Home QuadrinhosArco Crítica | Doctor Who: Sangue e Gelo (Doctor Who Magazine #485 a 488)

Crítica | Doctor Who: Sangue e Gelo (Doctor Who Magazine #485 a 488)

O paradoxo da Garota Impossível sob uma nova perspectiva.

por Rafael Lima
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Equipe: 12º Doutor, Clara
Espaço: Universidade Snowcap, Antártida
Tempo: 2048

Quando surgiu na 7ª Temporada, Clara Oswald era uma personagem cercada por um mistério, já que antes de conhecê-la, o 11º Doutor havia encontrado encarnações diferentes da moça, que acabavam morrendo após esses encontros. Isso fez com que a relação do Time Lord com a Garota Impossível, como ele a batizou, tivesse um começo um pouco funesto quando pensamos que o Doutor via Clara  mais como uma extensão das versões que ele não salvou do que a jovem como indivíduo. Isso mudaria não só com o Doutor de Matt Smith passando a valorizar a companion por ela mesma, mas pela revelação de que as outras Claras eram ecos da original, criados após a babá se jogar na Linha do Tempo do Time Lord. Foi um fim satisfatório para o mistério, mas que descartava o ponto de tensão entre o Doutor e a companheira; o de que ela não era nenhuma das garotas que morreram salvando o Doutor, embora também o fosse. A série, optou por ignorar o paradoxo existencial da Garota Impossível, que poderia ter permanecido esquecido, se a Doctor Who Magazine não o resgatasse.

Na trama, Clara e o Décimo Segundo Doutor fazem uma excursão pela Universidade Snowcap, na Antártida, no ano de 2048, para o aborrecimento da moça, que esperava uma viagem mais emocionante. Mas quando conhecem um pai que busca notícias de sua filha, a dupla passa a desconfiar que algo de muito errado está acontecendo na instituição. Para complicar a situação, o Doutor e Clara recebem a ajuda de uma jovem pesquisadora chamada Winnie Clarence, que se revela mais um dos ecos da Companion, o que significa que Winne está destinada a morrer salvando o Time Lord.

Escrito por Jacqueline Raynor, o arco Blood And Ice coloca Clara Oswald diante de um grande dilema moral ao confrontá-la pela primeira vez com um de seus ecos, explorando assim as consequências das ações da Companion no episódio The Name Of The Doctor. O conflito do arco parte de uma premissa simples, mas poderosa. Se a Companion não é nenhum de seus ecos, como a própria defendia em seu tempo com o 11º Doutor, os seus ecos também não são ela; ainda assim, são essas mulheres que pagam o preço pela decisão de Clara de salvar o Doutor. Para tornar esse ponto claro, o roteiro tem grande cuidado na construção de Winnie, estabelecendo a personalidade, a vida, e os sonhos da jovem pesquisadora, criando uma personagem cativante, mas bastante distinta de Clara. A dinâmica que o roteiro cria entre Clara e Winnie é delicioso de se ler. Clara se vê diante da culpa de ter criado uma vida para Winnie apenas para ela ser sacrificada, não sabendo o que fazer diante da situação. Winnie, por sua vez, age como a grande figura dramática da narrativa, indo da empolgação inicial de ter encontrado uma sócia idêntica com quem se identifica, para então desesperar-se diante da possibilidade não só da morte, mas de sua vida poder ser apenas o simulacro da existência de outra pessoa.

O arco cria um paralelo interessante da situação de Clara e do próprio Doutor, com a revelação de que a universidade Snowcap foi construída no mesmo local da antiga base Snowcap, onde o Time Lord se regenerou pela primeira vez em The Tenth Planet. Isso leva o Time Lord a questionar a sua própria trajetória (uma reflexão que cabe como uma luva para o Doutor de Peter Capaldi), e de como as escolhas que cada uma de suas encarnações fizeram o levaram até o momento em que ele se encontra. Essa pequena autoanálise do protagonista permite que ele ajude Clara a colocar em perspectiva a real natureza de seu eco, pois por mais diferente que cada encarnação do Doutor seja uma da outra, elas ainda compartilham as mesmas memórias e experiências, mesmo que de diferentes perspectivas. No caso de Winnie, como o Doutor lembra, ela pode parecer com Clara, e em algum nível até pensar como ela, mas ela foi criada de modo diferente, teve experiências diferentes, crenças diferentes, e, portanto, não é a mesma pessoa.

Mas toda a reflexão sobre identidade não é a única coisa que Blood And Ice oferece. A trama de Raynor traz um mistério bem interessante em torno das experiências que vem sendo realizadas na Universidade Snowcap, em um plot que mistura aspectos macabros e farsescos de uma forma que só Doctor Who sabe fazer. Além disso, o arco também consegue trazer dentro do contexto da narrativa uma muito bem colocada e orgânica discussão sobre a urgência da preservação da Antártida, e a importância desse ecossistema para o nosso planeta. O roteiro encontra na arte de Martin Geraghty a parceria perfeita para ilustrar os conflitos da história, trabalhando de forma criativa contrastes e paralelos de Clara e Winnie, além de conseguir passar o dinamismo das sequências de ação. Ainda que o retrato da Companion e de seu eco não lembrem a atriz Jenna Coleman (diferente do retrato de Capaldi), gosto do fato de os desenhos assumirem que não estão atrás dessa semelhança, gerando um traço uniforme e próprio para a personagem. Vale ainda destacar o belo retrato feito das paisagens da Antártida, apoiados por uma excelente coloração, que dá força ao discurso ambiental da revista. 

Blood And Ice é um arco muito competente naquilo que se propõe, expandindo de forma inteligente conceitos que foram apresentados na série de TV para criar conflitos significativos para os seus principais personagens, discutindo temas como identidade, livre arbítrio, e meio ambiente. Com um roteiro muito bem amarrado e ilustrações bonitas e afinadas com a proposta, o arco de Jacqueline Raynor se mostra uma divertida e emocionante surpresa da fase do Décimo Segundo Doutor na Doctor Who Magazine.

Doctor Who: Blood And Ice- DMW 485-488 (Reino Unido, 2015)
Roteiro: Jacqueline Raynor
Arte: Martin Geraghty
Cores: James Offrendi
Arte Final: Roger Langridge
48 Páginas

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