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Crítica | Doctor Who: Timewyrm – Êxodo, de Terrance Dicks

por Rafael Lima
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Equipe: 7º Doutor, Ace.
Espaço: Londres Alternativa, Alemanha, Londres
Tempo: 1923, 1939, 1940, 1951

Quando idealizou o selo Doctor Who: Virgin New Adventures, série de romances que dariam continuidade a Série Clássica, o editor Peter Darvill Evans estabeleceu que as novas aventuras do Sétimo Doutor trouxessem uma abordagem mais madura, tocando em questões mais adultas do que aquelas permitidas á serie de TV. John Peel, o autor que deu início a série com Timewyrm: Gênese acreditou que a diretriz de Evans significava inserir na história elementos fortes de violência e conteúdo sexual, o que fez do romance de estreia da New Adventures uma obra que embora divertida, soava apelativa em muitos momentos. O escolhido para escrever a segunda parte da “Saga da Timewyrm” foi Terrance Dicks, roteirista de longa data de Doctor Who, e que tinha experiência com a transição da série para o formato literário, por ter escrito a maior parte das novelizações dos arcos televisivos para a Editora Target. Dicks teve outra leitura da diretriz de Evans de entregar “histórias mais maduras e adultas”, felizmente percebendo que a maturidade de uma narrativa não está em erotismo e violência, e sim na complexidade e profundidade dos conflitos enfrentados por seus personagens.

A história se inicia do ponto em que o romance anterior terminou. O 7º Doutor conseguiu salvar a Mesopotâmia da alienígena cibernética Ishtar fundindo-a á uma peça descartada da TARDIS, e jogando-a no Vórtice do tempo, mas ao custo de transformar Ishtar na Timewyrm, a criatura que ironicamente o Time Lord tentava impedir que surgisse. Com todo o tempo e espaço em risco, o Doutor e Ace seguem o rastro de energia deixado pela Timewyrm, materializando-se na Londres de 1951, em pleno Festival Britânico. Mas há algo terrivelmente errado, pois o país não celebra a vitória contra a Alemanha nazista, e sim a sua integração ao III Reich. A história foi alterada, e as forças de Adolf Hitler venceram a guerra. Ace tem certeza que a Timewyrm começou a agir, mas o Doutor acredita que por mais terrível que pareça, alterar o curso da guerra seria uma ação sutil demais para um monstro como a Timewyrm. Agora, o time da TARDIS precisa sobreviver á esta terrível realidade, e localizar o ponto exato em que a história foi alterada para devolver o tempo ao seu curso natural.

O livro de Dicks é estruturado em duas fases. A primeira ocorre na Londres alternativa dominada pelos nazistas, enquanto a segunda fase ocorre no passado, principalmente em 1939, em uma Alemanha nazista á beira da 2ª Guerra Mundial. A primeira metade da obra, embora parta do conhecido cenário Sci-fi de um mundo em que os nazistas venceram a guerra, consegue dar a essa premissa certo frescor, usando seus clichês com sabedoria.

A trama mostra-se eficiente em criar um ambiente de tensão constante, ao mesmo tempo em que apresenta o funcionamento da Inglaterra alternativa sem didatismos. O leitor acompanha o Doutor e Ace pisando em ovos por boa parte da obra, pois são obrigados a se infiltrar no partido nazista (graças á um fortuito encontro com o cadáver de um agente nazista) para obter as informações que precisam, correndo o risco tanto de serem descobertos como impostores quanto de serem mortos pela resistência.

Mas é em sua segunda metade, quando os personagens voltam ao passado na Alemanha nazista, que Timewyrm: Êxodo realmente brilha. Dicks demonstra ter realizado um trabalho de pesquisa bastante acurado para retratar este infame período da história alemã, ao mesmo tempo em que utiliza Adolf Hitler e seus aliados mais próximos dentro da narrativa de forma adequada em relação á seus papéis históricos, mas sem que soem como caricaturas.

Sempre acreditei que para qualquer autor, escrever para nazistas era um desafio. Qualquer tentativa de humanizar esses personagens poderia facilmente cair para um revisionismo ou relativismo perigoso. Por outro lado, é muito fácil transformar essas figuras em “personagens de plástico” absolutamente artificiais, que o leitor simplesmente não consegue levar a sério. Mas os retratos que o autor compõe para figuras como Adolf Hitler, Heimrich Himmler, Hermann Goering, e Joseph Goebbles é excelente. Todo estes nazistas são retratados como pessoas horríveis, mas ainda assim pessoas de carne e osso, e não caricaturas de maldade, cada um com uma personalidade distinta e crenças próprias. Hitler, por exemplo, é retratado como um líder carismático, mas totalmente instável e descolado da realidade, fazendo com que muitos dos seguidores, embora o reverenciassem, temessem o caminho para onde ele poderia estar levando a Alemanha.

Mas um dos maiores méritos de Dicks neste romance é como ele capta de forma perfeita a relação do Sétimo Doutor e Ace, desenvolvendo os nuances paternais e professorais existentes entre a dupla, mas sem se esquecer dos toques de rebeldia da jovem de Perivale, que como visto no fim da Série Clássica, aos poucos, começa a questionar o comportamento manipulador de seu “Professor”, mas sem que tais questionamentos afetem a o carinho e a fé que deposita nele (e vice versa).

Individualmente, o Time Da TARDIS é igualmente bem retratado. Se existe uma versão do Doutor que tem o sangue frio e o estomago para se infiltrar na alta cúpula do partido nazista, este é o Sétimo. Adotando o nome de Johann Schmidt (uma variação alemã de John Smith) o Time Lord se torna um dos principais conselheiros de Hitler, chegando a consola-lo depois de seu fracasso em causar uma mobilização contra o governo alemão em um breve encontro em 1923. É na missão do Doutor que se encontra o conflito moral maduro que citei no começo do texto. O Doutor não está ali apenas para localizar a alteração temporal que permitiu que Hitler vencesse a guerra. Ele também esta lá para manter a história em seu curso, o que significa garantir que a 2ª Guerra Mundial e seus horrores aconteçam. É uma tarefa cruel demais para mesmo o pragmático 7º Doutor passar incólume, e o autor mostra o preço emocional que tal incumbência tem sobre o Gallifreyano de forma sutil, porém poderosa nos trechos finais da obra, que vai trazer uma lágrima aos olhos dos fãs da equipe 7º Doutor/Ace.

Ace mantém a combinação de rebeldia e inocência que a tornou uma personagem tão cativante na TV. Entretanto, Ace claramente funciona como o contraponto ao Doutor durante o romance. Se o Gallifreyano tem que manter sangue frio de testemunhar os desmandos da ditadura nazista, podendo apenas ajudar as vítimas por baixo dos panos enquanto está disfarçado (ou usando o próprio sistema para isso) Ace tem que ser vigiada por seu “professor” o tempo todo, chegando ao ponto de tentar matar um jovem Hitler pelas costas em 1923, atirando-lhe um Nitro 9, sendo impedida por pouco pelo Doutor. A jovem se mostra sagaz como sempre durante a aventura, mas igualmente impulsiva, o que a acaba colocando-a em alguns apuros.

Além do caráter histórico envolvido na aventura, o autor encontra tempo pra prestar homenagens ao passado da série, ao fazer de Timewyrm: Êxodo, uma sequência direta de um dos maiores clássicos escritos por Dicks para a Série Clássica, em uma continuação orgânica, que traz velhos personagens de volta, e acréscimos interessantes para a mitologia de Doctor Who. Embora o arco da Timewyrm também continue a ser bem construído e a evoluir, com os personagens não esquecendo em momento nenhum a potencial ameaça da vilã, a criatura acaba desempenhando um papel menor (porém vital) na trama, que se concentra mais em resolver a alteração temporal envolvendo os nazistas do que propriamente em lidar com a Timewyrm.

Timewyrm: Êxodo é um excelente trabalho da Virgin New Adventures, onde Terrance Dicks entrega uma trama que ao mesmo tempo em que tem um sabor tradicional, lida com temas maduros e profundos como a natureza viciante do poder, além de se aprofundar nos bastidores de um dos mais cruéis regimes ditatoriais da história da humanidade.

Doctor Who: Timewyrm: Êxodo (Timewyrm: Exodus) — Reino Unido. 15 de Agosto de 1991.
Autor: Terrance Dicks
Publicação: Editora Virgin
Virgin New Adventures # 2
234 Páginas.

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