escreve um livro, ele tem uma ideia central que o levará a história que quer contar. Durante o processo de escrita, o escritor vai ter novas ideias, mas às vezes, essas ideias não conversam com o conceito central da obra, e alguns autores são sábios para guardá-las para outra oportunidade. Infelizmente, essa não foi a escolha de Peter Darvill-Evans em Asilo. Na trama, enquanto investiga uma anomalia temporal, o Quarto Doutor conhece uma acadêmica em 3488 cuja tese sobre Roger Bacon sofreu misteriosas alterações. Essa acadêmica é Nyssa, uma ex-Companion, que o Time Lord ainda não conheceu nesse ponto de sua linha do tempo. Estando à beira de uma estafa, Nyssa acompanha o 4º Doutor até a Oxford de 1278, de onde a anomalia se origina, em busca de um refúgio. Mas chegando lá, o Doutor precisa se unir ao inspetor de um mosteiro franciscano para solucionar um assassinato ocorrido na instituição, crime que parece ligado a Roger Bacon, um dos mais polêmicos monges da ordem.

Em Asilo, Peter Darvill- Evans entrega um thriller detetivesco histórico, tendo no clássico O Nome Da Rosa, de Umberto Eco, a sua grande referência. Ainda que exista um elemento de ficção científica (além da TARDIS e seus viajantes), ele é tão sutil, que a história quase poderia passar por um histórico puro, já que são os elementos investigativos que estão em foco aqui. A investigação do 4º Doutor é bem construída, com a trama manipulando bem os clichês das histórias de detetive de modo a engajar o leitor no mistério apresentado, mesmo que a resolução desse mistério não seja tão difícil de antecipar. 

O romance, entretanto, não está interessado só na investigação dos assassinatos em si, mas também está interessado nas consequências sociais e políticas dos crimes. O autor faz um bom trabalho contextualizar o ambiente e o período, tratando de temáticas como a segregação antissemita que chega a níveis alarmantes à medida em que as mortes continuam e o povo judeu passa a ser acusado. Da mesma forma, o autor traz as tensões políticas que existiam entre os diferentes braços do protestantismo, com os crimes no mosteiro e as possíveis atividades hereges de Roger Bacon sendo usadas por forças ligadas à coroa britânica para enfraquecer a influência dos franciscanos em Oxford.

A prosa de Darvill-Evans é excelente em sua construção de mundo; fruto de uma pesquisa muito bem realizada, fazendo o leitor visualizar a Oxford de 1278 como um cenário orgânico. As descrições do mosteiro franciscano, da universidade e dos guetos judeus não são apenas imagéticas, elas transmitem uma sensação histórica de uma Idade Média que, aos poucos, começava a se encaminhar para o fim. Da mesma forma, o autor utiliza o próprio ambiente do mosteiro para tratar de diferentes temáticas perfeitamente encaixadas na narrativa central, como o monge que mantinha um caso homossexual com a primeira vítima do assassino; e a sempre interessante discussão sobre a dinâmica entre ciência e religião, que surge aqui através da figura de Roger Bacon, famoso filósofo e alquimista desse período.

O mistério de assassinato na Oxford do Séc. XIII foi claramente a ideia que originou o livro, como fica evidente no posfácio, mas o encontro fora de ordem de Nyssa com o 4º Doutor soa deslocado. O problema com a presença da Trakenite não é de continuidade. O problema é que Nyssa carrega uma subtrama que não se comunica com a trama central até às últimas páginas. Encontramos a Trakenite oito anos após os eventos de Terminus, buscando alguma paz dando aula em uma universidade num planeta-colônia, após atuar em zonas de guerra e de praga. Nyssa está à beira de uma estafa mental quando encontra o Quarto Doutor, o que já cria um problema na trama da personagem. Nyssa embarca na TARDIS em busca de um pouco de paz para a sua vida, entretanto, depois de tanto tempo viajando com o Doutor, ela deveria saber que aquela caixa azul raramente leva alguém para a tranquilidade, tornando a frustração da moça um pouco irritante.

Mas isso não é o maior problema com a personagem neste livro. Após Nyssa e o Doutor chegarem a Oxford, Nyssa se refugia em um castelo da região, a convite de uma nobre com quem ela e o Doutor fizeram amizade, e a partir desse ponto, tudo o que ela faz é ficar sentada no jardim do castelo refletindo sobre a vida. Entendo que a intenção de Evans era realizar um estudo de personagem, analisando uma Companion que embora tenha uma das bagagens mais trágicas da série, sempre agiu de maneira fria e distante. É uma proposta interessante, e que já foi tema de algumas obras do universo expandido, como Império Da Morte, de David Bishop, mas Asilo não chega nem perto de ser bem sucedido quanto a isso. O autor coloca Nyssa ficando histérica com qualquer menção a qualquer tipo de violência ou perigo, fazendo de tudo para preservar o seu retiro espiritual, o que torna a personagem bem irritante dentro da história. A intenção parece ter sido retratar algum tipo de depressão ou estafa mental, mas decididamente isso não é bem construído.

Falando um pouco sobre os personagens, podemos dizer que Darvill-Evans consegue transpor o Doutor de Tom Baker para as páginas de forma bastante competente, captando de forma orgânica os maneirismos do 4º Doutor, tal como a sua postura enigmática e comportamento alegremente errático. O retrato de Nyssa, como dito acima, já não funciona tão bem. Há uma clara tentativa de desconstruir a personagem, mas esta não é bem sucedida, já que a instabilidade da Ex-Companion não é bem construída. Talvez o mais frustrante na participação da Trakenite seja constatar que não há uma boa justificativa do porquê essa história precisava de uma Companion do futuro do Doutor, já que ela praticamente não interage com a trama central e nem com o próprio Time Lord, nos deixando com a sensação de que uma personagem original poderia ter desempenhado basicamente a mesma função.

Quanto aos personagens originais, o Irmão Alfric, inspetor do mosteiro; mostra-se um dos destaques, sendo o real companheiro do Doutor durante a maior parte da obra. Alfric desenvolve uma ótima química com o protagonista, em uma parceria bastante divertida, em que muitas vezes um guarda segredos do outro. O retrato da figura histórica de Roger Bacon também é carismático, apresentando aquele tipo de personagem idoso que parece saber e ser capaz de muito mais do que aparenta. Já personagens como Richard de Hockley, um cavaleiro que se apaixona perdidamente por Nyssa, só para ser constantemente rejeitado por ela; e Lady Matilda, a nobre que hospeda a Trakenite e fica tentando empurrá-la para o cavaleiro, já não são tão interessantes quanto o núcleo do mosteiro.

Asilo é um romance que consegue engajar o leitor com uma trama detetivesca muito bem contada, que é enriquecida pela forma como o autor se utiliza do cenário e da ambientação histórica para dar algum frescor aos clichês desse tipo de história. Por outro lado, é uma pena que a interessante história de investigação seja constantemente interrompida pelo entediante e irritante retiro espiritual de Nyssa, que não acrescenta nada para o contexto geral da obra. Ainda é um bom livro de Doctor Who, mas que é imensamente prejudicado pelo autor não ter renunciado a algumas ideias que não conversavam com o cerne de sua narrativa.

Doctor Who: Asilo (Asylum)- Reino Unido. 07 de Maio de 2001
Autor: Peter Darvill-Evans
Past Doctor Adventures # 41
Publicação: BBC Books
232 Páginas

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