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Crítica | Big Finish Mensal #28 a 33: O Paradoxo de Charley

E se a sua melhor amiga estivesse causando a morte de tudo o que existe?

por Luiz Santiago
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As críticas desta antologia abordam as edições #28 a 33 da Main Range, da Big Finish, com todas as histórias focadas no 8º Doutor e sua companion Charlotte Pollard (Charley). Aqui é resolvido, pelo menos em um primeiro momento, o paradoxo temporal que acompanha a jovem, com um resultado bastante assustador para o Doutor. Boa leitura a todos!

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Invaders from Mars

BF #28

Equipe: 8º Doutor, Charley
Espaço: Nova York e Nova Jersey, EUA
Tempo: 30 e 31 de outubro de 1938

O Doutor e Charley chegam nos Estados Unidos, no Dia das Bruxas de 1938. Ele estava tentando levar a companheira para Cingapura, onde ela deveria ter ido, no momento em que se conheceram, em Storm Warning. Uma pequena olhada pelo lugar já indica um erro, e eles pretendem sair dali rapidamente, mas duas coisas curiosas ocorrem nesse meio tempo. Primeiro, a descoberta de um corpo morto. Segundo, a chegada de uma mulher glamourosa que pergunta para o Doutor se ele é um certo detetive (por coincidência, o homem encontrado morto) e ele diz que sim. Entrando no jogo, ele vai virar a noite fazendo uma pesquisa, até que Charley o chama à razão e ele concorda em abandonar o caso. Isso, até descobrir que tem uma arma nuclear em jogo. Em pleno 1938.

Em essência, essa é uma história pulp ou pré-noir, mais ou menos na linha de O Beijo do Anjo. Gatiss faz uma caracterização excelente para os personagens, colocando todos os cacoetes dos anos 1930, os preconceitos, o medo do comunismo, a expansão territorial da Alemanha nazista, os rumores de uma possível guerra e plots de grande violência urbana. Há citações à máfia italiana, a Al Capone e, claro, a presença de aliens que fazem o espectador rir com muito gosto (é o tipo Id/Ego que funciona de maneira incrível em uma história) e a contraparte ficcional da coisa, com a transmissão feita por Orson Welles de A Guerra dos Mundos, causando grande furor na população e entrando como uma parte desse curioso jogo.

Bem humorada, com doses de drama clássico dos anos 30 e fortemente influenciado pelos filmes de gângster, essa história é uma ótima investida de Doctor Who no Halloween. Há apenas um “senão” na apresentação dos Laiderplackers, desajeitados e com contatos um pouco confusos, mas isso não impede a história de avançar. Uma aventura cheia de gostosuras e travessuras feitas por gente da Terra e de diferentes lugares do Universo…

Invaders from Mars (Reino Unido, janeiro de 2002)
Direção:
Mark Gatiss
Roteiro: Mark Gatiss
Elenco: Paul McGann, India Fisher, David Benson, David Benson, Jessica Stevenson, John Arthur, Simon Pegg, Jonathan Rigby, Ian Hallard, Mark Benton, Paul Putner, Jonathan Rigby, Alistair Lock

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The Chimes of Midnight

BF #29

Equipe: 8º Doutor, Charley
Espaço: Edward Grove, Londres, Inglaterra
Tempo: 24 de dezembro de 1906

Estranho que uma aventura de Natal tenha sido lançada em fevereiro. E mais estranho ainda que a Big Finish tenha de fato oferecido ao público The One Doctor, uma legítima aventura de Natal, com o 6º Doutor e Mel, dois meses antes. Claro que isto não é uma reclamação de repúdio nem nada. The Chimes of Midnight é uma ótima aventura. Mas a estranheza permanece.

O assunto sobre o Doutor deixar Charley em Cingapura volta à tona. Mas parece que a TARDIS não quer levar Charley para lá de jeito nenhum. Aqui, eles se materializam na mansão Edward Grove, em Londres, em plena véspera de Natal (noite do dia 24 de dezembro). Tudo está escuro na casa. Escuro além do esperado. Procurando conhecer o local, Charley tenta sentir o ambiente pelo olfato. E as primeiras descobertas de comida aparecem. Ela tateia e quebra um pote de geleia, gerando um futuro momento cômico onde o Doutor acha que é sangue na mão da companion. Esse tom de humor do início da história logo é substituído por uma inquietante equipe de trabalho que vive repetindo que não são nada, que não importam. Eles aceitam o Doutor fácil demais. E assim o primeiro assassinato acontece.

O processo de investigação das mortes e a descoberta de que existe um paradoxo temporal na casa são boas pedidas para a explicação de tamanha bizarrice. O roteiro de Robert Shearman é bastante cínico, colocando cenas de muito humor, como às vezes em que Charley é praticamente forçada a comer um pudim de ameixa, segundo a cozinheira, o favorito da companion, desde que ela era criancinha. O suspense gerado pelas mortes, os relógios avançando rapidamente, a citação de Agatha Christie… há basicamente um cenário inteiro anti-Natal, meio horror e violência que é a cara de Doctor Who e sua capacidade de transformar uma das datas mais fofinhas do ano em uma peça de dor e sofrimento. O final, com Charley se despedindo da empregada, é tocante. Mais uma forma ‘diferentona’ de curtir o Natal.

The Chimes of Midnight (Reino Unido, fevereiro de 2002)
Direção:
Barnaby Edwards
Roteiro: Robert Shearman
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Louise Rolfe, Lennox Greaves, Sue Wallace, Robert Curbishley, Juliet Warner

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Seasons of Fear

BF #30

Equipe: 8º Doutor, Charley
Espaço: Cingapura / Grã Bretanha
Tempo: 1930 / 305 / 1055 / 1086

Depois de uma pequena novela mexicana da TARDIS evitando levar Charley para seu encontro em Cingapura, eis que chega o grande momento. O Doutor, de fato consegue levar sua companheira para cumprir uma promessa, na noite de Ano Novo. Os primeiros momentos da história são os típicos minutos que precedem uma tempestade, e bem cedo descobrimos que este cenário, este país e todas as pessoas que estão nele, na verdade, são criações… uma ficção criada para enganar o Doutor. Alguém chamado Sebastian Grayle (avô do encontro de Charley) tem assuntos não resolvidos com o Time Lord. E acha que é o momento de cobrar a dívida.

Fica relativamente confuso o estabelecimento de Grayle e da “realidade ficcional” para o Doutor. O espectador demora um pouco até conseguir encontrar as motivações e o quanto o esse Universo pode ser alterado e em que momento existe a passagem desse Universo para o Universo que conhecemos como real. Este é o grande obstáculo do roteiro. Mas quando digo isso, me refiro essencialmente à construção da história. Porque mesmo com alguma confusão, no fim, nós conseguimos nos encontrar e curtir a trama, que é marcada por uma longa jornada do Doutor e Charley através do tempo, tentando achar o momento em que Grayle teve contato com o “verdadeiro vilão” pela primeira vez.

Charley tem excelentes tiradas cômicas nesta aventura, como o fato de dizer, para escândalo do Doutor, que participou de uma orgia… ou chamá-lo de “querido papai” em um dos encontros com Grayle… ou simplesmente buscar a verdade de uma maneira simples, decidida, sem exageros emotivos, gritos ou choro. Uma fantástica história, para uma fantástica dupla, com um final tenso, onde Charley e o Doutor conseguem chegar a Cingapura, em nosso Universo, e passar o Réveillon. Mas eles não percebem que existe algo, nas sombras, perseguindo Charley, chamando por ela… A jovem que deveria estar morta, mas foi salva pelo Doutor.

Seasons of Fear (Reino Unido, março de 2002)
Direção:
Gary Russell
Roteiro: Paul Cornell, Caroline Symcox
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Stephen Perring, Stephen Fewell, Lennox Greaves, Sue Wallace, Robert Curbishley, Justine Mitchell, Don Warrington

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Embrace the Darkness

BF #31

Equipe: 8º Doutor, Charley
Espaço: Cimmeria IV
Tempo: Indeterminado

Por mais que esta aventura de Nicholas Briggs seja simpática e traga aquela sensação de “equipe de exploração” que é bastante unida, apensar dos problemas de ego e outros impasses, a forma como o autor criou a ameaça e caracterizou o vilão aqui não foi das melhores. A descrição do lugar, a forma interessante de contar a história inicialmente sob dois pontos de vista (do Doutor e Charley na TARDIS e da equipe na base de exploração do planeta Cimmeria IV) e o primeiro enfrentamento do Doutor com o robô de resgate da instalação é muito bom. Depois as coisas começam a ficar estranhas, porque entram os vilões que sussurram.

O lado de horror que essa aventura nos traz dá um pouco de medo, como é de praxe nas aventuras de Briggs, sempre procurando mexer com o emocional do público. Só a ideia de que existe um vilão que “rouba a luz” das pessoas (ou melhor, os seus olhos) é algo tenebroso. Só que melhor ainda: essa realidade é apenas um subterfúgio para algo ainda mais interessante, novamente brincando com a ideia de que as aparências enganam. A estranheza que caracteriza o vilão permanece, mas é bom ver como o roteiro estabelece e depois desmistifica algumas opiniões sobre os personagens.

A diretores da base, Orllensa é inicialmente uma das pessoas mais amargas e de comportamento mais irritante que já tivemos em um áudio do 8º Doutor. É muito curioso que os outros técnicos da base tenham tanto carinho por ela. Nesse aspecto de amizade e relações de colegas de trabalho que vivem sacaneando e tirando sarro um do outro, a aventura funciona muito bom. Fica apenas alguns impasses em relação ao trabalho com os vilões, porém, nada que torne a saga ruim.

Embrace the Darkness (Reino Unido, abril de 2002)
Direção:
Nicholas Briggs
Roteiro: Nicholas Briggs
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Nicola Boyce, Lee Moone, Mark McDonnell, Ian Brooker, Nicholas Briggs

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Neverland

BF #33

Equipe: 8º Doutor, Charley
Espaço: Gallifrey / Antiverse
Tempo: Indeterminado

Neverland é a “conclusão” óbvia e esperada para todos os eventos que o 8º Doutor e Charley vinham enfrentando desde Invaders from Mars, quando foi dado o início do arco que coloca diante dos dois os problemas relacionados à vida impossível de Charley e os paradoxos que ela estava causando por onde passava. Em Neverland, é como se víssemos o ponto final dessa parte da saga, com a complicada chegada dos dois em Gallifrey, a ilustre presença da Presidente Romana e a “armadilha” preparada para que Charley não fosse mais um problema para o Universo.

Mais do que em qualquer outra aventura dessa fase, a ameaça apresentada em Neverland traz muita preocupação. A ligação aberta entre o nosso Universo e o Antiverse é inserida de forma rápida e muito convincente por Alan Barnes, que também faz um ótimo trabalho ligando esse estado das coisas com a política sempre moralmente questionável de Gallifrey. O que começara com uma proposta de viagem e depois uma urgente ordem de fuga, acabou caindo em um beco sem saída para o Doutor e Charley, que pela primeira vez vão enfrentar consequências diretas pelo acontecido em Storm Warning. E também pela primeira vez temos a presença de Zagreus nos áudios da série, o velho mito gallifreyano citado inicialmente em Project Twilight e mantido em mistério até aqui.

Confesso que esperava uma definição ou caminho diferente para o que é Zagreus, mas o que Alan Barnes faz aqui não é ruim. Apenas está aquém da grande expectativa, embora isso seja mais culpa do espectador, que espera algo grandioso. De todo modo, é muito bom vermos como as nuances dramáticas passam de um lugar para outro nessa história, tendo problemas tanto em Gallifrey, quanto na TARDIS, no Antiverse e com pessoas diferentes, culminando com uma aparição surpreendentemente amigável de Rassilon.

Poderíamos ver Neverland como uma história de expiação ou algo parecido. Ela serve tanto para o Doutor sentir na pele o preço da interferência (há um momento profundamente tocante entre ele e Charley, à beira da morte, nessa história), quanto para os Time Lords olharem para algumas atitudes de seu passado e lamentar o que fizeram. É quase como se o roteiro nos levasse para uma situação onde o “fazer algo errado” não precisa ser necessariamente algo ruim, mas é claro, pode ser. E o melhor de tudo é que existem profundas consequências para os envolvidos (especialmente para o Doutor) ao fim da trama. Uma história elementar para se entender melhor a linha do tempo dessa encarnação do Senhor do Tempo.

Neverland (Reino Unido, junho de 2002)
Direção:
Gary Russell
Roteiro: Alan Barnes
Elenco: Paul McGann, India Fisher, Lalla Ward, Anthony Keetch, Peter Trapani, Holly King, Mark McDonnell, Nicola Boyce, Don Warrington, Jonathan Rigby, Dot Smith, Ian Hallard, Alistair Lock, Lee Moone

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