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Crítica | Doctor Who: Primeira Fronteira, de David A. McIntee

Homenagem aos sci-fi cinquentistas + aura paranoica dos anos noventa.

por Rafael Lima
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Equipe: 7º Doutor, Ace, Bernice “Benny” Summerfield
Espaço: Novo México
Tempo: 1957

Os anos 50 foram muito férteis para a ficção científica devido ao cenário sócio-político do período. Afinal, essa foi a época em que o mundo se perguntava o que a energia nuclear podia fazer após a tragédia de Hiroshima, ao mesmo tempo em que a Corrida Espacial mexia com a imaginação e a Guerra Fria tornou o medo do outro mais forte do que nunca. Esse caldeirão histórico-social dos anos 50 gerou vários clássicos Sci-Fi na cultura pop ao redor do mundo, sendo até estranho o fato de essa ser uma época pouco visitada pelas histórias de Doctor Who. Primeira Fronteira de David A. Mclntee tenta ser essa homenagem à ficção científica dos anos 50 e ao seu contexto histórico, mas tendo sido escrito nos anos 1990, é também um livro que é fruto de sua época, absorvendo o tom de conspiração interna popularizada na ficção científica por séries como Arquivo X.

Na trama, a TARDIS chega ao Novo México de 1957, depois que Bernice pede ao Doutor para assistir ao alvorecer da era espacial. Mas quando a falha da primeira tentativa americana de enviar uma sonda para o espaço se revela muito mais do que uma mera falha técnica, o trio da TARDIS deve investigar a relação entre as sabotagens no programa espacial dos Estados Unidos, e uma série de estranhas abduções na região, enquanto um antigo inimigo do Doutor infiltrado no coração do Exército trama com alienígenas para levar a Guerra Fria para um ponto sem retorno.

Primeira Fronteira é essa articulação de ode ao Sci Fi dos anos 50 com a aura paranoica noventista do gênero, que via não inimigos externos, mas o próprio sistema aliado a forças alienígenas mais ambíguas e enigmáticas. Os alienígenas Tzun, por exemplo, são mais antagonistas do que vilões, mas nem por isso são menos assustadores, vide a tensa passagem da abdução de uma família. Da mesma forma, as forças conspiratórias com que os personagens lidam vêm mais de dentro do próprio governo do que de elementos externos, vide a presença de interesses escusos no Exército e FBI. Isso não quer dizer que o autor subverta completamente o tropo do vilão infiltrado, bastando observar a presença do Mestre, disfarçado entre o alto comando do Exército, mas os antagonistas não estão corrompendo instituições, apenas se valendo de demandas que já existem ali.

Falando no Mestre, talvez eu esteja dando um Spoiler ao revelar a presença dele na obra, mas desde a sua primeira aparição no livro, fica bem claro quem realmente é o Major Kreer. De fato, é até ingênuo da parte do livro segurar a revelação da identidade do vilão por tanto tempo, quando tudo relacionado ao personagem grita que ele é o Mestre. Dito isso, o autor tem um interesse especial pelo Mestre, vide obras posteriores como O Caminho Sombrio e A Face Do Inimigo, e aqui, trabalha com a encarnação vivida por Anthony Ainley na TV, fazendo uma leitura interessante dessa versão do vilão. O Mestre de Ainley é muitas vezes colocado em segundo, o trabalho de Ainley é muito influente nas encarnações modernas do Mestre como um vilão alegremente sádico. 

Para uma trama que se propõe a ser a história derradeira dessa versão do Mestre, o autor capta bem o espírito do personagem, apresentando um vilão astuto e quase cartunesco pela forma com que saboreia as próprias maldades, mas isso sacrificar o senso de perigo do vilão, algo que muitos dos episódios na TV acabaram fazendo. Parte disso se deve pelo senso de urgência que se constrói em torno do Mestre aqui, já que ele segue sofrendo os efeitos do vírus Cheetah como visto no arco Survival, e tal como naquela história, o texto equilibra de forma curiosa a dicotomia entre gênio científico e assassino animalesco, criando um antagonista, que de certa forma, consegue superar o Doutor aqui.

É uma pena, portanto, perceber que o autor não dedica aos seus outros personagens a mesma atenção que dedica ao Mestre. Os coadjuvantes desempenham funções meramente mecânicas, com nenhum deles realmente chamando a atenção do leitor. O próprio retrato que o autor faz do 7º Doutor é genérico, não captando as particularidades que Sylvester McCoy deu ao Time Lord na TV, não ajudando o fato de o protagonista passar boa parte do livro consertando uma antena de satélite. As companions já são melhor servidas por conduzirem boa parte da ação da trama, e Mclntee cria uma dinâmica interessante entre as duas, contrastando o pragmatismo de Bernice com a passionalidade de Ace.

Infelizmente, o livro também acaba sofrendo de alguns problemas de ritmo, que não são estranhos aos livros de David A. Mclntee, mas que aqui parecem um pouco mais acentuados. Há uma criação de atmosfera interessante no primeiro terço do livro, onde o autor nos apresenta os personagens e as problemáticas da trama, como as abduções em uma pequena cidade do Novo México, e as sabotagens ao programa espacial americano investigadas pelo exército. Mas passado esse momento inicial, o livro parece se arrastar por plots aborrecidos, como o núcleo de Washington, que só é sacudido pelas bem escritas passagens de ação, enquanto trechos que mereciam mais desenvolvimento, como o desfecho do plano do Mestre para se curar do vírus Cheetah e conseguir uma nova regeneração parecem excessivamente apressados.

Apesar desses problemas, não se pode dizer que Primeira Fronteira não é uma boa leitura. A articulação entre a atmosfera da era da Corrida Espacial e de Guerra Fria com os thrillers de ficção científica paranoicos dos anos 90 é bem-feita, dando um charme interessante para a obra. Além disso, o autor faz um trabalho muito interessante com o chamado Mestre Tremas, entregando uma história derradeira desta encarnação do vilão, que, acredito, Anthony Ainley teria adorado estrelar. Dito isso, o ritmo inconstante do livro e a falta de personagens mais fortes acabam tornando Primeira Fronteira um dos trabalhos mais fracos do autor para Doctor Who. É uma leitura que diverte, mas que não possui nenhum grande momento, o que não deixa de ser um desperdício pelo potencial que havia apresentado.

Doctor Who: Primeira Fronteira (First Frontier) – Reino Unido (15 de Setembro de 1994)
Virgin New Adventures #30
Autor: David A. McIntee
Capa Original: Tony Masero
Editora: Virgin Books
294 Páginas

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