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Crítica | Doctor Who: Sintéticos™, de Craig Hinton

por Rafael Lima
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Equipe: 6º Doutor, Peri.
Espaço: Reef Station One.
Tempo: Século 101

Doctor Who é uma série que constantemente lança um olhar crítico sobre certos assuntos, com muitos destes temas tendo surgido de forma recorrente ao longo da história do programa. Um destes assuntos é a TV; com várias tramas ao longo dos cinquenta anos do show apontando os impactos sociais e os pequenos absurdos trazidos por esta mídia tão poderosa, sem se esquecer do irônico contrassenso de haver um programa de televisão criticando a televisão. Por isso, hesitei muito ao pegar Sintéticos™, de Craig Hinton, pois não só o romance utiliza o mesmo time da TARDIS de Vengeance on Varos, a melhor história a tratar do tema em Doctor Whomas também se localiza cronologicamente próximo deste arco, o que poderia tornar o livro redundante. Felizmente, Hinton traz uma abordagem interessante e divertida ao tema, escapando da redundância, embora também esteja longe de ser inovador.

Na trama, situada entre Vengeance on Varos e The Mark of The Rani, o 6º Doutor e Peri aterrissam na colônia espacial humana Reef Station One, após a TARDIS ser pega por uma anomalia no vórtice do tempo. Após serem acidentalmente separados, o Doutor e Peri se deparam com uma sociedade obcecada por velhos programas de televisão, em um cenário que se torna ainda mais caótico quando a dupla se envolve em uma série de assassinatos que parecem ligados ao homem mais rico e poderoso da estação espacial. Agora, o Time Lord e sua companion precisam impedir os planos do inescrupuloso Walter J. Matheson, que se aliou a um dos mais mortais inimigos do Doutor.

Sintéticos™ faz uma crítica ao poder alienante da TV através de um produto que nós brasileiros conhecemos bem: as telenovelas. Embora as soap operas britânicas sejam diferentes em muitos aspectos das nossas telenovelas, os vícios narrativos e de linguagem são os mesmos, o que nos permite desfrutar ainda mais das divertidas brincadeiras sobre estes programas. As passagens onde o Sexto Doutor analisa um roteiro de telenovela ao mesmo tempo em que enfrenta um dilema mortal é de rolar de rir. Mas se limitasse a apontar novelas como instrumento de alienação, Hinton não estaria tentando fazer nada novo. O autor coloca a TV não como veículo de alienação por si só, mas da nostalgia alienante.

O escritor retrata a maioria dos habitantes da colônia como um povo fútil, sempre disposto a comprar o mais recente produto vendido pela publicidade e que está mais preocupado em observar as glórias do passado através de reprises de TV, do que em pensar no presente. O romance, porém, percebe que a crítica à nostalgia pode soar hipócrita vinda de um livro de uma série cancelada há quinze anos. Assim, Hinton não demoniza completamente este sentimento, apontando que vale a pena revisitar o passado, se for para aprender algo sobre o presente. Apesar das críticas ao universo televisivo, tanto sobre quem consome este conteúdo, quanto sobre quem produz, tais críticas são sempre postas com um humor mordaz dentro do ritmo da narrativa. É este bom ritmo que é o maior acerto de Sintéticos™, que mantém a trama sempre em movimento e o leitor interessado, mesmo quando o humor proposto não funciona bem.

Hinton retrata bem o time da TARDIS, embora opte por trabalhar as rusgas existentes entre o Sexto Doutor e Peri Brown de forma mais sutil do que a série fazia na TV. O Sexto Doutor mantém nas páginas a soma de praticidade e orgulho descaradamente arrogante que tornaram a encarnação de Colin Baker tão característica na TV, ao mesmo tempo em que confere ao Time Lord uma nobreza e empatia que raramente os roteiros da série permitiram que fosse demonstrada. Já Peri, pela primeira vez que eu me lembre, ganha a chance de se divertir em uma viagem na TARDIS. É bom acompanhar a jovem americana fazendo alguns amigos, relaxando ao fazer compras em um shopping que remonta aos anos 80, e mesmo dançando ao som de Total Eclipse of the Heart, ao invés de estar à beira de um colapso diante de um vilão assediador. Por outro lado, o autor acaba caindo na armadilha de tentar aprofundá-la de forma equivocada, ao insinuar um passado de abuso envolvendo o seu padrasto Howard (teoria debatida pelos fãs há décadas). Tal insinuação é colocada de forma um tanto leviana no livro e é logo esquecido, causando um desconforto sem recompensas.

Quanto aos personagens originais criados por Hinton para o romance, embora funcionem bem dentro de suas funções narrativas, acabam não sendo muito memoráveis. O vilão Matheson até tem os seus momentos, apresentando-se como o típico magnata maquiavélico que não ficaria fora de lugar como um antagonista de um filme do 007, mas Doctor Who já apresentou personagens bem mais interessantes dentro deste arquétipo. Por outro lado, o autor lança uma abordagem interessante, mesmo que não completamente bem sucedida da Consciência Nestene (vamos lá, a capa é pista mais do que suficiente sobre quem são os “parceiros de negócio” de Matheson). O livro concede uma natureza quase lovecraftiana para a entidade ao explorar suas origens, ao mesmo tempo em que dá à Consciência Nestene uma motivação palpável, ligando esta história diretamente aos eventos do episódio Rose, da Nova Série, que iria ao ar menos de um ano depois da publicação deste romance, o que me leva a crer que Craig Hinton e Russell T. Davies trocavam algumas figurinhas.

Com Sintéticos™, Craig Hinton entrega um romance espirituoso e com um bom ritmo, que mesmo não conseguindo atingir todos os alvos em que mira, diverte pela sua ação descompromissada “estilo James Bond”, cheia de perseguições e explosões, e pelo humor ácido que combina tão bem com as aventuras do Sexto Doutor. Além disso, a obra ainda agracia os fãs com um interessante aceno para o futuro ao colocar o 6º Doutor enfrentando as consequências da Time War antes mesmo de sonhar que ela existe. No fim das contas, um pouco de nostalgia não é tão ruim.

Doctor Who: Sintéticos(Synthespians™)- Reino Unido. 19 de Julho de 2004.
BBC Past Doctor Adventures #67.
Autor: Craig Hinton.
Publicação Original: BBC Books.

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