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Crítica | Doctor Who: O Décimo Primeiro Tigre, de David A. Mcintee

por Rafael Lima
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Equipe: 1º Doutor, Ian, Barbara e Vicki
Espaço: China
Tempo: 1865

Doctor Who é uma série que mesmo em sua encarnação moderna, evitou qualquer tipo de confirmação de que houvesse algum tipo de envolvimento romântico direto entre os seus protagonistas (até a chegada dos Ponds, quando Steven Moffat assumiu a série), ainda que houvesse clara tensão romântica entre personagens como o 10º Doutor e Rose, Ben e Polly, e é claro, Ian e Barbara. David A. Mcintee já havia se mostrado um shipper desse casal em A Face do Inimigo, onde mostrava os professores casados anos depois de terem deixado a TARDIS. Não satisfeito, o autor foi mais longe em O Décimo Primeiro Tigre, mostrando quando a amizade dos professores se transformou em algo mais.

Na trama, situada entre The Romans e The Web Planet, a TARDIS chega na China de 1865, em mais uma tentativa falha do 1º Doutor de levar Ian e Barbara para casa. Os viajantes decidem explorar a cultura local, mas são atacados por um grupo de chineses furiosos, que parecem não só conhecer Ian e o seu sobrenome, mas também odiá-lo, o que leva ao espancamento do professor. O grupo é resgatado pelo famoso Wong Fei Hung, ganhando abrigo na clínica local. Enquanto isso, uma figura misteriosa e de grandes poderes manipula a força miliciana chinesa dos Bandeiras Negras para seus próprios fins, com o Time Lord e os lendários Dez Tigres de Cantão sendo a única coisa em seu caminho.

Em O Décimo Primeiro Tigre, Mcintee apresenta uma história que capta de forma competente o espírito da era do 1º Doutor, com uma narrativa que leva o seu tempo para construir os conflitos, mas que nunca soa chata. O livro traz uma ótima ambientação da China do Século XIX, usando de forma respeitosa diversos aspectos da cultura daquele país, como as artes marciais, os mitos dos espíritos faminto e a medicina chinesa, sem cair nos estereótipos. O autor articula habilmente os elementos mais fantásticos da narrativa (que remetem ao arco The Masque of Mandragora, fazendo deste livro uma sequência e prequel daquela história) com os problemas históricos que a China enfrentava na época, como as tensões entre o império e as forças milicianas, e o mal-estar provocado pela presença das forças intervencionistas europeias. O autor consegue apresentar uma série de personagens originais cativantes, como Wong Fei Hung, um dos médicos e artistas marciais mais importantes da história da China, que sendo retratado ainda como um jovem longe de se tornar a famosa figura histórica, passa por uma bela jornada de amadurecimento ao longo do livro. O misterioso Abade, surge como um antagonista enigmático e perigoso por boa parte da narrativa, mas tem as suas fragilidades expostas durante a segunda metade da obra; resultando em um vilão ameaçador e assustador, mas que tem a sua profundidade.

Os regulares também são bem retratados e a obra não apenas transpõe com competência a dinâmica deste time da TARDIS, mas joga mais luz sobre certos aspectos das relações existentes entre os viajantes. O autor escreve um 1º Doutor extremamente preocupado com o bem estar físico e emocional de seus velhos Companions, ainda que tente disfarçar, como pode ser visto nas passagens em ajuda Wong Key Ying, o pai de Wong Fei Hung, a tratar os ferimentos de Ian. Esse é um livro em que o Time Lord deve assumir uma postura mais séria, e mesmo responsável, já que acaba sendo encarregado de administrar a clínica e o centro de treinamento marcial dos Wong, ainda que essas passagens rendam sequências divertidas, como aquela em que o Doutor é desafiado para uma luta pelo comando do centro de treinamento. Por esse ser um livro que tem boa parte de sua força dramática nas relações pré-estabelecidas entre os veteranos da TARDIS, Vicki (ainda em suas aventuras iniciais) acaba soando deslocada e, por consequência, subaproveitada, não tendo grande papel no desenvolvimento narrativo e dramático da obra.

Mcintee entretanto, está realmente interessado em contar a história de amor entre Barbara e Ian, e faz um ótimo trabalho com isso. A professora geralmente é a voz da razão deste time, mas ao acreditar que realmente pode perder Ian, vemos Barbara não só tomada pelo desespero, mas também pela fúria contra aqueles que machucaram quem ela ama. Quando ela deve empregar uma difícil jornada até a TARDIS, em meio a uma tempestade, para pegar os remédios que Ian precisa, não deixa que nada e nem ninguém fique no seu caminho. Ian demonstra essa mesma devoção a Barbara, especialmente a partir da segunda metade da obra, quando é posto diante de um grande dilema moral para salvar a vida da companheira. Ambos estão dispostos a fazer qualquer coisa um pelo outro, e é a compreensão desse sentimento que marca a jornada dramática do casal neste livro, até o momento em que se declaram um para outro. É uma premissa que poderia soar melosa, mas o autor não só faz funcionar, como torna crível que esta relação não tenha sido tratada de forma escancarada nos arcos televisivos que se seguem a este romance.

Apesar da boa ambientação e desenvolvimento de personagem, o livro tem as suas falhas. Grande parte do mistério envolvendo o fato de Ian ter sido reconhecido e o “outro Chesterton”, que perdeu a memória e está há meses na China no comando das forças intervencionistas britânicas, soa um pouco óbvio para mim desde o começo, por mais que o autor tente nos distrair com a resposta errada, o que torna a resolução um pouco decepcionante. Além disso, após um desenvolvimento cuidadoso, todo o 3º ato da história ocorre de forma apressada, não permitindo que o leitor se envolva com o que está sendo descrito, um problema que eu já havia percebido na escrita de Mcintee em A Face do Inimigo e que ressurge neste romance.

O Décimo Primeiro Tigre explora de forma afetiva, mas não excessivamente sentimental o romance entre Ian e Barbara, além da crescente relação de amizade do casal com o Doutor. O bom uso da cultura e folclore da China da época, e o bom desenvolvimento dos personagens originais e figuras históricas faz do romance de Mcintee um divertido e mesmo instrutivo momento da série, ao despertar a minha curiosidade para saber mais sobre os Wong e os Dez Tigres de Cantão. É um bom livro, mas com um mistério central e um 3º ato melhor trabalhados, poderia ter sido excelente.

Doctor Who: O Décimo Primeiro Tigre (The Eleventh Tiger)- Reino Unido, 03 de Maio de 2004.
BBC Past Doctor Adventures # 65
Autor: David A. Mcintee
288 Páginas

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