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Crítica | Doctor Who: The Power of the Doctor

O adeus da 13ª Doutora.

por Luiz Santiago
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The Power of the Doctor é um episódio de importância muito grande na História de Doctor Who, trazendo consigo um número muito grande de marcos históricos. Em primeiro lugar, estamos falando de uma aventura criada em comemoração ao 100º aniversário da BBC, parte de uma porção de comemorações tagueadas como BBC 100. Além disso, é o 300º episódio de Doctor Who, e como se não bastasse, o episódio que traz a última aparição de Jodie Whittaker como 13ª Doutora e de Chris Chibnall como showrunner da série. Não é de espantar, portanto, que a emissora tenha investido tanto dinheiro na produção do episódio, que traz um visual digno de cinema, tanto nos efeitos, quanto na fotografia e direção, entregando-nos algo esteticamente encantador.

Chibnall não poupou esforços para transformar este capítulo final de sua Era em uma espécie de “Especial de 60 anos que ele queria fazer, mas não poderá“, escrevendo um roteiro que funciona como uma homenagem à Série Clássica. Espalhadas por todo o episódio, as referências ligam o público à história através de um método fácil e eficiente: a nostalgia de mãos dadas com o fanservice, coisas que, pela importância que têm para os espectadores, acabam diminuindo o peso das falhas narrativas em nome de uma porção de cameos inesperados. Ao longo da história, passamos por referências literais (sendo uma das mais inteligentes, a brincadeira do Mestre com o nome que ele daria ao seu plano de alinhamento com os Daleks, flertando, numa cômica troca de palavras, com The Daleks’ Master Plan); referências visuais (a minha favorita é o figurino montado pelo Mestre-Doutor, com o cachecol do , o suéter do , o pedaço de aipo do e a flauta do ) e também simbólicas, que podemos ver na maneira como a regeneração é abordada e como os companions são tratados e mostrados.

Olhando para essas presenças e pensando no impacto metaforicamente canônico que representam, entendemos o grande apelo que The Power of the Doctor acaba tendo para nós whovians e, somado ao apuro plástico, supre, ao menos em tese, a necessidade de um texto mais apurado e coerente. O começo da trama, porém, é de um verdadeiro primor narrativo. Ela abre um bom número de pontas para a ação da Doutora e lança uma das sementes mais belas e orgânicas de todo o Especial: o impacto que uma experiência de quase-morte tem para Dan; a sua escolha de abandonar a TARDIS, e o futuro grupo de apoio aos companions que Graham cria, momento em que os cameos possuem um real sentido dramático, trabalhando com algo palpável, sem inventar coisas que não precisavam ser inventadas (ainda mais em um episódio de fim de Era) como o espaço dos Guardians of the Edge, que regulam as regenerações. Nem preciso dizer a quantidade de perguntas sem resposta que isso abre, não é mesmo?

Um trem-bala espacial está sendo atacado por um grupo de Cybermen. A ação dos vilões é rápida e bem articulada, assim como a intervenção da Doutora, ao lado de Yaz e Dan. Mesmo quando o roteiro começa a mostrar coisas típicas de Chibnall, com diferentes lugares da Terra e uma miríade de personagens, o episódio ainda segue nos trilhos porque há uma aparente conexão inteligente entre os Cybermen, o Dalek que quer fazer um acordo com a Doutora e Rasputin, que logo descobrimos ser o Mestre de Sacha Dhawan, que dá um verdadeiro show de interpretação, entregando, como disse um grande amigo com quem conversei muito sobre esse episódio, um “Mestre nível Missy“. A preparação do plano do Mestre, aqui, me lembrou a excelente primeira parte de Spyfall. O desaparecimento de alguns sismólogos e de algumas importantes pinturas também são ingredientes intrigantes desse início. Mesmo já indicando excessos na variação de problemas a serem resolvidos, todos esses elementos são mantidos em contenção pelo texto, e como o Mestre é quem guia a justificativa de cada um deles, entendemos que está tudo sob controle.

Dois pontos problemáticos se destacam no desenvolvimento dessas questões, e o primeiro deles é o seguinte: por que o showrunner acreditou que seria uma grande ideia, no último episódio de encarnação de uma Time Lady, retirá-la de cena por algum tempo, deixando que outro personagem tomasse o seu corpo e agisse “como ela“? Últimos episódios de Doutores (ou pelo menos episódios oficialmente escritos para serem o final de uma encarnação), a partir de The War Games, são conhecidos como momentos onde esses personagens recebem o máximo de espaço possível, inclusive finalizando o seu arco de construção como personagem. Em The Power of the Doctor, essa abordagem essencial é desprezada em detrimento do espetáculo das aparições especiais e de um grande plano exterminador do Mestre que, mais uma vez, não tem uma justificativa ou alvo palpáveis. Convenhamos que nenhum desses problemas são novos nessa Era.

A 13ª Doutora conseguiu ser menos desenvolvida — em arco comportamental/psicológico de personagem — do que Doutores como o , o e o War Doctor. Como se isso já não fosse problemático, em seu canto do cisne, ela é retirada de cena em um pedaço do episódio e, ao fim de tudo, num dos momentos mais importantes da existência de um Doutor, tem sua regeneração desrespeitada — ao menos na minha forma de ver as coisas. Porque não a vemos regenerar de verdade. Sua transformação deságuada em uma falsa mudança com roupa e tudo (um suposto 14º Doutor com a face do 10º, vivido pelo sempre incrível David Tennant), que provavelmente é algum artifício do Celestial Toymaker. Não há “necessidade de marketing para atrair público para a nova fase da série” que justifique isso. O peso de uma despedida — belissimamente filmada, por sinal — é engolido pelo peso ainda maior de um “velho rosto favorito“, como havia sugerido o Curador em The Day of the Doctor, que surge logo em seguida. Não bastasse uma história que começa muitíssimo bem e termina bagunçada e com pouco ou nenhum sentido, mais a ausência de justificativas para o porquê o Mestre estava fazendo tudo aquilo (a não ser que esteja “tudo bem” agora aceitar “justificativas” como “ele faz isso porque é louco!“) Chris Chibnall consegue matar a regeneração de sua Doutora.

O segundo momento que citei mais acima vai me tomar poucas linhas, já que me recuso a ter que destrinchar a obviedade do porquê a música-meme Rasputin me fez sentir mais vergonha, aqui, do que na cena final de Love & Monsters. E o pior de tudo é o timing. Tenho dificuldade de entender como Chris Chibnall julgou que aquele momento era ideal para adicionar um meme sonoro com direito até a dancinha. Definitivamente um dos piores e mais constrangedores momentos da série, andando de mãos dadas com os bichos de The Web Planet.

The Power of the Doctor finaliza uma Era que pecou muito no quesito de organização de histórias. Os mesmos cacoetes dos épicos do showrunner aparecem nesta sua última trama, às vezes um tantinho melhorados por coisas interessantes que infelizmente não duram muito tempo na tela. Fico feliz pelo tratamento dado a Yaz e devo dizer que gostei bastante da representação de Tegan. Ace está ótima — Sophie Aldred tem uma presença fortíssima em tela — mas o roteiro não sabe quando deve ou não utilizar um bordão, tornando algumas das falas de Ace bem constrangedoras. A 13ª Doutora se vai em simplicidade. Não há discurso final ou flertes com a memória de sua vida, e suas últimas palavras são, em última instância, genéricas. O que mais me dói em tudo isso, é que Jodie Whittaker é uma fantástica atriz, e que nos poucos momentos em que recebeu linhas de texto que a permitiram brilhar, verdadeiramente brilhou. Muitas ideias, nessa fase da série, foram amarradas a histórias com excesso de personagens, de espaços de ação e de temáticas muito abertas, o que sempre resultou em problemas de conclusão para o showrunner que agora se despede. Não diria que é um escritor que fará falta a Doctor Who. E talvez seja o primeiro showrunner que saiu da série pior do que entrou.

Doctor Who: The Power of the Doctor (Reino Unido, 23 de outubro de 2022)
Direção: Jamie Magnus Stone
Roteiro: Chris Chibnall
Elenco: Jodie Whittaker, David Bradley, Colin Baker, Peter Davison, Paul McGann, Sylvester McCoy, Jo Martin, David Tennant, Mandip Gill, Sacha Dhawan, John Bishop, Sophie Aldred, Janet Fielding, Jemma Redgrave, Jacob Anderson, Bradley Walsh, Bonnie Langford, Katy Manning, William Russell, Patrick O’Kane, Joe Sims, Sanchia McCormack, Danielle Bjelic, Anna Andresen, Richard Dempsey, Jos Slovick, Nicholas Briggs, Nicholas Pegg, Barnaby Edwards, Matt Doman
Duração: 90 min.

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