Marc Platt parece ter decidido que a melhor forma de explorar os conceitos de tempo e realidade seria jogando o leitor num liquidificador narrativo, onde passado, presente e futuro se misturam numa pasta indistinguível que mal consegue sustentar suas próprias ambições temáticas. Cat’s Cradle (eu ia traduzir para “cama de gato“, mas achei melhor deixar o termo em inglês mesmo): O Crisol do Tempo traz uma jornada pelos caminhos temporais da TARDIS, mas entrega uma experiência de leitura que testa a paciência até dos mais dedicados whovians, criando um labirinto textual onde as boas ideias se perdem numa saga desnecessariamente formal e confusa.
Quando a nave do 7º Doutor se transforma numa cidade paradoxal devido à interferência de uma criatura parasitária conhecida como O Processo, somos apresentados a uma estrutura narrativa que se dobra sobre si mesma repetidas vezes, criando camadas de complexidade que parecem existir mais para impressionar do que para comunicar algo substancial. Os Chronauts gallifreyanos — depois renomeados Phazels numa das muitas decisões arbitrárias do enredo — vagam por essa paisagem urbana desolada em busca de um “futuro roubado“, conceito que permanece duvidoso até as últimas páginas e, mesmo então, carece de uma definição satisfatória que justifique toda a construção labiríntica ao seu redor.
Platt brinca com o conhecimento enciclopédico sobre a mitologia de Gallifrey, inserindo elementos como as Pítias proféticas e sua rivalidade com Rassilon, além de detalhes sobre a organização social dos Senhores do Tempo que poderiam render discussões fascinantes em melhores contextos. Porém, essas informações chegam para nós como um tsunami de dados soltos, sem tempo para absorção ou reflexão, transformando o que poderia ser uma rica construção de mundo num caos narrativo que apenas contribui para a sensação de desorientação que permeia toda a leitura.
Personagens como Vael mostram os problemas estruturais da obra: um cadete gallifreyano com poderes destrutivos e conexões proféticas que deveria funcionar como antagonista secundário, mas cujas motivações permanecem fracas e cujo arco narrativo vira simbolismos vazios sobre destino e predestinação. Mesmo o Doutor, tradicionalmente o eixo carismático das histórias (especialmente o manipulador em questão), passa grande parte do romance sem suas memórias e com personalidade distintiva, reduzido a um fantoche que reage aos eventos sem a sagacidade que define o personagem, deixando Ace como única âncora emocional numa narrativa que parece determinada a alienar seus leitores através de abstrações temporais em camadas.
Surpreendentemente, as sequências de ação protagonizadas por Ace representam os raros momentos onde a narrativa ganha clareza e propósito. O autor possui competência técnica quando se propõe a escrever cenas diretas e intensas. Só que esses breves respiros de lucidez apenas ressaltam o contraste com o restante do livro, onde conceitos como o Banshee Circuit da TARDIS ou as múltiplas fases temporais coexistentes são apresentados sem o desenvolvimento necessário para que façam sentido orgânico dentro da trama, acabando tudo em jargão pseudocientífico que mascara a ausência de um texto sólido, coerente e gostoso de ler.
Talvez o maior pecado de Time’s Crucible seja sua incapacidade de escolher uma direção temática e segui-la até suas conclusões lógicas. Entre explorações sobre identidade, análises da natureza cíclica do tempo, comentários sobre poder e escravidão e divagações metafísicas sobre o conceito de futuro, o romance se perde em suas próprias pretensões intelectuais, falhando em desenvolver qualquer uma dessas linhas com a profundidade necessária para justificar a complexidade imposta ao leitor, que termina a leitura com mais perguntas do que quando começou — e não no sentido positivo de uma obra que provoca reflexão, mas na frustração de quem tentou montar um quebra-cabeça com metade das peças faltando e a outra metade pertencendo a jogos diferentes.
Doctor Who: Cat’s Cradle – O Crisol do Tempo (Cat’s Cradle: Time’s Crucible) — Reino Unido, 20 de fevereiro de 1992
Virgin New Adventures #5
Autor: Marc Platt
Capa original: Peter Elson
Editora: Virgin Books
275 páginas