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Crítica | Doctor Who: O Segredo Do Cofre 13, de David Solomons

Surrealismo Sci-Fi tratado de maneira acertadamente infantil.

por Rafael Lima
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Equipe: 13ª Doutora, Graham, Yaz, Ryan
Espaço: Londres, Planeta Tellus IV, Planeta Carufrax Major, Nave New Phaeton
Tempo: 2018, 4028

No passado, a BBC Books já tentou utilizar Doctor Who como uma ferramenta de incentivo à leitura para os mais jovens, vide a extinta linha Quick Reads, que trazia noveletas simples e diretas estrelados pelos Doutores da Nova Série. O romance O Segredo Do Cofre 13, de David Solomons, tem um objetivo parecido, ao trazer uma história ligeira, com capítulos curtos, baixa contagem de palavras e até algumas ilustrações, inclinando-se ainda mais para a literatura infantil do que os livros da Quick Reads.

Na trama, situada entre os episódios The Battle of Ranskoor Av Kolos e Resolution, o time da TARDIS volta a Terra para que Graham possa regar a sua begônia, quando repentinamente a planta começa a falar. A begônia avisa que a ajuda da 13ª Doutora está sendo requerida no planeta Tellus IV, onde um membro renegado de uma espécie vegetal conhecida como os Jardineiros, planeja utilizar uma semente lendária conhecida como Gênesis para provocar um novo Big Bang e reestabelecer o equilíbrio entre seres de carne e as plantas. Para impedi-lo, a Doutora e seus companheiros precisam encontrar as chaves perdidas do Cofre 13, no maior reservatório de plantas do universo, e pegar a Semente Gênesis antes que o vilão o faça.

O Segredo Do Cofre 13 é um romance singelo em suas intenções, ao apresentar uma aventura que, embora pareça ter um caráter épico, é simples, leve e divertida. A estrutura da narrativa é bastante episódica e começa apresentando a problemática central dos Jardineiros e da Semente Gênesis (o McGuffin da vez), para em seu miolo trazer uma série de aventuras que agem quase contos independentes, ligados apenas pelo fato da busca pelas chaves do cofre que guarda a semente levarem a protagonista e seus Companions até aquele lugar; para então se encerrar em um 3º ato que retoma a trama central da busca dos jardineiros pela Semente Gênesis. Essa estrutura não é estranha para os fãs de longa data de Doctor Who, sendo basicamente a mesma aplicada no arco The Keys of Marinus, ou na Saga da Chave do Tempo, que atravessou a 16ª Temporada da Série Clássica. Solomons, inclusive, tem plena consciência desse empréstimo de estrutura, ao colocar a Doutora empolgada por ter a oportunidade de caçar chaves mágicas novamente.

Embora O Segredo Do Cofre 13 seja um livro derivativo, ele também é muito competente naquilo em que se propõe. O autor adota uma veia quase surrealista para a obra; vide a begônia falante que dá início à trama, ou os Jardineiros batizados com nomes de planta como Salgueiro, Salsinha e Carvalho. A forma como David Solonons trabalha esse surrealismo com um certo humor ácido em muito lembra a obra de Douglas Adams, escritor que, não por coincidência, chegou a escrever para Doctor Who. Através desse ar satírico, a obra faz críticas bem humoradas a certas instituições sociais. O segmento situado em uma sinistra escola espacial onde os estudantes somem sem deixar rastros após se formarem; ou as passagens situadas em um subúrbio londrino, não só fazem comentários mordazes sobre o sistema de ensino e a luta de classes, como também trazem momentos de terror para crianças muito bem-vindos.

Apesar desses bem colocados momentos de crítica social, O Segredo Do Cofre 13 nunca se torna sombrio ou cínico, ao manter um ar constante de leveza não só pela forma como conduz o humor, mas também pelo jeito como trabalha o elenco principal. Os livros do universo expandido conseguem equilibrar o lado leve e otimista da 13ª Doutora, com a segurança e firmeza que qualquer encarnação do personagem precisa ter, de um modo que a série de televisão poucas vezes conseguiu, apesar dos esforços de Jodie Whitaker. Ryan e Graham também são tratados de forma bastante acertada pelo autor, explorando de forma divertida e afetuosa os laços entre neto e avô construídos ao longo da 11ª Temporada do programa. Os trechos protagonizado pela dupla no subúrbio são alguns dos destaques do romance, especialmente pela mini Doutora holográfica que a Time Lady dá a Ryan para ajudá-lo, que surge como uma espécie de Alexa defeituosa, fornecendo curiosidades aparentemente inúteis para qualquer uma das perguntas feitas pelo Companion.

Infelizmente, o livro perde um pouco de fôlego em seu terço final, com a resolução do problema central envolvendo os jardineiros nunca sendo tão divertida quanto os subplots em torno da busca pelas chaves do Cofre 13. A pobre Yaz, mais uma vez, acaba ficando com a parte menos interessante da narrativa ao ser assombrada por visões da Doutora morta diante do líder dos Jardineiros Renegados, após recuperar uma das chaves, um plot que soa deslocado e, portanto, pouco efetivo dentro da atmosfera mais leve e bem humorada da obra. Ainda bem que esses tropeços acabam sendo um defeito menor que não atrapalham o conjunto.

O Segredo Do Cofre 13 é um livro que apesar de seu caráter episódico, quase nunca perde o ritmo, por saber explorar com habilidade os variados cenários e personagens que apresenta. Ainda que inclua algumas sátiras sociais mais mordazes, o romance se destaca mesmo pela sua atmosfera pueril, e a forma cativante com que conduz os seus protagonistas, abraçando sem medo a aura infantil quase sempre presente no universo da série, sem com isso perder a inteligência. É o que eu chamo de boa literatura infantil.

Doctor Who: O Segredo Do Cofre 13 (The Secret In Vault 13) – Reino Unido, 01 De Novembro de 2018
Autor: David Solomons
Ilustrações: George Ermos
Publicação: BBC Children’s Books
179 Páginas

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