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Crítica | Doctor Who: Fusão a Frio, de Lance Parkin

por Luiz Santiago
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Equipe: 5º Doutor, Adric, Tegan, Nyssa / 7º Doutor, Chris, Roz
Espaço: Colônia humana não nomeada
Tempo: 31 de outubro de 2592

Sabe-se, da fusão nuclear, que ela só pode acontecer sob a influência de altas temperaturas. Em 1989, porém, dois cientistas — Martin Fleischmann e Stanley Pons na Universidade de Utah — apresentaram, em uma coletiva, um cenário que imediatamente se tornou polêmico e fez com que boa parte da comunidade científica atribuísse engano, má interpretação de dados ou até má fé nas informações dos pesquisadores de que eles haviam conseguido realizar uma reação nuclear de baixa energia (low energy nuclear reaction — LENR), ou seja, uma fusão a frio. Resumindo, os cientistas obtiveram a uma reação da fusão nuclear em condições de temperatura ambiente, em vez de submetida aos milhões de graus requeridos para as reações da fusão do plasma.

Com base nesse princípio, Lance Parkin pensou em uma colônia humana não nomeada, no final do século XXVI, onde esse tipo de reação fosse possível e colocasse todos em uma grande ameaça. Talvez seja por este motivo que o primeiro elemento que vemos no livro nos choca: a “descendente” da UNIT virou Unitatus e funciona com uma abordagem violenta e xenofóbica em relação a tudo o que é alien, tendo essa postura (pasme!) vindo das análises da presença do Doutor como consultor da antiga organização, a partir de Spearhead from Space.

O 5º Doutor acabara de firmar sua regeneração em Castrovalva e seu contato com Adric, Tegan e Nyssa ainda é um pouco errático. O autor faz propositalmente uma abordagem contrastante para a postura dele versus a postura do 7º Doutor, que sabendo do destino de Adric em Earthshock, se mostra o mais reservado, polido, objetivo e até rude possível; não no sentido vil da palavra, mas no sentido de que ele precisava se guardar para não falar e nem demostrar emoção demais. O texto é forte e representa isso com coesão, sem praticamente nenhum tropeço no meio do caminho (as ausências desavisadas incomodam um pouco do meio para o final, mas é só isso mesmo).

A luta física e ideológica que acontece nessa colônia também se torna um ponto forte no enredo à medida que os dois lados criam situações para os companions e para os dois Doutores. O local é controlado pela Scientifica, uma base governista/administrativa tecnocrata que enfrenta rebeldes enquanto força os recursos naturais do planeta ao máximo. O 5º Doutor se espanta pelo fato de haverem Adjudicators no local. Ele não sabe, mas o mesmo distúrbio no Vortex que forçou a sua chegada emergencial na colônia também chamou a atenção da Guilda dos Adjudicators. E isso se torna ainda mais marcante porque dois membros importantes dessa organização político-militar possuem agendas completamente diferentes em relação à nave que caiu ali antes do(s) Doutor(es) chegar(em).

O leitor deve ter em mente que os eventos se tornam mais aceitáveis e simples para o 7º Doutor porque ele já viveu aquilo. Claro que ele não se lembra de tudo — e tem uma deliciosa confusão com o desarmamento de uma bomba que comprova isso –, mas a maior parte dos eventos ainda estão em sua memória e ele faz de tudo para não alterar algo que sabe que irá acontecer. Vale dizer aqui que o encontro dos dois Doutores parece extremamente natural. Existem algumas faíscas, mas elas não ganham o destaque absoluto no texto. Há muito mais coisas em jogo que exige a ação em conjunto dos dois para que fiquem brigando, muito embora, novamente digo, estão claras as posições contrastantes, uma intenção coerente com o fato de que um dos dois protagonistas já viu aquilo tudo acontecer.

A misteriosa Patience (nome dado por Tegan) é uma das personagens que nos deixa com um baita ponto de interrogação. Aqui, temos indicações do passado de um certo Time Lord (ou apenas gallifreyano?) que é conhecido no Universo de Doctor Who como O Outro (the Other). Há uma debatível teoria de que esse “Outro” seja o Doutor antes de sair de Gallifrey, nos tempos em que era embaixador pelo seu planeta [confira todos os detalhes na  linha do tempo do 1º Doutor].

Curioso é que a ligação psíquica do 5º Doutor com Patience mostra o esposo dela (Lance Parkin deixa absolutamente claro em A-History que a face que o 5º Doutor vê como marido de Patience é a de Douglas Camfield, um dos rostos da “possíveis prévias regenerações” em The Brain of Morbius) e, em outra ocasião, cenas do 1º Doutor entre os quadrinhos Dr Who and the Daleks e o conto The Exiles.

Este e o próximo parágrafo é uma adaptação, agora contextualizada no local correto, para o que foi exposto na minha crítica de The Brain of Morbius. Patience afirma ter se casado com “um os primeiros exploradores do Vórtex Temporal, uma lenda reverenciada pelos Time Lords, que eventualmente esqueceram seu nome…“. É claro que há indicações de que ela esteja se referindo a Omega, ao Outro ou ao pai do Doutor, mas a probabilidade de ser o Doutor é bem grande.

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Possíveis encarnações do Doutor ANTES de sair de Gallifrey conforme mostrado em The Brain of Morbius. Ou seriam as encarnações do the Other? Ou seriam o the Other e o Doutor a mesma pessoa?

Patience se lembra que era esposa (as memórias aqui estão sempre confusas, o Doutor ou não sabe mesmo se está vendo seu passado ou está em negação), que tinha filhos e um neto prestes a nascer (Susan?). Mas então surge o decreto de que os Time Lords não deveriam mais nascer do ventre de mulher e sim de teares (isso mesmo! Teares! Para mais informações, leia o livro Lungbarrow, de 1997). Ele (o Doutor? o the Other?) não estava em casa quando sua família foi presa e possivelmente morta. Ele então foge de Gallifrey e passa suas encarnações 6, 7 e 8 (das faces acima) como fugitivo.

Eras depois, ele volta para Gallifrey e aí as coisas ficam complicadas. Tecnicamente falando ele TEVE QUE ser tecido — ou melhor: nascer de novo –, talvez como uma forma de punição. Mas a impressão que temos ao ler Lungbarrow (especialmente o fato dele ter feito algo impossível, que era se lembrar de estar no tear) é que o (Doutor? the Other?) enganou seus “primos de casa”. Ele provavelmente se regenerou, de sua 8ª encarnação das faces acima para uma “NOVA PESSOA” (o 1º Doutor que conhecemos) e fingiu ter sido tecido. Mas foi só um fingimento mesmo, porque, diferente de TODOS seus primos, ele tem umbigo…

O que de fato o Doutor vê na mente de Patience é parcialmente oculto pelo texto, e isso é bom. Ter mistérios em uma série como Doctor Who é essencial. E por falar em mistérios, a reta final do livro elenca definitivamente os Ferutu, como inimigos, mas ao analisarmos bem a situação, vemos que eles não são tão inimigos assim.

Os Ferutu são humanoides de um Universo alternativo (no livro temos uma satisfatória explicação de como eles passaram para o nosso Universo), uma realidade onde os Time Lords não mais existiam e, em sua ausência, esses Ferutu eram os guardiões do espaço-tempo, com a diferença de que não tinham nenhuma política de não intervenção.

Fusão a Frio termina com uma atitude do 7º Doutor que espanta a sua 5ª encarnação. E é muito bom ver as representações coesas de cada personalidade nessa história, uma verdadeira epopeia que envolve prisões, falsos e verdadeiros maridos, excelente interação entre os companheiros do 7º e do 5º Doutores e uma ameaça que envolve seres poderosos de outro Universo e uma poderosa arma de destruição em temperatura ambiente. Uma verdadeira fusão a frio.

Doctor Who: Fusão a Frio (Cold Fusion) — Reino Unido, 5 de dezembro de 1996
Autor: Lance Parkin
Editora: Virgin Books
320 páginas

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