É bem frustrante ver uma franquia querida tropeçar em sua própria nostalgia. Em Dora e a Busca pelo Sol Dourado, o diretor Alberto Belli tenta ressuscitar a aventureira mais otimista da televisão infantil, após o sucesso do ótimo Dora e a Cidade Perdida (2019), aproveitando a celebração de 25 anos de Dora, A Aventureira. No entanto, a empreitada tem qualidade muito inferior em relação ao outro filme, e parece ter sido feita às pressas, com tudo acontecendo muito rápido, sem tempo para que o público aproveite e goste dos personagens e da proposta. É basicamente aquela sessão de perguntas constrangedoras: para quê mais um filme de Dora? Quem pediu um roteiro desses? Quem precisava dessa revisão? Qual a função de refazer esse Universo?
A narrativa segue uma Dora adolescente, interpretada de maneira caricata por Samantha Lorraine, que está em busca do Sol Dourado, um artefato místico capaz de conceder desejos. Ao lado do primo Diego (Jacob Rodriguez), da amiga Naiya (Mariana Garzón Toro) e do irmão mais novo desta, Sonny (Acston Luca Porto), a protagonista precisa superar a ambiciosa arqueóloga Camila (Daniella Pineda) numa corrida contra o tempo. A premissa promete explorar autoconfiança e crescimento pessoal, mas o roteiro de JT Billings desenvolve esses temas de forma burocrática: são funcionais e necessários, mas sem aquela aura que fica conosco depois da sessão. Tudo aqui é culturalmente industrial demais e, por isso, morre por completo quando os créditos sobem.
Filmado na Colômbia, o filme tem uma autenticidade bacana nos cenários, honrando a tradição estabelecida pelo filme anterior; mas tropeça imediatamente na representação dos personagens animados que definiram a franquia e dão a graça da história. Botas, agora dublado por Gabriel Iglesias (uma das poucas mudanças que não caiu de qualidade), sofreu uma transformação hiper-realista que eliminou seu charme cartunesco original, resultando numa presença visual que lembra a gente o tempo todo que este é um filme com “orçamento de streaming“. Raposo, reduzido a uma raposinha comum e silenciosa (como não odiar uma escolha dessas?), desperdiça completamente um dos elementos mais reconhecíveis da série original. Ou seja, fica difícil defender boa parte dos caminhos tomados pela produção.
Samantha Lorraine tenta capturar o otimismo contagiante de Dora, característica que Isabela Moner havia interpretado com tanto carisma antes, mas o roteiro a confina numa versão adolescente que parece ter perdido justamente aquilo que a tornava única. Jacob Rodriguez estreia no cinema como Diego, numa interpretação que busca algo diferente das versões anteriores, mas essa reinvenção nunca ganha força suficiente para sustentar um interesse dramático. Daniella Pineda entrega a única performance que tenta escapar das armadilhas do material, retratando Camila com menos caricatura do que seria esperado, embora nem mesmo essa abordagem consiga elevar uma narrativa, que insiste em subestimar sua própria audiência.
Do lado positivo, o filme incorpora elementos da cultura inca de forma respeitosa, fazendo referências a tradições pré-colombianas e artefatos históricos que servem como fundação para a aventura. Essa pesquisa cultural representa um dos raros momentos onde a produção mostra comprometimento real com algo além da exploração nostálgica, honrando tradições ancestrais de forma educativa — algo que Dora e a Cidade Perdida havia estabelecido como padrão para a franquia e que a série já fazia na base regular. É pena que, no desenrolar da trama, essa base seja minada por uma execução que trata esses elementos como decoração exótica, ao invés de componentes narrativos genuínos, aproveitando de verdade aquilo que eles têm para oferecer.
Sinto que o ritmo atropela seus maiores momentos de desenvolvimento emocional, contrastando com a construção de personagens. As sequências de ação, embora tecnicamente competentes, seguem fórmulas tão previsíveis que tiram qualquer senso genuíno de perigo ou descoberta. É uma produção que subestima a capacidade de crianças de se engajarem com narrativas mais complexas. O visual oscila entre momentos impressionantes — especialmente nos cenários naturais colombianos — e sequências onde as limitações orçamentárias se tornam óbvias (o que foi aquela cena da caverna?).
Dora e a Busca pelo Sol Dourado confirma que nem sempre seguir o sucesso de um filme anterior garante resultados similares. A franquia, que havia reencontrado seu modo de educar com leveza e diversão, toma aqui um rumo diferente, deixando claro para crianças e adultos, que certas aventuras funcionam melhor quando preservam o padrão de qualidade já consagrado, em vez de se tornarem produtos formatados apenas para preencher catálogos de streaming.
Dora e a Busca pelo Sol Dourado (Dora and the Search for Sol Dorado) — EUA, 2025
Direção: Alberto Belli
Roteiro: JT Billings (baseado nos personagens de Chris Gifford, Valerie Walsh Valdes, Eric Weiner)
Elenco: Samantha Lorraine, Jacob Rodriguez, Daniella Pineda, Gabriel Iglesias, Jacqueline Obradors, María Cecilia Botero, Mariana Garzón Toro, Acston Luca Porto, Valentina Latyna, Scarlett Spears, Tiago Martinez, Christian Gnecco Quintero, Valentina Acosta, J. Santiago Suarez
Duração: 96 min.